PL que equipara aborto a homicídio pode manter vítimas presas por mais tempo que estupradores; entenda
Na quarta-feira (12), a Câmara dos Deputados definiu urgência na tramitação da pauta; a expectativa é de que seja votada já na próxima semana
A Câmara dos Deputados definiu urgência na tramitação do Projeto de Lei (PL Nº 1.904 de 2024) que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio simples. Agora, o texto deve evoluir com maior agilidade para o plenário – dispensando a passagem pelas comissões da Casa. A expectativa é de que seja votado já na próxima semana.
A proposta é uma iniciativa das alas mais conservadoras e religiosas, sobretudo evangélicas, do Congresso Nacional. Parlamentares querem “testar” a isonomia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em "pautas de costume".
Hoje, o aborto legal é permitido em três situações (independentemente do tempo de gestação): se o feto for anencéfalo (má formação que inviabiliza a vida fora do útero), quando impuser risco de vida à gestante e/ou a gravidez for decorrência de um estupro.
Com exceção destes cenários, o aborto é considerado crime.
O texto em debate define:
- Pessoa gestante — prisão de 6 a 20 anos (pena mínima e máxima), independentemente se realizou a retirada do feto sozinha ou com auxílio de terceiro. Antes, era estabelecida pena de 1 a 3 anos em regime semiaberto ou aberto;
- Pessoa que efetua o aborto — diferentemente do que é hoje (onde se analisa a vontade da operada), a pena para quem realizar com o consentimento da gestante passa de 1 a 4 anos para 6 a 20 anos, mesma pena para quem realizar o procedimento sem consentimento (hoje fixada em 3 a 10 anos).
A proposta que tramita no Legislativo limita o direito ao aborto até a 22ª semana, mesmo nos casos em que há permissão legal. Ou seja, mesmo em caso de estupro, por exemplo, a vitima passaria a ser obrigada a prosseguir com a gestação. O mesmo em casos de meninas vítimas de violência.
Vítima de aborto pode ficar mais tempo presa do que agressor
O crime de agressão sexual (estupro), contido no artigo nº 213 do Código Penal, pode encarcerar agressores por, no mínimo, 6 anos, com pena máxima de 10 anos – ou seja, a metade da pena máxima prevista para as mulheres vítimas de violência. As exceções são quando a vítima é menor de idade, quando a pena máxima chega a 12 anos; quando é incapaz de oferecer resistência (estupro de vulnerável), 15 anos; ou quando, além de não ter como se defender, a vítima sofre lesões graves, elevando a pena máxima para 20 anos.
Caso o projeto de lei seja aprovado e se transforme em lei, o aborto seria equiparado ao homicídio simples, do artigo nº 121 do Código Penal. A pena, nesse caso, varia entre 6 e 20 anos de prisão.
Em um caso hipotético, se uma mulher adulta, vítima de estupro, interromper a gravidez após a 22ª semana, é possível que ela seja condenada a 20 anos de prisão, enquanto o seu estuprador ficaria entre 6 e 10 anos preso.
Para a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, o PL “revitimiza meninas e mulheres vítimas de estupro, impondo mais barreiras ao acesso ao aborto legal”. O mesmo posicionamento da deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), que criticou a aprovação. “Criança não é mãe. Estuprador não é pai", disse.
Opositores do governo consideram o tema “inegociável”. Ao Brasil Agora de sexta-feira (7), o deputado Pastor Eurico (PL-PE), presidente da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara, disse que a ala não irá recuar. “ Não negociamos pontos principais daquilo que defendemos como valores morais, espirituais, valores humanos", afirmou.
Eurico comentava a suspensão judicial da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe a assistolia fetal em gravidez acima de 22 semanas.
O dep. Pastor Eurico também assina o documento do PL, com outros 32 congressistas.
A polêmica sobre a assistolia fetal
Assim como na discussão sobre o porte de maconha, o assunto também é um ponto de embate entre Legislativo e Judiciário. Principalmente por duas ações:
- Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM): a entidade emitiu uma proibição a médicos de realizarem a assistolia fetal em "casos de aborto previsto em lei oriundos de estupro". Em maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu a resolução. Alegava que havia indícios de que o documento extrapolava os limites da legislação. A decisão será avaliada pelos demais magistrados em plenário.
A assistolia fetal é o procedimento em que se induz a parada cardíaca do feto a ser retirado. A prática que é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para abortos em gestações acima de 22 semanas. Em casos com menos tempo de gestação, o Ministério da Saúde orienta que o médico responsável ofereça à mulher a opção de escolha da técnica: o abortamento farmacológico (induzido por medicamentos), procedimentos aspirativos (manual intrauterina) ou dilatação seguida de curetagem (raspagem de material na cavidade uterina).
- ADPF nº 442: há também na Suprema Corte, uma ação (ADPF nº 442) que pode descriminalizar a retirada do feto feita por gestantes com até 12 semanas. A ministra aposentada Rosa Weber, à época presidente da Corte, era relatora do processo e registrou seu voto a favor da descriminalização antes de sair do colegiado. Desde então, a ação está parada após pedido de destaque do atual presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso. Ele afirmou não ter interesse de retomar o julgamento.
Para Barroso, não cabe neste momento ao STF decidir sobre uma prática a que a maioria da população é contra. No texto que justifica o PL, deputados utilizam parte do voto da ministra aposentada.