É genocídio? O que diz a lei internacional sobre o que acontece em Gaza
Um pouco mais de 40 dias após o início das agressões, relatores especiais da ONU alertam sobre "um genocídio em formação" na Palestina
Relatores especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU alertaram, nesta semana, que as "graves violações" cometidas por Israel contra palestinos após 7 de outubro, especialmente na Faixa de Gaza, "apontam para um genocídio em formação".
"Muitos de nós já demos o alarme sobre o risco de genocídio em Gaza", diz o texto do grupo de especialistas, que inclui a relatora especial sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos, Francesca Albanese.
Eles se juntam a um número crescente de membros das Nações Unidas, entidades de direitos humanos e governantes, incluindo chefes de Estado, que estão chamando a atenção para a destruição indiscriminada de infraestrutura no enclave e para o alto número de vítimas civis. Segundo o ministério da Saúde da Palestina, em pouco mais de 40 dias, mais de 11.500 palestinos foram mortos por forças israelenses, 27 mil foram feridos, e 1,6 milhão de pessoas foram deslocadas.
Dos mortos, 41% são crianças e 25%, mulheres. Para além disso, o enclave palestino vive uma crise humanitária, sem acesso a água potável, comida, insumos médicos e combustível. O cerco total imposto por Israel reduziu o número de comboios de ajuda humanitária.
Afinal, o que está acontecendo na Palestina é genocídio?
Segundo a definição do Estatuto de Roma, tratado fundador do Tribunal Penal Internacional (TPI), o crime de genocídio caracteriza-se pela intenção específica de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, matando os seus membros ou causar graves danos corporais ou mentais aos membros do grupo; infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física, total ou parcial; impor medidas destinadas a prevenir nascimentos dentro do grupo; ou transferir à força crianças do grupo para outro.
O SBT News conversou com a doutora em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) Elaini Silva. Ela apontou haver indícios jurídicos de que, sim, há um genocídio em curso.
"Parece que pelo menos três crimes estão acontecendo: genocídio, crime contra a humanidade e crimes de guerra. O TPI investiga desde 2022 esses crimes na Palestina, ocorridos desde 2014. Mas isso atingiu um grau que há muito tempo não se via", afirma. "Existem informações de que crianças palestinas estão sendo não só mortas, mas também transferidas para outros grupos. Essa é uma das características de genocídio: a impossibilidade de permanência e reprodução do grupo", pontua Elaini, que é professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
"Vemos também crimes contra a humanidade -- que são crimes que atentam contra a dignidade do ser humano --, como a questão do cerco à própria cidade de Gaza, a impossibilidade de levar ajuda, alimento, impedir o fornecimento de energia, e o próprio deslocamento forçado de palestinos", avalia
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Elaini explica ainda que a destruição de infraestrutura civil, como bombardeios a hospitais e escolas, pode ser classificada como crime de guerra pelo Estatuto de Roma. A especialista ressalta, contudo, que a investigação do crime de genocídio precisa ser minuciosa e pode demorar anos para receber uma sentença. Esse é um dos motivos do crime não prescrever após a denúncia ser aceita pela Corte.
"Para chegar a uma condenação efetiva vai ser necessário ter uma comprovação sem nenhuma dúvida, com todos os critérios de confirmação e verificação das informações envolvidas na fundamentação das decisões"
Quem julga se é genocídio?
O Tribunal Penal Internacional (TPI) pertence à ONU e investiga indivíduos que possam ter participado de crimes internacionais generalizados e sistemáticos. Contudo, a jurisdição do Tribunal de Haia, como é conhecido, só pode ser exercida quando os crimes foram cometidos por um Estado Parte nacional, ou no território de um Estado Parte, ou num Estado que tenha aceitado a jurisdição do Tribunal. Esse não é o caso de Israel, diferente da Palestina, membro desde 2015.
Tel Aviv não é signatário do Estatuto de Roma ou parte do TPI. Do mesmo modo que alguns outros países também não são, como os Estados Unidos e a Rússia.
Se o premiê Benjamin Netanyahu ou outros membros do atual governo de Israel forem denunciados, investigados e condenados, podem se defender afirmando que o Tribunal não tem jurisdição para que sejam presos. Até o momento, cinco países denunciaram a situação no estado da Palestina. São eles: África do Sul, Bangladesh, Bolívia, Comores e Djibouti
Existe ainda outra possibilidade de responsabilização, pela Corte Internacional de Justiça da ONU. Nesse caso, quem será investigado é o país. Atualmente, a Corte apura, por exemplo, se Mianmar cometeu genocídio contra o povo rohingya, ao expulsar 1 milhão de pessoas em 2017.