Caso Marielle: irmãos Brazão se associaram a milicianos e grileiros por dinheiro e votos
Supremo pode tornar réus esta semana suspeitos de ordenar execução de vereadora; líder do clã tinha 87 terrenos em áreas de milícia no Rio
Os irmãos Domingos Brazão (MDB) e Chiquinho Brazão (União) se associaram a grileiros de terra e milicianos do Rio de Janeiro com objetivo de apropriar-se de áreas públicas e de proteção ambiental a fim de comercializá-las. É o que aponta a denúncia criminal da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os supostos "mandantes e autores intelectuais" da execução de Marielle Franco (PSOL), em março de 2018.
Os irmãos Brazão, o delegado Rivaldo Barbosa (ex-chefe das Polícias do Rio) e dois ex-policiais militares ligados à milícia de Rio das Pedras – maior área de ocupação fluminense – podem ir ao banco dos réus ainda nesta semana.
A denúncia da PGR aponta que o cabeça do clã, Domingos Brazão, ex-deputado estadual do Rio e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ), teve 87 imóveis na zona oeste, em especial, em Jacarepaguá, área dominada pelas milícias.
"Para gestão desses bens, Domingos Inácio Brazão e Alice de Mello Kroff Brazão, sua esposa, constituíram a sociedade empresária Superplan Administração de Bens Imóveis e Participações Ltda, detentora de direitos de propriedade sobre 87 imóveis", registra o documento.
A acusação é assinada pelo vice-procurador-geral da República, Hindenburgo Chateaubriand Filho, e foi entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana. O ministro Alexandre de Moraes analisa elementos de provas, os argumentos das defesas, que negam crimes, e deve decidir nos próximos dias se abre processo penal. Os cinco acusados estão presos preventivamente.
Política e fortuna
A acusação da PGR aponta que "a estratégia de associar-se a milicianos" envolvia, inclusive, a nomeação de alguns deles para cargos em órgãos públicos. O policial militar da reserva Robson Calixto da Fonseca, conhecido como Peixe, preso na quinta-feira (9) pela Polícia Federal, era um deles.
Apontado como membro da milícia que comanda Rio das Pedras, Peixe foi nomeado assessor de Brazão no TCE. Segundo a denúncia, o miliciano era representante dos irmãos Brazão em negócios de grilagem e venda das áreas. A PF listou registros de que o ex-assessor determinava "pagamentos a diversos construtores e loteadores, por meio de terceiros, utilizados para ocultar a origem dos recursos, e transferindo valores a laranjas, ligados aos reais destinatários do dinheiro".
Assim como Peixe, outros quatro milicianos do grupo que comanda a região de Jacarepaguá foram apontados como parceiros do clã Brazão. Entre eles, Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho; Ronald Paulo Alves Pereira, o Major Ronald; Laerte Silva de Lima e Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé – o último foi assassinado em 2021. Eles estavam ligados a crimes como as obras irregulares na comunidade da Muzema, que desabaram, em 2021, deixando duas vítimas fatais.
Fininho é apontado como "um dos principais líderes paramilitares de Rio das Pedras, ao lado de Laerte Silva de Lima" e do Major Ronald. "Todos, registre-se, judicialmente condenados por integrar a milícia local." Major Ronald e Peixe foram denunciados e tiveram ordem de prisão decretada pelo STF.
Major Ronald cumpre pena desde 2018, alvo da Operação Intocáveis, do Ministério Público do Rio, por crimes ligados à milícia. "Por sua proximidade com os integrantes dessa milícia, Domingos Inácio Brazão também desenvolveu vínculo com Ronald, miliciano que se dedicava à grilagem de terras na mesma região", destaca a PGR.
"A grilagem se dava, usualmente, com a utilização de pessoas de baixa renda. Os imóveis eram ocupados e a posse ou propriedade, em seguida, reivindicada. Após a regularização é que o grupo criminoso adquiria os direitos de posse e de propriedade dos bens, diretamente ou por meio de laranjas e pessoas jurídicas interpostas, comercializando-os com lucros exorbitantes", denúncia da PGR contra Domingos e Chiquinho Brazão pelo assassinato de Marielle Franco.
A acusação aponta que a associação dos irmãos Brazão aos criminosos "serviu a dois propósitos, a saber, o de constituir redutos eleitorais nas áreas por eles controladas e o de explorar atividades imobiliárias, por meio de práticas de grilagem".
