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Guerra na Faixa de Gaza completa 2 anos com mais de 67 mil mortos e Israel isolado

Apesar de negociações por cessar-fogo, especialistas apontam que Tel Aviv levará anos para se recuperar da crise de imagem causada pela destruição de Gaza

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Bombardeio na Faixa de Gaza | Foto: UNRWA/Ashraf Amra
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Com mais de 67 mil mortos e um território reduzido a escombros, a guerra na Faixa de Gaza completa dois anos nesta terça-feira (7). Apesar de Israel e Hamas avançarem num acordo de paz, proposto pelos Estados Unidos, a crise humanitária causada pelo conflito provocou um isolamento significativo de Tel Aviv no cenário global, que pode demorar para ser revertido.

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A falta de apoio foi evidenciada oficialmente na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em Nova York, em setembro. Ao subir ao palco, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi alvo de vaias de delegações, como gesto de repúdio à ofensiva em Gaza. Muitas comissões também deixaram o local antes do premiê iniciar o discurso, incluindo a do Brasil.

Na ocasião, Netanyahu relembrou os ataques do Hamas, em que mais de 1,2 mil israelenses foram executados e 251 pessoas foram levadas como reféns. Hoje, 48 deles permanecem sob poder do grupo, 20 dos quais estão vivos.

O líder israelense rebateu em termos duros uma série de medidas anunciadas por aliados que aprofundaram o isolamento do país. É o caso da Comissão Europeia, que disse estudar aplicar novas sanções, incluindo a suspensão de livre comércio entre o bloco europeu e Israel, assim como o recente reconhecimento do Estado da Palestina por países ocidentais.

James Onnig, professor de geopolítica do Laboratório de Pesquisa em Relações Internacionais da Faculdade de Campinas (FACAMP), explica que a reação do Ocidente, incluindo de países aliados, acontece devido à pressão pública mundial, que vem cobrando uma resposta pelo alto número de vítimas no conflito.

“O ataque de Israel à Faixa de Gaza foi extremamente desproporcional ao 7 de outubro. Não falo em número de vidas, porque isso não se calcula, e sim de capacidade de destruição”, diz Onnig. “O Hamas é um grupo e Israel está usando essa desculpa para penalizar toda uma população, matando dezenas de milhares de inocentes e levando ao naufragar de relações políticas e públicas em qualquer esfera internacional”, acrescenta.

Esse isolamento, mesmo que parcial, compromete a posição de Israel no cenário global, já que há um esfriamento de relações jamais esperadas — como a do Brasil, que conta com uma das maiores comunidades judaicas da América Latina. Além disso, o país enfrenta acusações formais de genocídio, feitas por investigadores independentes, e um processo na Corte Internacional de Justiça.

Simultaneamente, Netanyahu é alvo de um mandado de prisão pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), assim como o ex-ministro de Defesa Yoav Gallant. Ambos foram acusados de cometer crimes contra a humanidade e crimes de guerra no Estado da Palestina.

Para Fernando Brancolli, professor de Geopolítica do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esses agravantes dificultam a reversão da imagem de Israel, sobretudo na esfera humanitária, o que contribui para o isolamento internacional a longo prazo do país.

“Todas as esferas foram ruins para Israel. Acho que a principal, obviamente, é a esfera humanitária. Vai ser difícil Israel recuperar essa imagem, porque o que anteriormente tinha uma dimensão de solidariedade de um país atacado brutalmente, matando seus civis, se converte hoje como país acusado de cometer genocídio, de estar tentando matar uma população inteira de fome. Então, é um momento muito ruim mesmo”, afirma.

O mesmo é dito por Onnig, que aponta para um longo caminho de conversas e negociações entre Israel e a comunidade internacional. Segundo ele, esse processo de reversão poderia ser acelerado apenas em alguns casos, como a queda do governo de Netanyahu, a prisão e condenação das autoridades israelenses que apoiaram a ofensiva em Gaza, a eleição de um governo menos extremista e a mudança de postura do país em relação à criação do Estado da Palestina.

