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“É uma guerra de extermínio”, diz palestino que tenta deixar Gaza após 2 anos de conflito

Ao SBT News, Mohammed Hamad contou detalhes da jornada para sobreviver a mais de 700 dias da ofensiva israelense

Imagem da noticia “É uma guerra de extermínio”, diz palestino que tenta deixar Gaza após 2 anos de conflito
Mohammed Hamad, nutricionista já foi deslocado mais de 10 vezes com a família e faz apelo para deixar Faixa de Gaza
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Ao redor de uma mesa, em uma casa improvisada, Mohammed Hamad, um médico nutricionista de 40 anos, sorri ao lado dos cinco filhos. Os pratos fartos e os sorrisos nos rostos não demonstram que esse é o 11º deslocamento da família, que há 731 dias sobrevive à guerra entre Israel e Hamas, na Faixa de Gaza.

Morador de Gaza, o palestino Mohammed divide a refeição com os cinco filhos em meio a guerra
Morador de Gaza, o palestino Mohammed divide a refeição com os cinco filhos em meio a guerra

A peregrinação por um local seguro começou logo após o 7 de outubro de 2023, quando o governo de Benjamin Netanyahu declarou guerra contra o grupo Hamas pelo ataque no sul de Israel.

Mohammed morava na cidade de Beit Hanoun, no extremo norte de Gaza, quando as tropas israelenses cruzaram a fronteira. No primeiro dia de guerra, ele foi obrigado a deixar o município, abandonando sua casa, sua fazenda e um centro estético administrado pela esposa. Ao lado da família, seguiu para o sul do território palestino.

O primeiro destino foi o acampamento da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) em Khan Yunis. No local, que abrigava outras 40 mil pessoas, o médico compartilhou uma tenda com a esposa, os filhos e as duas irmãs, uma com deficiência. A família permaneceu no local até 25 de janeiro de 2024, quando a instalação foi bombardeada por Israel.

“Perdi muitos amigos, colegas e parentes. Não consigo suportar estar separado deles”, conta o palestino ao SBT News.

O nutricionista, que possui uma bagagem de mais de 18 anos na área da saúde, ajudou a cuidar dos feridos antes de seguir cerca de 3 km para Rafah. Ao entrar na cidade, ele foi separado da família para ser revistado por militares israelenses. Mesmo entregando documentos pessoais, foi detido, sendo levado, vendado e com os pés e mãos amarrados, à fronteira de Khan Yunis e Israel.

47 dias de prisão

Civis palestinos mantidos prisioneiros pelo Exército de Israel
Civis palestinos mantidos prisioneiros pelo Exército de Israel

Em território israelense, Mohammed foi transferido para três centros de detenção, onde disse ter sido torturado. Segundo o médico, os militares queriam saber onde ele estava em 7 de outubro de 2023, durante o momento do ataque. Mesmo afirmando que estava em casa com a família, sofreu agressões e foi pressionado pelos militares. Ele foi libertado após 47 dias.

“Fui preso e torturado sem motivo. Minhas mãos ficaram algemadas e meus olhos vendados por 47 dias, sem razão. Meu ombro e minhas costelas foram quebrados e ainda sofro com as consequências. Atualmente, estou desempregado devido ao ferimento que sofri durante minha prisão pelo exército israelense. Estou fazendo tratamento há um ano. Preciso de cirurgia, mas não há cirurgia em Gaza agora”, relata.

Após ser solto, Mohammed conseguiu reencontrar sua família, com quem percorreu grande parte de Gaza devido aos deslocamentos forçados, que atingem cerca de 90% da população de Gaza, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Entre uma cidade e outra, pediu ajuda para deixar o enclave palestino, mas não conseguiu pagar o valor exigido: US$ 5 mil (cerca de R$ 26 mil, na cotação atual) por pessoa.

“Eu não tinha esse dinheiro. Depois disso, as passagens foram fechadas e ninguém mais pôde sair da Faixa de Gaza. Há 22 meses, apelo a todas as organizações do mundo para tirar minha família de Gaza, mas não houve resposta”, lamenta.

Atualmente, Mohammed está no sul da cidade de Deir al-Balah, que fica no centro de Gaza. Ao SBT News, ele conta que enfrenta dificuldades para se alimentar, uma vez que o exército israelense está limitando, desde o início do ano, a entrada de ajuda humanitária na região.

A ação vem provocando altos índices de desnutrição, levando pessoas à morte. Um último balanço do Ministério da Saúde apontou que, até 19 de setembro, 440 mortes relacionadas à desnutrição, incluindo 147 crianças, foram documentadas no enclave.

“Há seis meses não há vegetais, frutas, carne, queijo e laticínios disponíveis nos mercados. Existem poucos vegetais cultivados localmente, mas com preços que não conseguimos pagar. Dependemos apenas de leguminosas e alimentos enlatados”, conta Mohammed.

“Após a melhora no fluxo de mercadorias para os comerciantes, passamos a comer duas refeições por dia. Há um mês, comíamos apenas uma refeição a cada dois dias”, completa.

