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Congressistas apresentam mais de 30 projetos para aumentar punição a quem causa incêndio em vegetação

Especialistas ressaltam importância maior de outras medidas para redução do crime

Congressistas apresentam mais de 30 projetos para aumentar punição a quem causa incêndio em vegetação
A Lei de Crimes Ambientais diz que provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação é punível com prisão, de dois a quatro anos, e multa | Mário Agra/Câmara dos Deputados
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Desde 1º de fevereiro do ano passado, quando os deputados e senadores eleitos em 2022 tomaram posse, parlamentares apresentaram 32 propostas para aumentar a punição para pessoas que provocam incêndios em vegetações, seja recrudescendo a pena prevista no Código Penal ou na Lei de Crimes Ambientais, seja com outras medidas, como trazendo a possibilidade de proibição da concessão de crédito rural.

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Todas são projetos de lei e ainda estão tramitando. Dois foram apresentados em 2023 e 30 em 2024. Destes, 28 desde 26 de agosto, data seguinte ao dia em que Brasília amanheceu encoberta por fumaça proveniente de queimadas na região amazônica, pantaneira e de São Paulo. O levantamento foi feito pelo SBT News, na última quarta-feira (18), por meio das ferramentas de pesquisas de matérias presentes nos portais da Câmara e do Senado.

Atualmente, o Código Penal diz que causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outra pessoa tem como pena prisão, de três a seis anos, e multa, e que essas penas aumentam-se de um terço se o incêndio é em lavoura, pastagem, mata ou floresta.

Já a Lei de Crimes Ambientais diz que provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação é punível com prisão, de dois a quatro anos, e multa. Se o crime for culposo, ou seja, praticado sem intenção, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.

Em ambos os casos, não houve proposta aprovada pelo Congresso na atual legislatura para alterar as penas. Por outro lado, em 3 de julho deste ano, o Senado aprovou um projeto de 2018, de autoria do Poder Executivo, que criava a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo e alterava redação no trecho da Lei de Crimes Ambientais: antes, a norma dizia que o crime era "Provocar incêndio em mata ou floresta", o que foi substituído por "Provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação". O projeto foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 31 de julho.

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Dentre as 32 propostas apresentadas por parlamentares desde o início da atual legislatura, uma das mais recentes é de autoria da presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Leila Barros (PDT-DF), que está tramitando em conjunto com outras no colegiado e encontra-se na fase de recebimento de emendas dos senadores.

O texto altera a Lei de Crimes Ambientais para que a pena para quem provocar incêndio em floresta ou em em demais formas de vegetação passe a ser prisão de três a seis anos e multa. No caso de crime culposo, passaria a ser de detenção de um a dois anos, e multa.

O presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, Rafael Prudente (MDB-DF), por sua vez, apresentou um no último dia 18 que aumenta ainda mais no caso de crime doloso: passaria a ser prisão de quatro a oito anos e multa. O texto também faz com que provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação passe a ser considerado crime hediondo, que não é passível de graça, indulto, anistia, fiança e liberdade provisória.

A proposta está aguardando despacho do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). No total, 28 dos 32 projetos trazem algum tipo de recrudescimento da pena prevista pelo Código Penal e/ou pela Lei de Crimes Ambientais por meio de alteração da norma; alguns dos 28, recrudescimento para casos específicos, como um de autoria do deputado Juninho do Pneu (União-RJ) segundo o qual a pena para quem causa incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação será prisão de seis a dez anos "quando o crime for praticado intencionalmente expondo a perigo a vida coletiva e a saúde pública".

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Entre os quatro restantes dos 32, há um da deputada Erika Hilton (Psol-SP) que proíbe a concessão de crédito rural, em qualquer modalidade, para propriedades rurais que estejam embargadas por uso ilegal de fogo.

Outro dentre eles é de autoria da deputada Camila Jara (PT-MS) e altera a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo para para proibir "a concessão de crédito e o recebimento de subvenção do Poder Público ou de prêmios relacionados a seguro a pessoa física ou jurídica que fizer o uso irregular do fogo".

Outro, de autoria do deputado Amom Mandel (Cidadania-AM), altera a mesma Política para estabelecer que a pessoa física ou jurídica que fizer o uso irregular do fogo fica proibida, pelo prazo de até dez anos, de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Já o quarto, do senador Jader Barbalho (MDB-PA), altera a Lei de Crimes Hediondos para que o delito de incêndio em lavoura, pastagem, mata ou floresta passe a ser considerado como hediondo.

Confira os 32 projetos de lei apresentados desde 1º de fevereiro de 2024

Busca do equilíbrio

Na última terça-feira (17), a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse considerar as penas para quem provoca incêndio em vegetação inadequadas para combater de forma efetiva a prática. "Por quê? Ela é de dois a quatro anos de prisão. Quando a pena é leve, às vezes é transformada em algum tipo de medida alternativa. E ainda você tem uma atitude como de alguns juízes que relaxam completamente a pena", falou a ministra.

