Gilmar Mendes diz que entendimento do STF sobre descriminalização da maconha foi "muito racional"
Decano do Supremo relembrou que ação apenas questiona a constitucionalidade da Lei de Drogas, separando usuários de traficantes e não legalizando a substância
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), avaliou que entendimento da Corte alcançado nessa terça (25), com decisão da maioria para descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal, foi "muito racional, muito racionalizado, muito moderado". O magistrado relembrou que julgamento separa apenas usuários de traficantes, mas não legaliza a substância ou porte dela.
"O usuário pode cometer infração administrativa, mas não comete crime. Portanto, não fica com antecedentes criminais. Não deve ser levado à prisão numa ou noutra circunstância", ponderou Mendes a jornalistas, entre eles Murilo Fagundes, do SBT, em Portugal. Ele é o organizador do 12º Fórum Jurídico de Lisboa, que conta com a presença de nomes dos Três Poderes.
Mendes também é relator da ação (RE nº 635.659) no STF. O Supremo decide, em sessão plenária desta quarta-feira (26), sobre a quantidade apreendida para definição de usuário ou traficante.
Trata-se de uma matéria distinta da discutida no Congresso. A proposta de emenda à Constituição (PEC nº 45 de 2023) que criminaliza quantidade de qualquer droga reforça a Lei de Drogas (nº 11.343 de 2006), mas sem afirmar o que se entende por usuário ou traficante, deixando essa definição para o agente de segurança ou o juiz de cada caso.
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A decisão do STF, "a partir de um caso concreto, de uma pessoa condenada pelo porte de 3,3 gramas de maconha, estando preso", como explicado pela também ministra Cármem Lúcia, tem objetivo de criar uma jurisprudência que trate o vício como problema de saúde.
Em resposta a Murilo Fagundes, apresentador do programa Brasil Agora, Mendes explicou que "na medida que isso [do vício e/ou consumo de maconha] não é tratado como crime, as pessoas se autodenunciam, elas vão para os hospitais e falam: 'de fato, eu sou viciado e preciso de tratamento'". Para o magistrado, essa é a diferença entre as propostas debatidas sobre o assunto.
"Esta é a perspectiva, não se trata de uma liberação geral, para recreio ou coisa do tipo. É enfrentar a droga como uma doença que precisa de tratamento. É, antes de tudo, um problema de saúde", reafirmou o ministro do Supremo.
"É não permitir que as pessoas tenham antecedentes criminais por serem viciadas. Isso já ocorreu em várias cortes do mundo e agora está ocorrendo no Brasil. O tratamento, que foi chamado de despenalização, resultou em quê? Até numa descriminalização racial. Uma pessoa parda ou negra, quando é pega com uma quantidade de maconha, ela já é tratada como traficante. Enquanto um branco, andando na avenida Paulista, se for encontrado com maconha, é enquadrado como usuário", exemplificou.
Isonomia dos Três Poderes
Quando questionado sobre uma possível invasão do STF em competências do Congresso, argumento que justificou a redação da PEC antidrogas pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o decano da Corte disse não enxergar dessa forma. "O que de fato estamos avaliando é a constitucionalidade da lei", ponderou.
Segundo Mendes, o STF tenta reverter possíveis injustiças que a abertura na Lei nº 11.343 de 2006 pode atribuir à interpretação. "O ministro Alexandre [de Moraes] trouxe um inventario extremamente interessante: entre 12 delegacias de São Paulo, cada qual usava um critério para distinguir o traficante do usuário", disse.
"Nós estamos tentando ter balizas seguras. E, claro, haverá contribuições de todos. Diálogos com o Executivo, diálogos com o Legislativo. Não se trata de invasão de competências", continuou. "Nós estamos dialogando, acho que até haverá uma maior cooperação".
O ministro ainda disse que o Executivo tem participado da discussão: "E até uma decisão, que veio da secretaria antidrogas do Ministério da Justiça, onde se descobriu que havia R$ 1 bilhão que vem exatamente dessas operações de apreensões que estavam lá congelados, contingenciados, e esse dinheiro pode resultar em boas campanhas de conscientização".
O que foi definido no STF?
Os ministros concluíram na terça (25) que a conduta deve ser vista como um ilícito administrativo e não mais como ilícito penal. Ou seja, assim, a pessoa não responderia criminalmente.
Na próxima sessão, nesta quarta (26), o plenário do STF definirá os detalhes para colocar esse entendimento em prática, além de estabelecer o limite para diferenciar o usuário do traficante de maconha.
O consenso, até o momento, é o seguinte:
- A maioria (7 a 4) votou para não considerar crime o porte para consumo pessoal;
- Não pode haver contingenciamento de dinheiro público voltado a políticas sobre maconha;
- Deverão ser criadas medidas de fomento a campanhas de esclarecimento contra consumo de drogas;
- Consumo em local público continua sendo vedado.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ressaltou na sessão dessa terça que a Corte tem o objetivo de disciplinar o tema, não de legalizar a maconha. "Não estamos liberando, estamos tentando disciplinar a ilicitude de uma forma específica", declarou.