“Mesmo assim, isso seria a longo prazo. Mas estou muito cético em relação a esse processo de possibilidade de reversão de isolamento. Israel pagou um preço muito caro e vai sofrer as consequências”, frisa Onnig. “Os milhares de mártires de Gaza ficarão como uma mancha não só na história de Israel, mas do sistema internacional, que poderia preservar vidas humanas — o que não aconteceu”, acrescenta.

Ao citar a criação do Estado da Palestina, o especialista se refere à solução de dois Estados, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. Como o próprio nome indica, a proposta envolve garantir que haja um Estado israelense e um Estado palestino coexistindo pacificamente no Oriente Médio.

Até o momento, a Palestina não é reconhecida oficialmente como um Estado. Isso se deve a uma série de fatores, incluindo a falta da definição de um território, já que Israel segue ocupando ilegalmente áreas reservadas para os palestinos, como a Cisjordânia.

Apesar disso, mais de 70% dos membros da Assembleia Geral da ONU reconhecem a Palestina como um Estado independente e soberano. As últimas nações a adotarem a iniciativa foram França, Reino Unido, Canadá, Austrália e Portugal, o que demonstrou um novo peso político à medida, mesmo em meio às crescentes críticas de Israel.

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A movimentação é importante, mas a eficácia do reconhecimento ainda é incerto, segundo Brancolli. “É importante se pensarmos que os palestinos brigam, discutem e pedem por reconhecimento estatal desde 1948. É claro que estamos a anos-luz da possibilidade da criação de um Estado palestino, até porque ninguém tem certeza de quais seriam as fronteiras desse Estado. Além disso, países que participam desse processo, como a Inglaterra, continuam apoiando militarmente Israel. Então, não há pressão para a criação do Estado palestino”, analisa.

Mais de 67 mil mortos

Guerra em Gaza começou em outubro de 2023 | Reprodução/Twitter
Guerra em Gaza começou em outubro de 2023 | Reprodução/Twitter

Em 731 dias de guerra na Faixa de Gaza, mais de 67 mil palestinos foram mortos e 169 mil ficaram feridos, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). A violência também atinge os trabalhadores humanitários: pelo menos 562 foram mortos, incluindo 376 funcionários da ONU, desde o início do conflito.

A ONU registra ainda que, desde que Israel implementou um sistema militarizado de distribuição de alimentos em maio de 2025, mais de 2,3 mil pessoas morreram enquanto tentavam receber ajuda humanitária. Muitos óbitos ocorreram por tiros de advertência disparos pelas tropas israelenses, que disseram tentar controlar a multidão.

A crise humanitária provocada pela guerra é agravada pela fome generalizada. De acordo com o Sistema Integrado de Segurança Alimentar (IPC), 100% da população das províncias Deir al-Balah e Khan Younis, onde moram cerca de 1,98 milhão de pessoas, enfrenta níveis severos de insegurança alimentar.

Esse cenário é pior para crianças. Dados da Agência da ONU de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) mostram que quase uma em cada três crianças está desnutrida na Cidade de Gaza, e que a taxa geral de desnutrição no enclave palestino chega a 11,9%.

O Comitê Internacional de Resgate (IRC) constatou que uma em cada três crianças pequenas passou um dia inteiro sem comer nas últimas 24 horas e estima que Gaza abriga hoje o maior número de crianças amputadas per capita no mundo, com até 4 mil desde o início da guerra. O Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) também registrou 440 mortes relacionadas à desnutrição, incluindo 147 crianças, até setembro de 2025.

Além da fome e da destruição, a guerra causou um deslocamento em massa da população. Mais de 82% da Faixa de Gaza está sob ordens de evacuação ou dentro de zonas militarizadas israelenses. Ao todo, mais de 1,1 milhão de pessoas foram forçadas a deixar suas casas desde o colapso do cessar-fogo em março de 2025.

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Relatórios recentes da Comissão de Inquérito da ONU acusam Israel de obstruir a entrada de ajuda humanitária essencial, inclusive da UNRWA, com o objetivo de impor “condições de vida insuportáveis” aos palestinos. A combinação de ataques contínuos, bloqueios e deslocamentos forçados tem transformado Gaza em uma das piores crises humanitárias contemporâneas, segundo apontado por especialistas.

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