Provável indicação de Trump às eleições mostra fragilidade da democracia nos EUA, dizem especialistas
Ex-presidente poderá ter revanche com Joe Biden nas urnas mesmo após ser acusado de conspiração no pleito de 2020
O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump está próximo de ser indicado pelo partido Republicano como candidato às eleições presidenciais deste ano, que ocorrem em 5 de novembro. Com a desistência de Nikki Haley na última quarta-feira (6), devido à derrota na Superterça, o político ficou como única opção de indicação da sigla, o que, para especialistas, mostra a atual fragilidade da democracia norte-americana.
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Isso porque Trump enfrenta diversos processos criminais, incluindo o de incitar a invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e conspirar para anular o resultado das eleições de 2020 – quando perdeu para o presidente Joe Biden. Ele também é acusado de tentar fraudar os resultados das urnas no condado de Fulton, na Geórgia, considerado decisivo para a vitória de Biden, além de falsificar balanços de campanha para pagar subornos.
“O fato de Trump concorrer às eleições sob essas condições mostra a fragilidade do sistema democrático dos EUA, que sofre com a forte polarização da sociedade. As causas para essa polarização são muitas, mas o fato é que ela existe e tem afetado drasticamente a política do país, principalmente no âmbito eleitoral”, diz Andressa Mendes, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisadora colaboradora do Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU).
Até então, a candidatura de Trump estava em dúvida por ele ter sido considerado inelegível nas primárias republicanas em Colorado e Maine devido aos processos criminais. Nesta semana, contudo, a Suprema Corte decidiu manter Trump na disputa eleitoral, alegando que os estados não podem se basear num trecho da Constituição para retirar o candidato da cédula. O poder para isso, segundo os juízes, é do Congresso.
“Uma pesquisa da CNN, de agosto de 2023, mostra que cerca de 70% dos americanos acreditam que a vitória de Biden em 2020 não foi legítima. Isso demonstra a descrença da população no sistema político eleitoral do país e, em contrapartida, a crença em Trump, como o único capaz de salvar a América e torná-la ‘grande de novo’”, avalia Andressa.
O mesmo é afirmado por Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da PUC-SP. Ele aponta que Trump está seguindo a ascensão da extrema-direita no mundo, que vem convocando candidatos antidemocráticos. Além de Trump, o especialista cita o presidente da Argentina, Javier Milei, eleito em 2023, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, a premiê da Itália, Giorgia Meloni, e o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.
“Existe uma espécie de uso do próprio sistema democrático para a eleição de representantes políticos que têm uma vocação antidemocrática, que tentam implementar seus sistemas de poder através de canetadas, de atos unilaterais, e que contestam as eleições quando perdem, mas não quando ganham. Nesse sentido, eu observo que existe uma crise democrática de representação da extrema-direita”, pontua Amaral.
O que podemos esperar em uma revanche entre Biden e Trump?
Já é seguro falar em uma disputa entre Joe Biden e Donald Trump nas urnas, uma vez que os políticos são os favoritos para serem indicados pelos partidos Democrata e Republicano, respectivamente, às eleições presidenciais. Nesta semana, os políticos já começaram a abraçar discursos eleitorais, confirmando as expectativas de especialistas.
Em relação a Trump, espera-se uma campanha com retórica incisiva, de ataque não só a Biden e a questão da idade do presidente (81), mas também ao governo atual. Entre os principais pontos estarão a crise na fronteira com o México e as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Nos últimos pontos, o republicano tende ao nacionalismo e isolacionismo, com críticas ao envolvimento de Washington em conflitos internacionais.
“Ainda podemos esperar o discurso de que Trump é perseguido politicamente, a partir da ideia conspiratória de que todo o sistema e a elite políticos tentaram fazer com que ele não pudesse concorrer às eleições e ser eleito. Com relação a isso, tende a haver a adesão da população, que acredita na ideia de Trump ser um perseguido, além da crença de que a vitória de Biden em 2021 não foi legítima”, diz Andressa.
Biden, por sua vez, deve focar em uma campanha concentrada nas realizações do próprio mandato, como a recuperação econômica pós pandemia de covid-19, avanços na legislação de infraestrutura e questões climáticas. O democrata também pode adotar a estratégia de se aproximar da população jovem, com proposta a favor da legalização do aborto e ampliação do perdão a condenados por posse de maconha no país.
Outra questão que podemos esperar da campanha é o apelo para a unidade nacional, tentando alcançar o eleitorado dividido. A democracia também deve ser um tema abordado constantemente por Biden, que já vem afirmando que Trump representa um risco e retrocesso ao país. "Ele é movido por mágoas e fraudes, focado em sua própria vingança, não no povo americano", defendeu o democrata após a Superterça.
Votação acontece de forma polarizada, mas sem 100% de confiança
A última pesquisa da Reuters/Ipsos, divulgada em fevereiro, mostrou que Trump tem 37% das intenções de voto na disputa pela Casa Branca, enquanto Biden conta com 34%. Apesar de confirmar a disputa acirrada entre os políticos, Amaral aponta que ambos enfrentam críticas dos próprios eleitores, que não estão completamente satisfeitos, mas que apostam nas “velhas figuras” por medo de perder para o outro lado.
“Vamos supor que Biden dispute com um outro concorrente republicano que não seja Trump. O democrata terá muito mais força e representatividade, podendo ganhar a eleição. O mesmo ocorre do outro lado, caso Trump não enfrentasse Biden. De maneira geral, não existe uma concepção com identificação com esses candidatos”, explica.
No caso de Trump, o professor aponta a insatisfação do eleitorado com a promessa de “fazer a América grande novamente” e a não realização de uma estabilidade prometida. Já em relação a Biden, a principal crítica é a postura do governo com a guerra em Gaza, que não vem trabalhando de maneira consistente por um cessar-fogo, negando o que para muitos eleitores progressistas seria o dever e responsabilidade norte-americana.