Gilmar diz que lei de impeachment de ministros do STF é "velha" e critica excesso de pedidos: "Vergonha alheia"
Ministro defende decisão liminar que limita prerrogativa à PGR e comenta que modelo atual é "extravagante" em contexto de polarização política

SBT News
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu nesta quinta-feira (4) decisão decretada ontem que restringe à Procuradoria-Geral da República (PGR) pedidos de impeachment contra magistrados da Corte. Em participação no "Fórum JOTA", o decano argumentou que a lei em vigor é "velha" e permite situação "extravagante" no contexto atual de polarização política. Liminar será confirmada ou rejeitada pelo plenário em julgamento programado para ocorrer entre 12 e 19 de dezembro.
Mendes explicou que ADPFs em curso discutem a lei do impeachment de ministros, "que é de 1950, feita sob a Constituição de 1946". "A partir daí, nós já mudamos muito todo o quadro institucional", ponderou, reforçando que a Carta de 1988 "enfatiza a autonomia do Judiciário".
Para efeito de comparação, Mendes lembrou que processo de impeachment do presidente da República "passa por juízos de dois terços da Câmara e do Senado". "No modelo atual, poderia afastar ministro do Supremo com simples maioria absoluta. Isso parece ficar extravagante, sobretudo nesse contexto de polarização e tudo mais. Mas é possível, e acho que recomendável, que se vote uma nova lei do impeachment. O que estou dizendo nesse voto é texto de 1950 não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Que se faça nova lei ajustada aos desígnios, aos ditames da Constituição de 1988".
O ministro citou colegas Alexandre de Moraes e Flávio Dino, alvos de dezenas de pedidos de impeachment no Senado, ao comentar "números muito expressivos". "[Os pedidos] têm alvo, foco ações tipicamente judiciais. Decisões que são tomadas por juízes no exercício da sua função", disse. "Casos de Dino e Moraes levados ao Senado, mas sobre atos que já foram referendados pelo plenário do Supremo. Há aqui, portanto, uma excessiva politização dessa temática", opinou.
Nesse sentido, o ministro explicou que "havia uma leitura possivelmente extravagante" da lei em vigor, "que permite instaurar processo com votos de 41 senadores e, portanto, a partir daí, já afastar um ministro do Supremo". "A discussão que se coloca é se essa disposição ou se essas disposições foram recepcionadas pelo ordenamento constitucional de 1988", continuou.
"Se vocês olharem, no mundo todo, as pessoas discutem o uso ou mal uso do juízo político para ferir a independência do Judiciário. Ainda recentemente, a comissão de Veneza, pró-democracia, pró-fortalecimento da democracia no mundo, recomendou que não se adotassem juízos políticos para avaliar ações de juízes", completou Mendes.
"Perdemos um pouco de amor cívico", diz Mendes sobre excesso de pedidos de impeachment no Senado
Principais alvos de senadores, Dino e Moraes, ambos também ex-ministros da Justiça, são relatores de ações que geram atritos com o Congresso: o primeiro, de processos relacionados a irregularidades envolvendo emendas parlamentares; o segundo, de ações penais relativas à tentativa de golpe de Estado no Brasil, incluindo o processo que resultou na condenação à prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de ex-ministros e ex-chefes das Forças Armadas.
"Nós estamos vivendo nessa quadra no Brasil, vivendo esse contexto. Por isso, após conversar com vários setores, pedi manifestação da AGU, do Senado e da Câmara. Pedi parecer da PGR. E, a partir desse juízo prévio, nós sugerimos já adoção da liminar com submissão imediata ao plenário do Supremo", explicou o decano do STF.
Mendes também detalhou motivo de ter usado uma liminar para alterar legislação. "As pessoas dizem, 'por que liminar?' Com tantos pedidos de impeachment, pessoas anunciando que farão campanha eleitoral para obter maioria no Senado, para fazer impeachment... Normalmente, ideia do impeachment no mundo todo, em quadro de normalidade, é um não assunto. Ele foi pensado em termos institucionais para não ser usado", comentou.
