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Vítimas invisíveis do feminicídio no Brasil: a cada 10 mulheres mortas, há outras 12 sobreviventes

Primeiro semestre de 2024 teve 905 crimes e 1,1 mil tentados com vítimas que escaparam da morte, convivem com medo e estão fora de estatísticas oficiais

Vítimas invisíveis do feminicídio no Brasil: a cada 10 mulheres mortas, há outras 12 sobreviventes
Protesto contra feminicídio | Divulgação/Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
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Para cada 10 mulheres mortas em feminicídios no Brasil no primeiro semestre de 2024, há outras 12 delas vítimas da mesma brutalidade que escaparam da morte e convivem com o medo e estão das estatísticas oficiais. 

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De janeiro a junho, 905 mulheres foram assassinadas e outras 1,1 mil sofreram "tentativa de feminicídio". Os dados são do Monitor de Feminicídios no Brasil, criado em 2022 pelo Laboratório de Estudos de Feminicídios (Lesfem), da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná.

A contagem dos feminicídios contabiliza os casos consumados, em que a vítima morreu, e os tentados, quando sobreviveu.

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"Precisamos dar a dimensão de que, mesmo quando o autor não realiza o seu intento, de ceifar a vida daquela mulher, havia essa violência de gênero, chegou a esse nível de gravidade, e isso precisa ser compreendido também como essa violência letal de gênero", diz a coordenadora do Lesfem, a socióloga Silvana Mariano. 

O levantamento usa registros oficiais dos estados, da Segurança Pública, da Saúde e também noticiários. Por isso, esses dados usados no ambiente acadêmico são considerados mais precisos e apresentam números mais elevados do que os produzidos por órgãos públicos.

Dados

O Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), plataforma oficial de contagem de crimes no Brasil, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, não divulga feminicídios tentados, apenas os feminicídios consumados.

A contagem reúne dados de crimes (homicídios, latrocínios, feminicídios, roubos, sequestros e outros), com base nos registros das secretarias estaduais. Por isso, registra números um pouco menores.

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Foram 685 feminicídios de janeiro a junho, segundo o Mapa Nacional de Dados de Segurança Pública, com casos de morte. Um número alto e que não apresenta queda significativa em relação ao mesmo período de 2023, que teve recorde no país, desde que passou a ser tipificado no Código Penal e virou dado estatístico. Foram mais de 1 mil casos.

"Quando nós não falamos a respeito dos feminicídios tentados, significa que não estamos discutindo que tipo de resposta, de ação, o Estado, as políticas públicas e a sociedade estão oferecendo a essas mulheres. São necessidades distintas quando existe um feminicídio consumado e existe um feminicídio tentado. Precisamos falar dos dois tipos", defende a pesquisadora. 

Contra o ódio

Os números são alarmantes e têm mobilizado governo, entidades privadas e sociedade civil a buscarem soluções de forma integrada. Na última sexta-feira (23), o Ministério das Mulheres e outras pastas lançaram, em parceria com a Caixa Econômica Federal e times de futebol, mais uma etapa da campanha Feminicídio Zero no Brasil.

Jogo do Brasileirão entre Corinthians e Fortaleza, nesse domingo (25), teve apoio à campanha Feminicídio Zero | Divulgação/Ministério das Mulheres
Jogo do Brasileirão entre Corinthians e Fortaleza, nesse domingo (25), teve apoio à campanha Feminicídio Zero | Divulgação/Ministério das Mulheres

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, destacou um dado: a cada seis horas, uma mulher morre vítima de feminicídio. Afirmou que a meta é "zerar" essa estatística e seguiu de Brasília ao Ceará, onde jogadores de Corinthians e Fortaleza ergueram a bandeira da campanha, em partida do Brasileirão, no final de semana.

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"O que tem acontecido tanto com a violência sexual quanto com feminicídio é o aumento do ódio e da intolerância no nosso país. É isso que nós temos que enfrentar. É por isso que nós estamos com a mobilização do Feminicídio Zero para que todas as pessoas desse país possam não tolerar, não aceitar e que possam ajudar", afirmou a ministra.