Na mesma data, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que em situações de crise como a atual, em que há focos de incêndio em várias localidades do país e fumaça de queimadas encobrindo cidades, é normal que exista "muito voluntarismo" no Legislativo "de buscas de soluções que aparentemente sejam milagrosas", como um "aumento excessivo da cominação de penas" e a inclusão do crime de incêndio em vegetação na lista de delitos hediondos.

"E nós temos que conter e buscar um equilíbrio na formatação de leis, sob pena de descambarmos para um populismo legislativo, que não solucionará o problema e vai acabar afetando a Justiça penal brasileira com medidas que sejam desproporcionais", acrescentou Pacheco.

Ele prosseguiu: "Portanto, sem desconsiderar a necessidade eventual de um aprimoramento legislativo na Lei dos Crimes Ambientais, eventualmente até no próprio artigo 250 do Código Penal, nós reputamos que o problema neste instante não é legislativo nem de uma fragilidade de cominação de penas".

Para o presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB-PA, Luís Antônio Brito, a pena trazida pela Lei de Crimes Ambientais "não é necessariamente baixa". "Talvez num fato isolado é uma pena de gravidade média".

Ele pondera que, por ser prisão de dois a quatro anos e multa, na maioria dos casos a Justiça deve aplicar pena alternativa. "Quando você pega uma conduta isolada de uma pessoa provocando uma queimada, pela pena que temos hoje, de fato, o cenário padrão é a conversão em medidas alternativas. E isso é algo que até foge do próprio Judiciário. O juiz nesse caso estaria fazendo a aplicação da lei processual penal", ressalta.

Brito avalia ser "razoável" que se aumentasse a sanção. Entretanto, pontua que a "problemática" para a ocorrência dos casos de pessoa provocando incêndio em vegetação "não é tanto a pena que é aplicada, e sim fiscalização, efetivação da punição, o cenário de impunidade". Segundo o advogado, se não houver uma melhora na efetivação da punição, mesmo que se aumente a pena, "o cenário que é relacionado a queimadas e geração de queimadas tende a não mudar muito".

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Ele salienta que "não adianta você ter a previsão de que uma determinada conduta é infração administrativa ou é crime ambiental se você não consegue dar efetividade".

De acordo com o doutor em direito processual Maurício Zanoide, professor do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, aumentar as penas existentes não é o caminho para controlar o cometimento do crime de provocar incêndio em vegetação. "Porque ninguém deixa de cometer crime com medo da pena. Ninguém faz isso. Isso já está mais do que cientificamente provado, seja por análises psicológicas, seja por análises sociológicas", afirmou, em entrevista ao SBT News.

O professor ressalta que, quando se aposta que a solução para um crime é aumentar a pena, implicitamente se admite que o delito já foi cometido. "Você não age nas causas. Você quer remediar as consequências. E depois que uma floresta está queimada, não tem volta. Não existe pena que recomponha aquilo. Não existe patrimônio que recomponha a fauna e a flora do ecossistema destruído".

Dessa forma, acrescenta, a melhor forma de controlar a ocorrência de um delito é com "atividades estratégicas de prevenção". "O ideal é investir em educação. Porque aí você forma todo um corpo de cidadãos que têm consciência daquilo. Mas, enquanto a educação não faz efeito, porque é a longo prazo, você atuar na prevenção e na fiscalização para evitar que aconteça".

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Maurício diz ser uma pessoa "muito descrente da pena", principalmente diante do sistema carcerário que há no Brasil. "Porque a pena, quando é muito alta, se reduz a encarceramento. E ao encarcerar a pessoa, seja em qual crime for, dentro de um sistema carcerário como o nosso, ou seja, descontrolado pelo Estado e sob controle do crime organizado, o que você faz é oferecer mão de obra gratuita para o crime organizado".

Portanto, diz o professor, a prisão precisa ser o "último remédio" para os indivíduos que sejam efetivamente violentos socialmente. De acordo com ele, a punição deve ser pensada de forma "muito mais moderna e inteligente" e consistir em algo positivo para a sociedade.

"A sociedade precisa começar a entender que punir precisa ser não causar uma dor no outro, mas fazer com que o outro pratique atos positivos para aquela sociedade que foi atingida, para aquela comunidade que foi atingida, para aquelas pessoas que foram atingidas", afirma.

Conforme o especialista, no caso de alguém que provocou incêndio em vegetação porque foi pago ou estimulado por outra para fazer isso porque esta ganha dinheiro com a queimada para fazer pasto, quem pagou ou estimulou precisa ser proibido de fazer pasto e ter seu patrimônio utilizado para investir na recomposição do local.

"Isso não pode ficar única e exclusivamente com efeito extrapenal. Isso precisa também vir com o efeito da pena", adiciona.

Segundo o Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nas últimas 48 horas, foram detectados 4.077 focos de incêndio no país. De acordo com o Monitor do Fogo, do Mapbiomas, de janeiro a agosto de 2024, a área afetada pelo fogo no Brasil chegou a 11,39 milhões de hectares, mais do que o dobro se comparada ao mesmo período de 2023, quando a área queimada foi de 5,25 milhões de hectares.

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