Lula subiu tom contra ataques de Israel para marcar posições dentro e fora do Brasil, diz pesquisador
Presidente comparou ataques israelenses na Faixa de Gaza ao Holocausto, gerando crise diplomática entre os dois países
Emanuelle Menezes
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma comparação entre os ataques israelenses na Faixa de Gaza às ações de Hitler contra judeus no Holocausto e abriu uma crise diplomática com Israel no domingo (18). Desde então, lideranças israelenses e da comunidade judaica teceram críticas ao petista que, inclusive, foi declarado "persona non grata" pelo governo de Israel.
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"O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus" – Lula.
O SBT News conversou com José Antonio Lima, pesquisador do Grupo de Trabalho Oriente Médio e Mundo Muçulmano da Universidade de São Paulo (USP) e editor da newsletter Tarkiz, sobre as relações internacionais do Oriente Médio, para entender melhor o conflito e as implicações da declaração do presidente brasileiro. O confronto começou em um ataque do Hamas que vitimou 1,4 mil israelenses e se arrasta há quatro meses, ocasionando a morte de mais de 29 mil palestinos.
Para o pesquisador, a escalada do discurso de Lula não está relacionada a uma "explosão de indignação". O petista, que já havia criticado a morte de mulheres e crianças palestinas e clamado por paz em diversas oportunidades, parece ter usado a viagem à Etiópia para marcar posições – no campo externo e também com sua própria militância.
Lima acredita que o presidente brasileiro aproveitou o momento, durante participação na cúpula da União Africana, para se firmar como uma liderança do Sul Global – expressão usada para se referir aos países ao redor do mundo que estão em desenvolvimento.
"A solidariedade aos palestinos tem sido um elemento central no chamado Sul Global, justamente porque a questão entre Israel e Palestina acaba por revelar a imensa e notória hipocrisia dos países ocidentais, portanto do Norte Global, diante dos problemas do mundo", afirma.
A fala de Lula tem ainda, segundo o pesquisador, o objetivo de se reconectar com sua base eleitoral mais à esquerda. Com um governo de coalizão, em que a presença de partidos diversos no campo político gera críticas entre os seus, essa seria uma tentativa de aliar o discurso – pelo menos nas relações exteriores – novamente com sua militância.
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Comparação com o Holocausto
Para Lima, a comparação dos ataques israelenses à Gaza com o Holocausto teve uma grande repercussão por ser "lacradora". Ele acredita que a linguagem das redes sociais, de rebater e subir o tom contra quem está do outro lado, invadiu a diplomacia e o jornalismo.
"Lula poderia situar o que está acontecendo agora numa linha de eventos que têm alguma similaridade, em sua natureza, com o Holocausto, citando por exemplo o genocídio na Bósnia, o genocídio em Ruanda, genocídios que aconteceram inclusive antes do Holocausto, como o dos Hereros, na Namíbia. Mas essa construção retórica teria pouco impacto no tempo atual", diz ele.
O problema é que a declaração pode ser interpretada como uma banalização da morte de cerca de seis milhões de judeus de 1941 a 1945. "Ela é interpretada como altamente problemática porque é entendida como uma tentativa de minimizar o que aconteceu na 2ª Guerra Mundial, o que, na visão de muitas lideranças israelenses e também da comunidade judaica, é algo intolerável", diz.
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O que está acontecendo na Faixa de Gaza?
O pesquisador defende que há registro suficiente para afirmar que o governo israelense comete crimes de guerra na região. Além disso, a ideia de enviar palestinos para outro território, como defendeu o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, ao promover um plano de construção de uma ilha artificial no Mar Mediterrâneo para exilar os palestinos, é um projeto de limpeza étnica.
"A meu ver, o governo israelense utilizou o massacre realizado pelo Hamas em 7 de outubro para colocar em prática um projeto que tem como objetivo reduzir de forma drástica a população dentro da Faixa de Gaza. Tirar uma boa parte dos 2,3 milhões de palestinos que moram na Faixa de Gaza desta região para a Jordânia, para o Egito, para uma ilha artificial, para o Congo, para qualquer lugar", afirma.
No dia 26 de janeiro, a Corte Internacional de Justiça decidiu continuar com o processo apresentado pela África do Sul, que acusou Israel de cometer genocídio contra os palestinos. Na última sexta-feira (16), o mais importante órgão judicial da ONU determinou que o Estado de Israel continua obrigado a cumprir integralmente os termos da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, garantindo a segurança e a proteção dos palestinos na Faixa de Gaza.