Polícia vai apurar fraude processual por retirada de roupas de corpos após megaoperação no Rio
Mais de 70 corpos foram encontrados em área de mata no Complexo da Penha na manhã desta quarta; governador fala em manipulação para "culpar a polícia"


Emanuelle Menezes
O secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Felipe Curi, afirmou nesta quarta-feira (29) que pediu a instauração de um inquérito para investigar quem participou da remoção de mais de 70 corpos em uma área de mata no Complexo da Penha por fraude processual. Segundo ele, "operaram uma mágica" ao retirarem roupas camufladas dos mortos, que depois foram expostos em uma praça da comunidade só de cueca.
"Esses indivíduos estavam na mata, equipados com roupas camufladas, coletes e armamentos. Agora, muitos deles surgem apenas de cueca ou short, sem qualquer equipamento, como se tivessem atravessado um portal e trocado de roupa. Temos imagens que mostram pessoas retirando esses criminosos da mata e os colocando em vias públicas, despindo-os", disse Curi.
+ VÍDEO: Moradores mostram possível localização de mais corpos no Complexo da Penha, no Rio
O secretário não explicou, no entanto, o motivo para as forças de segurança não terem removido os corpos da área na terça-feira (28). Um balanço divulgado pelo governo do estado ontem contabilizava 64 mortos, incluindo 4 policiais. Até 13h desta quarta, 119 mortos deram entrada no Instituto Médico-Legal (IML) Afrânio Peixoto, segundo Curi.
Segundo informações da Defensoria Pública do estado, divulgadas às 11h15, o número de mortos na megaoperação chega a 132. Alguns corpos ainda não foram retirados pela Defesa Civil Estadual do Complexo da Penha.
"É importante destacar que, nos boletins de ocorrência, a polícia está classificando os mortos como 'opositores', ou seja, criminosos que cometeram tentativa de homicídio contra os nossos agentes. Nossos policiais estão sendo tratados como vítimas, e os mortos como autores dos crimes", afirmou Curi.
O inquérito para investigar possível fraude processual foi instaurado pela 22ª Delegacia de Polícia (Penha).
Nas redes sociais, o governador Cláudio Castro (PL) publicou um vídeo que comprovaria a "manipulação de corpos". Segundo ele, seria uma tentativa de "mudar a cena para culpar a polícia".
Mais de 70 corpos encontrados
Moradores dos complexos do Alemão e da Penha encontraram mais de 70 corpos na área de mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia. Os corpos, achados ao longo da madrugada desta quarta-feira, foram levados para a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, no início da manhã.
Por volta das 8h45, veículos da Defesa Civil Estadual começaram a chegar para realizar a retirada dos corpos do local. Alguns deles estavam decapitados, com tiros na nuca e marcas de facadas nas costas.
O ativista Raull Santiago, do Instituto Papo Reto, afirmou nas redes sociais que ainda pode haver mais corpos na mata.
O Núcleo de Direitos Humanos da defensoria informou que acompanha os desdobramentos da ação, "com a presença de Defensores Públicos e toda equipe no Complexo da Penha e no IML".
Operação Contenção
A megaoperação das forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro foi deflagrada na terça-feira (28) nos complexos da Penha e do Alemão. A ação, parte da chamada Operação Contenção, foi justificada pela necessidade de desarticular lideranças do Comando Vermelho na região. Cerca de 2.500 policiais civis e militares cumpriram mandados de prisão e busca na região. 113 suspeitos foram presos e 10 adolescentes infratores apreendidos. 118 armas foram apreendidas, incluindo 91 fuzis, além de artefatos explosivos, munições e drogas.
As equipes encontraram resistência armada intensa: houve relatos de troca de tiros, uso de barricadas incendiadas em vias expressas e ataques com drones por parte de criminosos, com o objetivo de atrasar o avanço policial. Pelo menos quatro moradores ficaram feridos.
O governador Cláudio Castro (PL) classificou a ação como um "sucesso" e disse que as únicas "vítimas" foram os quatro policiais mortos. O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, afirmou que "a alta letalidade era previsível, mas não era desejada".
A ação é considerada a operação mais letal da história do estado do Rio de Janeiro, ultrapassando a realizada no Jacarezinho, em maio de 2021, que teve 28 mortos, e a operação na Vila Cruzeiro, em maio de 2022, com 24 óbitos. As três aconteceram durante o governo de Cláudio Castro (PL).
O levantamento foi feito pelo Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Veja o ranking das cinco operações mais letais da história do estado do Rio de Janeiro:
1. Complexo do Alemão e Penha, outubro de 2025: mais de 130 mortos
2. Favela do Jacarezinho, maio de 2021: 28 mortos
3. Vila Cruzeiro, maio de 2022: 23 mortos
4. Vila Operária, Duque de Caxias, janeiro de 1998: 23 mortos
5. Complexo do Alemão, junho de 2007: 19 mortos