Em entrevista ao SBT, a ministra citou crime bárbaro da última semana, em que uma mulher morreu atropelada três vezes pelo ex-parceiro no Distrito Federal.

"O agressor jogou o carro três vezes em cima da mulher, matando-a e deixando a filha na UTI e a mãe da mulher também internada. Tinha intenção de matar as três. Isso é o que caracteriza o ódio", afirmou a ministra.

Walisson Felipe de Oliveira foi preso por atropelar e matar ex-esposa no Distrito Federal | Divulgação/PCDF/CBMDF
Walisson Felipe de Oliveira foi preso por atropelar e matar ex-esposa no Distrito Federal | Divulgação/PCDF/CBMDF

"Não é possível que alguém tenha tanta insanidade a ponto de três vezes jogar um carro em alta velocidade em cima de uma mulher que estava fazendo 34 anos naquele dia. É contra isso, contra esse ódio que nós estamos lutando." 

O número, mesmo sem considerar feminicídios tentados, é aterrador: em 2024, são quatro mortes por feminicídio, em média, por dia — mesmo índice de 2023, que teve recorde de casos no país, com 1,1 mil.

Os dados têm estampado as campanhas do governo para alertar a população de que o problema é da sociedade, não apenas das mulheres.

Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, atribui aumento de casos à disseminação de discursos de ódio contra mulheres | SBT.jpg
Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, atribui aumento de casos à disseminação de discursos de ódio contra mulheres | SBT.jpg

Invisíveis

No Brasil, 10 mulheres foram vítimas de feminicídio por dia, no semestre, se passássemos a considerar também crimes em que elas sobreviveram. Enquanto os consumados representam 4 casos por dia (ou 1 a cada seis horas), nas tentativas de feminicídios, são 6 crimes por dia, segundo o levantamento do Lesfem.   

"É importante colocarmos luz sobre esse tipo de problema, porque de todo modo, essa vida foi transformada, as mulheres sobrevivem às tentativas de feminicídio, nas mais diferentes condições e circunstâncias, existem as sequelas físicas e existem outras para além dessa dimensão física", afirmou a antropóloga Silvana Mariano, que viveu na família um episódio emblemático no interior do Paraná.

A irmã sobreviveu em 2019 a um feminicídio cometido pelo ex-marido, ficou tetraplégica, na cama, sem movimentos e dedicou o resto da vida para conseguir a condenação do autor na Justiça. Ele foi sentenciado à prisão e, em 2021, ela morreu.

Socióloga Silvana Mariano, coordenadora do Lesfem | Reprodução
Socióloga Silvana Mariano, coordenadora do Lesfem | Reprodução

Em geral, após escapar da morte, as vítimas vivem com o medo de serem novamente vítimas e fora de estatísticas oficiais, que destacam apenas os feminicídios consumados, quando a vítima morreu.

Para Silvana Mariano, o problema ainda são os registros e dados para estudar e desenvolver políticas públicas, além da subnotificação. "O problema é legal, embora sejam quase 10 anos da qualificadora do feminicídio. Como ela é qualificadora, às vezes, a polícia não a inclui e deixa o serviço para o Ministério Público. Quando a gente lida com os dados da segurança pública, tem essas… Apesar de existirem protocolos e diretrizes nacionais, as polícias nos estados brasileiros são muito diversas entre si", explicou a pesquisadora.

Para registros legais, o crime é um homicídio e o feminicídio é uma qualificadora, que significa um agravante no ato e que deve ser punido com penas mais severas. Segundo a pesquisadora, "os dados revelam que, em muitas circunstâncias, a polícia não inclui e o Ministério Público que faz a inclusão da qualificadora. Então os dados do Judiciário ficam aproximadamente um terço acima dos da Segurança Pública". 

A ministra das Mulheres lembrou que essa é uma batalha de todos. "Não depende só da ação do governo federal, depende da ação da sociedade. O que tem acontecido tanto com a violência sexual quanto com feminicídio é o aumento do ódio e da intolerância no nosso país. É isso que nós temos que enfrentar."

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