A busca por suprimentos de ajuda tem sido uma jornada mortal para muitos palestinos. Dados do Ministério da Saúde de Gaza, confirmados pelo Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), mostram que 2.531 pessoas morreram tentando obter ajuda humanitária desde 27 de maio de 2025, quando postos militarizados foram instalados, e mais de 18.531 ficaram feridas.

O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), por sua vez, aponta para 2.340 vítimas, sendo a maioria homens e meninos jovens. Destes, 1.218 foram mortos perto dos postos militarizados e 1.122 ao longo das rotas de abastecimento de comboios.

O número de mortos no enclave palestino já passa de 67 mil, com 167.160 feridos.

Para Mohammed, o futuro de Gaza é sombrio. Apesar de se opor à política do Hamas, o que já o levou à prisão antes da guerra, o médico afirmou que os extremistas estavam dispostos a libertar os reféns israelenses em troca de um cessar-fogo no início da guerra. Ele culpa Benjamin Netanyahu por engessar as negociações de paz nos últimos anos, mediadas por Estados Unidos, Catar e Egito.

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“Netanyahu não quer um cessar-fogo, mesmo que libere todos os prisioneiros, porque isso é um pretexto para ele se manter no poder e escapar de julgamento, além de destruir todo o Oriente Médio. A questão não está relacionada a 7 de outubro, porque seu objetivo é expansionista. Ele ordenou a anexação da Cisjordânia. Ele bombardeia a Síria, o Líbano, o Irã e o Iêmen, e enfrenta o mundo para se manter no poder e realizar seu sonho de estabelecer um Estado de Israel ampliado”, diz Mohammed.

O que está acontecendo é uma guerra de extermínio para destruir as pedras, as árvores e as pessoas em Gaza. Tudo foi destruído, assim como o futuro de Gaza”, conclui.

Genocídio

Em 16 de setembro, um relatório da Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre o Território Palestino Ocupado, ligado ao ACNUDH, concluiu que o Estado de Israel cometeu genocídio na Faixa de Gaza. Os investigadores apontaram que Tel Aviv cometeu quatro dos cinco atos genocidas definidos pela Convenção de 1948, sendo:

  • assassinar membros de um determinado grupo;
  • causar-lhes danos corporais ou mentais graves;
  • infligir condições de vida calculadas para causar desnutrição;
  • impor medidas destinadas a prevenir nascimentos.

Para o relatório, a Comissão avaliou as operações militares israelenses no enclave palestino, que “deixaram um número sem precedentes de mortos e feridos palestinos”, bem como a “destruição sistemática” de hospitais e escolas. O bloqueio parcial da entrada de ajuda humanitária também foi analisado, concluindo que Tel Aviv visou provocar a "destruição física dos palestinos por meio de condições de vida insuportáveis ​​em Gaza”.

O embaixador de Israel na ONU, Danny Hanon, rejeitou as conclusões, criticando a Comissão. Para ele, o relatório "promove uma narrativa que serve ao Hamas e seus apoiadores na tentativa de deslegitimar e demonizar o Estado de Israel”. “O relatório acusa falsamente Israel de intenção genocida, uma alegação que não pode comprovar”, frisou, na época.

Negociações de paz

Na última semana, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro isralenese, Benjamin Netanyahu, propuseram um acordo de cessar-fogo permanente em Gaza. O documento foi enviado por representantes de Washington ao Hamas, que viajou ao Egito para debater os termos com autoridades israelenses.

A proposta engloba a libertação dos reféns ainda mantidos pelo Hamas, vivos e mortos, em troca de 250 palestinos condenados e 1.700 detidos em Israel. O texto também inclui a desmilitarização de Gaza e a entrada de ajuda humanitária na região, incluindo reabilitação de infraestrutura, além da anistia a integrantes do grupo extremista que se renderem.

O acordo propõe ainda que, enquanto um novo governo não é firmado, o enclave palestino será administrado por uma gestão internacional temporário, chamada de “Conselho da Paz”. O grupo será chefiado por Trump e outros líderes e ex-chefes de Estado, incluindo o ex-primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, e formado por palestinos qualificados. O Hamas, por sua vez, não terá participação no governo.

Outros pontos do acordo incluem:

  • a criação de um plano de desenvolvimento para reconstruir e revitalizar Gaza;
  • o estabelecimento de uma zona econômica especial com tarifas preferenciais e taxas de acesso negociadas;
  • a garantia de segurança por parceiros regionais, que deverão impedir o Hamas e outras facções de descumprirem os termos do acordo.

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Apesar de encorajador, especialistas consultados pelo SBT News apontam que o acordo pode sofrer impasses. Uma das principais questões do Hamas é a libertação dos 48 reféns ainda mantidos em Gaza, dos quais 20 estão vivos. Em vez de entregar os sequestrados em até 72 horas, como estipulado no texto, a ideia do grupo é devolver os reféns gradualmente, como forma de garantir que Israel cumpra sua parte do acordo.

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