Caso Marielle: PF corre para fechar motivos e mentores, às vésperas de 6 anos do crime
Os personagens, o que se sabe, as idas e vindas das investigações e a tentativa de delação do assassino
A Polícia Federal e o Ministério Público têm pouco mais de um mês para apontar com provas os mandantes e as motivações do assassinato brutal da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes. Investigado pelas polícias Civil e Federal, pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, o crime completa seis anos em 14 de março.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, de saída do cargo, deu prazo para a PF encerrar o caso e aponte os culpados. Nos últimos dias de ministro do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dino prometeu respostas - vai assumir cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 1º de fevereiro.
O SBT News reuniu dados dos processos e inquéritos para mostrar as idas e vindas do caso e alguns de seus principais personagens e fatos.
O que se sabe
Os dois executores de Marielle, que ocupavam o Chevrolet Cobalt prata clonado de onde saíram os disparos mortais, estão presos. São os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Alves Queiróz, ligados às milícias no Rio.
A arma usada, a munição, o carro, as rotas de fuga, a estratégia usada para monitorar os alvos, são fatos sabidos, desde o aniversário de um ano do caso, em março de 2019. No relatório do delegado Giniton Lages, da DHPP do Rio, toda dinâmica e rotina empregada foi apontada, bem como o material usado e quem estava no carro prata de vidros escuros, de onde saiu a rajada de disparos contra o veículo em que estavam a vereadora, o motorista e sua assessora, Fernanda Chaves - sobrevivente.
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O que não se sabe
Próximo dos seis anos do caso, o crime passou por pelo menos cinco órgãos de investigação estaduais e federais, sem provas que apontem quem foi ou foram os mandantes. Nem os motivos que levaram à contratação dos milicianos que mataram Marielle Franco, naquela noite de 14 de março de 2018, por volta das 21h.
Nomes como o de Domingos Brazão, conselheiro do TCE do Rio e ex-deputado, ou Maxwell Simões Corrêa, o Suel, que voltaram à tona nos últimos dias devido à descoberta das tratativas de mais um acordo de delação premiada no caso, eram conhecidos desde 2018. Possíveis motivos, como disputa política na capital fluminense, ou interesses em terrenos da milícia, ou vingança, também estão no radar dos investigadores desde o começo.
Delator
Élcio Vieira Queiróz é o único delator oficial do caso Marielle, até agora. Fechou acordo de colaboração com a PF e confessou ter sido pago para matar a vereadora, por intermédio de Lessa, seu parceiro e amigo. No fim de 2023, com a PF de Lula nas investigações, o executor do crime assinou um pré-acordo do que poderia entregar em sua delação. (Veja imagem abaixo). É nessa fase em que está as conversas com Lessa.
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Queiróz confirmou que o parceiro foi quem apertou o gatilho, falou sobre a rotina de monitoramento, entre outras coisas. Foi ele que dirigiu o carro Cobalt prata, usado no crime. O braço marcado na foto da polícia é de Lessa. Na delação, disse que o carro foi descartado.
Candidato a delator
Ronnie Lessa voltou ao noticiário na última semana. Após notícia de que ele fecharia delação, a PF divulgou uma nota à imprensa em que informa que o acordo não foi homologado. Mas sim, estaria sob negociação e sob aguardo de aval do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nas tratativas, Lessa teria confessado que o um dos mandantes teria sido o ex-deputado do Rio Domingos Brazão - que nega as acusações.
"Até o momento, ocorreu uma única delação na apuração do caso, devidamente homologada pelo Poder Judiciário", registra a nota da PF.
Em 12 de março de 2019, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são presos, no Rio. O delegado Giniton Lages do DHPP é afastado do caso. Em março de 2020, o Tribunal de Justiça do Rio decidiu que os dois deveriam ser sentenciados pelo júri popular pelos assassinatos.
Delatados
Maxwell Simões Corrêa, o Suel, foi preso em 24 de julho do ano passado, suspeito de envolvimento no caso. Ex-sargento do Corpo de Bombeiros, seria ligado a uma milícia que explora o serviço clandestino de internet e TV a cabo - conhecido como "gatonet" - na zona norte do Rio de Janeiro.
Amigo próximo de Lessa, Suel foi preso também em junho de 2020, por atrapalhar as investigações do caso Marielle, na Operação Submersus 2.
Domingos Brazão também é alvo antigo do caso. Líder de um clã político da zona oeste do Rio - integram a família o deputado estadual Manoel Inácio Brazão (conhecido como Pedro Brazão) e o deputado federal Chiquinho Brazão -, na época do assassinato ele foi investigado por possível participação e ouvido.
Três meses depois do assassinato, Brazão no depoimento à polícia, negou qualquer relação com a morte. Em setembro de 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou o conselheiro do TCE ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por "indícios de autoria intelectual" do crime.
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O conselheiro do TCE-RJ negou ao SBT News ter motivos para matar Marielle e diz que não a conhecia, nem mesmo Lessa e Queiróz.
"Não conhecia a Marielle nem o Anderson, muito menos esses personagens, o Élcio e nem o Ronnie Lessa. Não tenho interesse nenhum no caso. Não acredito que possa ter a suposta delação e caso tenha, como já foi negado pela PF, a gente tem que buscar entender a quem eles estariam querendo proteger", Domingos Brazão.
Nomes que voltaram ao foco, com as tratativas de delação de Lessa, mas não apareceram pela primeira vez nas investigações. Ambos foram investigados em mais de uma frente de apuração, foram ouvidos também em mais de um procedimento, sem ainda provas concretas apresentadas.