A PGR também destaca os elos dos irmãos Brazão e João Bosco Barra, o João do Aterro, em negócios em Jacarepaguá. Segundo as apurações, ele é um dos "principais grileiros" da região. "João Charra praticava, em favor dos irmãos, extração de solo e areia, para fins de terraplanagem nos terrenos de interesse do grupo." Chegaram a abrir uma empresa com ele, a BR Car Veículos, "para melhor gestão dos negócios".
Segundo a PGR, "foi assim que Domingos e João Francisco Brazão amealharam patrimônio considerável, representado por dezenas de bens imóveis". De 2002 a 2010, o patrimônio de Domingos Brazão passou de R$ 209 mil para R$ 5 milhões.
As investigações da Operação Murder Inc. da PF apontaram que o aumento é simultâneo ao ingresso dele na carreira política. Parte desse patrimônio levantado com crimes, segundo os investigadores: "de parcelamento irregular do solo com finalidade de lucro", "extorsão" e "outros delitos violentos que lhes garantiam a perpetuação do domínio territorial".
Motivos para execução de Marielle
A acusação aponta os negócios imobiliários como principal motivo de desentendimento entre os irmãos Brazão e a vereadora Marielle Franco (PSOL). São três fatos antecedentes listados como causa do crime: o risco aos negócios de ocupação de áreas e regularização para venda; a oposição aos projetos de lei que facilitavam a grilagem de terras; e os ataques feitos às nomeações de aliados ao TCE.
"Qualquer embate ou disputa nesse campo específico da política municipal representava, portanto, uma ameaça a seus negócios e a dos diferentes grupos de milícias com os quais se associaram. Foi por isso que as iniciativas políticas do PSOL e, mais tarde, de Marielle Francisco da Silva (conhecida como Marielle Franco), em assuntos ligados ao tema, tomaram-se um sério problema para os denunciados", diz denúncia da PGR.
Para a PGR, os irmãos Brazão "possuíam interesse econômico direto na aprovação de normas legais que facilitassem a regularização do uso e da ocupação do solo, bem como o respectivo parcelamento, especialmente em áreas de milícia e de loteamentos clandestinos na cidade do Rio".
Segundo a acusação, "foram nas divergências sobre as políticas urbanísticas e habitacionais que os irmãos Brazão perceberam a necessidade de executar a vereadora". Há exemplos de casos em que a família tentou aprovar leis no Rio, mas teve problemas. Uma deles foi a aprovação das leis complementares municipais 160 e 161, de 2015, que flexibilizavam requisitos de "regularização de parcelamentos irregulares do solo". "Beneficiando grileiros de regiões administrativas de Vargem Grande, Jacarepaguá e Taquara, redutos eleitorais dos irmãos Brazão", diz a PGR.
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"Mesmo assim, houve problemas nas aprovações dos mais de 186 projetos que pediam a regularização. O então vereador, Chiquinho Brazão, atual deputado federal, “para contornar as dificuldades” propôs, em dezembro do ano seguinte, o projeto de lei complementar 174/2016, flexibilizando ainda mais as exigências ambientais e urbanísticas" e expandindo "consideravelmente a área de construções ilegais passíveis de regularização" – como mostra o mapa acima, anexado na denúncia.
"Para favorecer ainda mais os 'grileiros', especuladores imobiliários e milicianos, o PLC permitiu inclusive a regularização de parcelamentos sem edificação, medida inconciliável com as políticas habitacionais de interesse social".
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Segundo a PGR, "não há dúvida de que as dificuldades na tramitação do projeto e, sobretudo, o elevado risco de rejeição, somados ao histórico de conflitos com o PSOL e Marielle Francisco da Silva, recrudesceram o descontentamento dos irmãos Brazão".
Defesas
Os irmãos Brazão negam envolvimento nos crimes. Os advogados pediram que Moraes suspenda o prazo dado para apresentação das defesas prévias alegando que não teve acesso a partes do processo.
Entre os documentos pedidos pela defesa está a íntegra das delação premiada do miliciano Ronnie Lessa, preso e condenado como executor do crime. Foi ele um dos delatores dos irmãos Brazão.
A defesa de Rivaldo Barbosa também nega o envolvimento do cliente com crimes e pediu que o acusado responda em liberdade. Segundo os defensores, não há mais motivos para sua prisão. Eles alegam, ainda, que o delegado precisa de "tratamento médico adequado para os seus problemas de saúde".
As defesas de Major Ronald e Peixe ainda não foram localizadas. O espaço está aberto para manifestações.