Afif Domingos defende nova constituinte focada no sistema de representação
Deputado constituinte reflete sobre os 35 anos da Carta Magna de 1988 em entrevista ao SBT para série especial
SBT News
"O papel básico do Estado, é garantir a igualdade de oportunidades. Essa é a função do Estado. Não importa se é preto, se é branco, se é japonês, se é paupérrimo, se é pobre, se é rico, todos têm que ter a mesma oportunidade." A declaração sobre a Constituição Federal de 1988 é do Secretário Especial de Projetos Estratégicos de São Paulo, deputado constituinte, ex-presidente do Sebrae e empresário Afif Domingos. O papel constitucional do poder público tem sido um dos maiores desafios das autoridades competentes nos últimos anos.
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Em conversa com o SBT Brasil na semana de aniversário dos 35 anos da Constituição de 88, Afif Domingos falou dos avanços e gargalos. Defendeu mais investimentos em áreas sensíveis como educação e saúde. Sugeriu mudanças no sistema de representação e refletiu sobre novos modelos que podem dar mais autonomia aos estados e municípios.
"Eu defendo uma nova constituinte focada no sistema de representação, porque vai ser difícil uma mudança do sistema eleitoral votado pelo próprio Congresso. Ele não vai querer cortar na sua carne", avalia.
Eleito deputado federal constituinte em 1986, Afif ressaltou que seu legado na Carta Magna foi o capítulo da ordem econômica, onde a Constituição reconheceu o direito da concorrência de mercado, à livre iniciativa, direitos e garantias aos microempresários. "A nossa vitória foi o artigo 179 da Constituição que obriga o tratamento diferenciado aos pequenos e daí nasceu o Simples, nasceu o MEI - microempreendedor individual", frisa o deputado constituinte.
Voto distrital
Além de celebrar as conquistas, Afif criticou o que chamou de corporativismo de estado. "Fica bem claro que no Brasil nós abolimos a monarquia, mas mantivemos uma corte. Você tem uma corte com vários privilégios que foram mantidos dentro do processo constitucional. Principalmente quando eu falo de corte eu me refiro ao judiciário, ao próprio legislativo e ao executivo." Uma das estratégias para mudar esse cenário, segundo o atual secretário, é a aprovação de um sistema de voto distrital que daria força e independência, inclusive orçamentária, a estados e municípios.
"O voto distrital no Brasil ele inverteria este processo. Porque você dá força para a base. Se você faz uma regionalização do voto, nós vamos ter uma representação muito mais autêntica. No Brasil o estado nasceu antes do que a nação. A nação até hoje está pedindo passagem, mas você tem um estado monolítico centralizador que não é um estado, embora se discutiu muito isso na constituinte, mas nós tivemos um sistema arrecadatório altamente concentrado na cúpula e altamente intermediado na volta desse recurso para a base, para os Estados e para os municípios. Portanto, o corporativismo de estado está presente, são aqueles que compõem a estrutura do estado", conclui.
Protagonista do Centrão
Afif Domingos é um dos fundadores do chamado Centrão, que nasceu na Assembleia Constituinte de 1987. Hoje o termo vem sendo usado para designar um grupo de partidos políticos sem orientação ideológica específica, que não se identificam necessariamente nem com o governo nem com a oposição. Mas o secretário garante que naquela época a concepção do modelo era outra.
"Eu fui um protagonista nesse processo. Peguei uma jovem geração de deputados como eu naquela época, e nós percebemos que havia um movimento para uma constituinte à esquerda, através da Comissão de Sistematização. Eles queriam escrever uma constituição que iria impor ao plenário ter maioria para derrubar o que eles escreveram. E nós percebemos que aí havia uma inconstitucionalidade do regimento da Constituição."
Segundo Afif Domingos, foi aí que parlamentares do Centrão se uniram e foram ao Supremo Tribunal Federal fazer uma consulta sobre o que consideravam inconstitucional. Diante da resposta que indicava para uma alternativa à Comissão de Sistematização, o Centrão mostrou sua força, segundo conta Afif Domingos. "E aí nós colhemos 289 assinaturas para ter o direito de ter um outro bloco para escrever numa constituição, como foi a Comissão de Sistematização. E devolvemos ao plenário o poder de decisão. Você não tinha que ter maioria para derrubar um projeto. Você tinha que ter maioria para construir um projeto. Foi assim que nasceu o denominado Centrão carimbado pela esquerda, porque ela se sentiu derrotada", contou.
Indagado sobre o espírito do grupo de parlamentares do Centrão nos tempos atuais, Afif é categórico. "Hoje o Centrão é aquele conglomerado parlamentar, né, que está sempre organizado para trabalhar com qualquer governo e qualquer governo depende do Centrão também para poder aprovar as suas as suas medidas e reivindicações".
Atos antidemocráticos
Ao longo da experiência de mais de quatro décadas de vida pública, Afif também falou sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, que na avaliação dele não colocou a democracia em risco.
"Eu nunca temi pela democracia brasileira, até porque quando houve toda aquela mobilização, eu dizia: o Exército e as forças armadas não vão querer. Não há chance de intervenção".
Na avaliação do político, o futuro golpe não foi consumado por falta de adesão da caserna. "Depois que aconteceu isso 64, eles não quiseram mais se envolver no processo político, cumprindo o seu papel institucional. Errou quem achou que eles viriam para salvar a eleição. Quem foi às ruas pedindo intervenção militar errou. Foram amadores dentro do jogo político", diz.
Mais histórias, memórias, bastidores. O lobby de setores empresariais, do funcionalismo público. A participação popular até então inédita. A voz de mulheres, direitos conquistados e gargalos para fazer valer os direitos sociais, também foram tema da entrevista com Afif Domingos.
35 anos da Constituição
O SBT Brasil exibe uma série de reportagens sobre os 35 anos da Constituição Federal, comemorados na próxima 5ª feira (4.out).
A série aborda a história, os avanços, as conquistas e os desafios para garantir os direitos previstos na lei maior do país. Um conjunto de leis que resiste há trinta e cinco anos, mesmo após a invasão dos prédios dos três poderes da república, em oito de janeiro
Foram ouvidos personagens importantes para a construção da Constituição, como Benedita da Silva, única deputada constituinte negra, e personalidades que hoje zelam pela manutenção do texto, como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso.
Assista a entrevista na íntegra:
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