Motivos
Os nomes de Brazão e Suel, ou mesmo possíveis motivos como disputa política no Rio, vingança, interesses em negócios imobiliários das milícias, são elementos que estavam no radar as autoridades, desde 2018 e 2019.
Vingança - Uma das teses alvo de investigações é de que Marielle foi morta por vingança, relacionada a atuação do então deputado Marcelo Freixo (PSOL), que além de ter sido da CPI das Milícias, foi associado às descobertas da Operação Lava Jato contra núcleo político da Alerj e do TCE do Rio, do qual faziam parte Domingos Brazão, Jorge Picciani (morto em 2022), Paulo Mello, entre outros.
As operações Quinto do Ouro, Cadeia Velha e Furna da Onça, acuaram a cúpula fluminense, entre abril de 2017 e início de 2018. Élcio Queiróz afirmou que Marielle era monitorada desde agosto de 2017, pelo menos. Num organograma feito pelo MPF, o esquema no TCE é detalhado.
Freixo teria atuado para dificultar uma tentativa de blindagem dos alvos e seria uma das vítimas. Inquérito da Polícia Civil do Rio mostra que o deputado era alvo das pesquisas de Lessa, nos dias que antecederam o crime. Marielle foi assessora dele, antes de virar vereadora.
Terrenos da milícia - Outra linha que envolve os nomes citados até aqui é o de que Marielle teria atrapalhado negócios das milícias no Rio, em especial de exploração de terrenos. Essa linha, envolve não só nomes como Suel, Lessa, mas também outros membros do crime.
IDAS E VINDAS
Matadores sem mandantes
Os assassinatos de Marielle e do motorista foram inicialmente investigados pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil do Rio, e pelo Ministério Público Estadual.
O relatório de um ano de apuração do delegado Giniton Lages aponta a falta de avanços em relação aos mandantes e aos motivos. Também cita as dificuldades e o profissionalismo dos executores do crime, as ações para atrapalhar as descobertas.
Em agosto de 2020, a Polícia Civil do Rio trocou pela segunda vez o delegado do DHPP responsável pelo caso. Daniel Rosa, foi substituído pelo delegado Moisés Santana. Ao todo, cinco delegados presidiram os inquéritos do caso, no Rio: Giniton Lages, Daniel Rosa (de 2019 até 2020), Moysés Santana (de 2020 até 2021), Edson Henrique Damasceno (de 2021 até 2022) e Alexandre Herdy (desde 2022).
O MP do Rio criou em março de 2021 - quando crime completou 3 anos - uma força-tarefa e prometeu concluir o inquérito.
Prisões e Rio afastado
Em outubro de 2018, a primeira mudança de rota nas apurações. Uma denuncia levou a novos suspeitos. O nome de Orlando Curicica, miliciano preso, surge como alvo, é ouvido e aponta o envolvimento do Escritório do Crime - grupo de assassinos de aluguel. Lessa chegou a ser associado ao grupo, sem provas. Um dos membros seria Adriano Magalhães da Nóbrega, o Capitão Adriano, ex-Bope e miliciano, morto pela PM na Bahia, em janeiro de 2021.
Foi quando o nome do vereador Marcelo Siciliano entrou na mira das investigações, desviando a linha inicial.
Siciliano foi ouvido pela polícia e negou crime. Uma testemunha do caso afirma que o vereador planejou o assassinato em uma conversa com o miliciano de Curicica e ex-PM. O motivo seria a atuação de Marielle contra as milícias que atuam na Zona Oeste do Rio.
Em novembro de 2019, o STF autorizou o deslocamento de competência do caso, que na prática, retirou das polícias e do MP do Rio as investigações, por falta de condições de concluir o inquérito.
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Em outubro de 2019, a Operação Submersus, buscou provas sobre a arma usada e descartada por Lessa. No relatório da PF, Domingos Brazão é apontado como possível mandante do crime. O investigado teria pago para o ex-PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, que virou uma das primeiras “testemunhas-chave” do caso, para tentar incriminar Siciliano, seu rival. Foi Ferreirinha quem buscou a polícia para relatar que o vereador teria se ligado a Orlando Curicica para executar a vereadora.
PF de Lula
Com Lula da Presidência, a PF abriu no começo de 2023 um inquérito para concluir o caso. A ordem do ministro Flávio Dino, mobilizou investigadores do Rio e em Brasília.
Lula, o ministro da Justiça de saída e o novo ministro, Ricardo Lewandowski, prometeram encerrar o caso Marielle nos próximos dias. A expectativa é de que o inquérito seja relatado pela PF no mês de março, quando o crime completa 6 anos.
A PF, corre para fechar o acordo de delação com Lessa, que ainda não foi homologado pelo STJ. Se ele for confirmado, novas apurações devem ser feitas para confirmar os dados entregues pelo delator - colocando um possível atraso no fim do caso, no horizonte.
Lessa, faltando poucos dias para o prazo dado pelo governo para encerramento do caso, tenta fechar a delação para entregar os mandantes e os motivos do crime. Na última semana, as tratativas foram tornadas públicas, após reportagem do jornal O Globo. Com ela, nomes de supostos mandantes foram citados. Dois deles, os do conselheiro do TCE do Rio e ex-deputado Domingos Brazão, e o do ex-bombeiro Suel. Os dois negam envolvimento no crime.
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