Projeto que aumenta penas para crimes ambientais completa um mês aguardando decisão de Lira
Proposta do governo é uma resposta a queimadas; coordenador da bancada ambientalista vê Congresso sem preocupação devida em melhorar combate a crimes
O projeto de lei apresentado pelo governo federal para aumentar as penas para crimes ambientais, como o de provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação, está há mais de um mês aguardando o despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), com a definição de quais comissões vão analisá-lo.
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O texto, que é uma resposta à onda de queimadas que ocorreu no Brasil em agosto e setembro, foi protocolado pelo Executivo em 17 de outubro e desde então está parado na Mesa Diretora da Câmara. Ainda não há previsão para Lira destravá-lo.
Mudanças em legislação de 1998
O projeto altera a Lei de Crimes Ambientais, de 1998, que trata das sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Atualmente, a norma diz que provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação é punível com prisão de dois a quatro anos e multa. Se o crime for culposo, ou seja, praticado sem intenção, a pena é de detenção de seis meses a um ano e multa.
Pelo projeto de lei, a punição para o delito praticado com intenção passa a ser prisão de três a seis anos e multa. No caso de crime culposo, a pena muda para detenção de um a dois anos e multa.
Outra mudança ocorre na punição para o delito de causar dano direto ou indireto às unidades de conservação: passa de prisão de um a cinco anos para reclusão de três a seis anos e multa.
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Crimes ambientais que atualmente são puníveis com detenção — como o de extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais — passam a ser puníveis com prisão. Segundo o Ministério da Justiça, a mudança "permite o uso de técnicas investigativas mais avançadas, com interceptação telefônica e enquadramento de organizações criminosas".
A detenção é aplicada para condenações mais leves e não admite que o início do cumprimento seja no regime fechado, enquanto que no caso da prisão, a aplicação é para condenações mais severas e o regime de cumprimento pode ser fechado, semiaberto ou aberto.
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Em mais uma alteração, o projeto diz que as penas dos crimes contra a flora serão aumentadas de um sexto a um terço se o agente promover, financiar, organizar ou dirigir a atividade de demais agentes para a prática criminosa; e o crime resultar em morte ou lesão corporal grave em outra pessoa. Essa previsão não existe atualmente.
Na Câmara, provavelmente o projeto de lei será analisado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e pela Comissão de Constituição e Justiça. Já tramitam no Congresso também várias outras propostas que aumentam a punição para ao menos um crime ambiental. Em setembro, o SBT News mostrou que, desde 1º de fevereiro de 2023, parlamentares haviam apresentado 32 propostas para aumentar a punição para pessoas que provocam incêndios em vegetações.
Uma proposta que prevê a medida e foi protocolada após a realização do levantamento é de autoria do coordenador da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, deputado federal Nilto Tatto (PT-SP).
O texto foi protocolado em 18 de setembro. Em 12 de novembro, Lira definiu que a proposta será analisada pela Comissão de Meio Ambiente e pela CCJ. Ela chegou ao primeiro colegiado no último dia 13 e aguarda designação de relator.
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O projeto aumenta as penas de dois crimes ambientais. No caso do delito de provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação, a estabelece como reclusão de quatro a 12 anos e multa. Já a pena para o crime de causar poluição de qualquer natureza em níveis que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora, passa de reclusão de um a quatro anos e multa para prisão de dois a dez anos e multa.
A proposta também altera a Lei Antiterrorismo para dizer que são atos de terrorismo "planejar, causar, apoiar, provocar, pessoalmente ou por interposta pessoa, direta ou indiretamente, mediante pagamento ou promessa, incêndios dolosos por intermédio de grupo de pessoas, associação, entidade, organização criminosa de modo articulado em dois ou mais lugares".
Sem a preocupação devida
Ao SBT News, Nilto Tatto disse avaliar que "não está tendo a preocupação devida pelo conjunto dos parlamentares" em melhorar o combate aos crimes ambientais.
"Estou falando a grosso modo pela maioria e pela própria direção da Casa. E evidentemente que deveria, porque não dá para assistirmos àquilo que a gente assistiu este ano [a onda de queimadas] e, em função das próprias mudanças climáticas, a tendência é aumentar cada vez mais o impacto desses crimes para o conjunto da sociedade", acrescentou.
De acordo com o deputado, "há uma necessidade de adequar a legislação brasileira, tanto o Código Civil como também a Lei de Crimes Ambientais, que não dão conta para o tipo de crime ambiental que está sendo cometido". Ele ressalta que, na Amazônia, o crime organizado está por trás de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e a legislação, por vezes, não é efetiva no combate a essas práticas, do ponto de vista tanto do processo da apuração como das penas previstas.
Nilto Tatto afirma que é "fundamental" o projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso no mês passado ser analisado logo pela Câmara, Senado e sancionado. "Uma pena que ele fica parado ainda na Mesa da Câmara e não foi distribuído na Casa para já agilizar esse processo".
O parlamentar diz ser provável que o texto do governo tramitará conjuntamente com o seu e outras propostas que tratam de assunto igual ou semelhante. O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista admite não ter muita expectativa de que o projeto do Executivo ou o seu avance ainda em 2024 na Câmara, "em função de uma agenda sobrecarregada com outros projetos daqui até o final do ano, uma vez que as duas Casas ainda não votaram nem a Lei de Diretrizes Orçamentárias, nem o Orçamento".
Além disso, relembra, há outros projetos na lista de prioridades já definida tanto pelo governo como também pelas lideranças da Casa que podem tomar todo o tempo.
Incêndios
No final de setembro, o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicou que 2024 deveria ser o ano com o maior número de queimadas no país da última década. O número de focos de incêndios registrados naquele mês já apareciam 30% acima da média histórica e 311% maior do que o do mesmo período de 2023.
Havia 80 mil focos de incêndio naquele mês. De janeiro a setembro, foram 208 mil. Segundo o Monitor do Fogo Mapbiomas, de janeiro a agosto deste ano, o fogo atingiu 11,39 milhões de hectares no território brasileiro. Os incêndios afetaram 3,3 milhões de hectares a mais em agosto deste ano, em comparação com agosto de 2023, uma alta de 149%. Foi o pior mês de agosto da série histórica.