"Agora, na medida em que passa a ter uso frequente, banalizado. E sobretudo por que alguém votou pró-aborto. Então, 'vou pedir impeachment dele'. Por que deu liminar para abrir inquérito pra investigação de emendas. 'Vou abrir um impeachment'. Isso não existe. Nós perdemos um pouco de amor cívico. Isso dá vergonha alheia", acrescentou.
Ao mesmo tempo, Mendes também afirmou prezar por diálogo e busca de consenso entre Poderes e valorizou atuação do Supremo nos últimos anos, destacando julgamento da tentativa de golpe de Estado e ações contra o que chamou de "abusos" e "criminalização da política" pela operação Lava Jato.
O decano da Corte reafirmou que "nós do tribunal procuramos nos esforçar para entregar à política o que é da política". "Que eles façam devidos encaminhamentos, soluções, aprovem projetos de lei, alocação de verbas orçamentários e que, de fato, ajudem a governança do país", seguiu.
Julgamento da tentativa de golpe: "Corte Suprema conseguiu salvar o país"
Falando dele próprio e de seu trabalho no STF, Mendes falou que tem "autoridade de alguém que nunca pode ser timbrado como inimigo da política". "Estive à frente, inicialmente, para constrangimento de muitos, sozinho na defesa da política, contra abusos da Lava Jato. Era uma voz isolada, solteira, era agredido por conta disso. Essa posição foi se consolidando, e o tribunal reverteu esse posicionamento. E depois se descobriu que Lava Jato, inclusive, fazia parte de um plano criminoso. Que, inclusive, envolvia criminalizar a política. Isso era evidente. A chamada Vaza Jato, a operação Spoofing confirmaram essa perspectiva", acrescentou.
Nesse sentido, Mendes disse que é desejo do Supremo "que a política se faça dentro dos marcos institucionais". "Que se faça ação normal e que as disputas eleitorais se façam dentro desses marcos. Agora, a discussão que nós estamos travando é simplesmente em relação a essa temática. Compatibilidade ou não da lei do impeachment vis-à-vis à Constituição de 88."
Mendes ainda admitiu que "polarização faz parte um pouco desse ambiente atual" e que "em algum momento, a gente deve ter compreensão sobre exacerbações". "Não precisa criminalizar qualquer exacerbação. A gente precisa ter essa compreensão e dialogarmos para construírmos soluções", delineou.
"A toda hora estamos dialogando com o Congresso. Seja de maneira informal... Recentemente, conversei com Motta sobre pacote anticrimes. Demos ideias. Temos sempre conversado com Alcolumbre. E o espírito do Supremo é de compreensão e composição", completou.
No fim da fala inicial, o ministro criticou o que chamou de "editoriais um tanto sôfregos" publicados na imprensa após a decisão liminar. "Não se esqueçam que acabamos de julgar fato grave, tentativa de golpe de Estado. Isso só foi desmontado graças à atuação do Supremo", destacou, citando planos para matar Moraes, o presidente Lula (PT) e o vice-presidente Alckmin (PSB).
O decano ainda falou sobre como o Supremo é visto fora do Brasil ao elogiar novamente atuação da Corte. "Se a gente vai mundo afora, as pessoas reconhecem, é um case de sucesso. Em que a Corte Suprema do país, a partir do posicionamento que teve a partir do enfrentamento do 8 de janeiro, conseguiu salvar o país de uma nova aventura. É preciso reconhecer papel singular da Corte Suprema do Brasil", seguiu.
"Mas todos queremos que a política exerça o seu papel. Queremos que, de fato, as decisões principais sobre legislação sejam tomadas pelo poder Legislativo. Juntamente com Executivo. Agora, isso não afasta que uma lei produzida pelo Congresso, com a maior aprovação possível, seja contrastada perante o Supremo, porque é assim que diz a Constituição", reforçou.
"Não se trata daquilo que a gente deseja, mas daquilo que está no texto constitucional."









