Kid preto diz à PF ter usado celular do Exército para ocultar identidade, mas nega elo com trama golpista
Membro das Forças Especiais seria o codinome 'Brasil', na missão contra Alexandre de Moraes; Rodrigo Azevedo afirma desconhecer plano: 'tava em casa'
Ricardo Brandt
O tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo, um dos militares "kids pretos" presos pela Polícia Federal, por envolvimento na trama golpista de 2022, afirmou em depoimento que usou um telefone das Forças Especiais do Exército, identificado na operação clandestina investigada pela PF, para ocultar sua identidade.
O plano previa monitorar, prender ou até matar Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Suspeito de ser o codinome Brasil, entre os seis usados por militares executores do plano "Copa 2022" (Alemanha, Argentina, Áustria e Gana e Japão), ele negou que tenha participado da missão, em 15 de dezembro, após a derrota de Jair Bolsonaro (PL). O ataque ao ministro e um decreto de intervenção no TSE buscavam impedir a posse de Lula.
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O depoimento foi prestado no dia 28 de novembro, mas sua transcrição anexada nesta sexta-feira (6), nos inquéritos da PF contra a trama golpista, alvo da Operação Contragolpe. O militar foi preso dia 19 com outros três kids pretos, ligados ao plano, que tinha Moraes com alvo.
Os kids pretos, militares da unidade de elite do Exército Brasileiro do Comando de Operações Especiais (Copesp), são apontados como os executores. A ação, iniciada em novembro, acabou abortada durante a execução, segundo a PF. .
Bolsonaro e outros 37 alvos foram indiciados pela PF por tentativa de golpe de Estado, atentado violento à democracia e organização criminosa.
Telefones frios
Seis telefones usados em nome de terceiros, pelos kids pretos, foram essenciais par a PF refazer os passos dos golpistas. Eles teria sido ativados pelo major Rafael Martins Oliveira, principal kid preto preso e executor do "Planejamento - Punhal Verde-Amarelo" - plano de ação da missão "Copa 2022".
"Realmente. Minha intenção era ter esse celular para anonimizá-lo, realmente", disse.
A PF uniu dados de pelo menos três inquéritos contra os kids pretos golpistas e comprovou que cinco celulares foram ativados simultaneamente, no dia 8 de dezembro, na mesma localidade, em nome de pessoas que sequer sabiam.
No dia seguinte, 9 de dezembro, quatro deles que tinham prefixo 61 receberam carga de forma sequencial. Todos carregados com R$ 20,00 de crédito, pagos em dinheiro. Entre eles, o número que seria do codinome Brasil e que a PF aponta ser o do tenente-coronel na operação.
A PF montou em relatórios de análise de material apreendido com os investigados e também obtidos, os diagramas que mostram quem seria ligado a que número. Um deles mostra Rodrigo Azevedo.
Descobriram ainda que durante o dia da missão, 15 de dezembro, o telefone usado e registrado oficialmente pelo kid preto, chamado de telefone "quente", ficou ativo perto do endereço que ele mora, em Goiânia. O telefone frio, porém, mostra outra movimentação.
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O aparelho usado por Brasil seria um READMI 10 Prime alvo da PF foi ativado com um chip em nome de Arthur Silva Barbosa, em 29 de dezembro. "Foi o senhor que cadastrou e inseriu para ter um chip anonimizado?"
"Sim. Os dados dessa pessoa você pega no Telegram, dados aleatórios de qualquer pessoa que fica disponível em grupos do Telegram", explicou o kid preto.
"Bom, a história desse aparelho é a seguinte: nesse período de dezembro, eu estava em transição, saindo para a sessão para o CCOP. (...) E aí eu estava visitando as instalações do CCOP, onde eu ia assumir, posteriormente, a função. Lá existe um cafofo, uma sala a retaguarda, em que existia uma caixa com muitos celulares. Muitos celulares mesmo, celulares às vezes também bem antigos. E eu questionei lá para o pessoal sobre esses celulares. E eram celulares que tinham sido utilizados no período dos grandes eventos: Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíadas e outras missões que tinham sido utilizadas. ", trecho de depoimento de tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo, kid preto preso por trama golpistas.
"Eu coloquei o nome dessa pessoa simplesmente para ter esse celular ali e utilizar para missões futuras. Isso aí pode ser errado, mas é uma prática que é corriqueira, é comum, porque a gente lida com operações sensíveis", afirmou Rodrigo Azevedo.
Segundo o tenente-coronel, o aparelho foi pego "no meio desses celulares". "Tinha um aparelho que aparentava ser um pouco mais novo. Eu peguei esse celular."
A PF descobriu que o mesmo aparelho carregado no dia 24 de dezembro pelo militar, era o que estava sendo usado na missão Copa 2022. Isso porque ele ativou o chip em seu endereço em Goiânia.
Anonimização
O delegado Fábio Schor, que conduz os inquéritos da PF da trama golpista, explicou então ao indiciado que o foco não era a tática de "anonimização" usada por eles, mas o objetivo.
"Eu quero que o senhor entenda a gravidade do fato, que a gente não está falando numa ação de Estado, como o senhor deu um exemplo. É um telefone que foi utilizado numa ação criminosa, numa ação que estava sendo executada para prender o ministro Alexandre de Moraes", voltou a advertir o delegado. "O senhor deve ter consciência que a prisão cautelar do senhor se deve exatamente por esse vinculo direto com esse telefone."
"O problema dessa situação é que esse celular foi usado numa ação para tentar prender, barra, executar o ministro Alexandre de Moraes", disse o delegado.
"Tem uma situação grave do que o senhor está falando. Está confirmando que esse telefone é do Batalhão de Operações Especiais, ou seja, um telefone que foi usado numa ação para tentar prender, matar o ministro Alexandre de Moraes, o senhor acabou de confirmar que é um telefone do BAG, que se torna mais grave ainda a situação", delegado Fábio Schor, da PF.
O delegado advertiu ainda que o militar usou a mesma tática do major Rafael Martins Oliveira, outro kid preto preso pela PF, que após se envolver em um acidente de trânsito em Goiás, usou a identidade do motorista do outro veículo para registra outros dos seis celulares da missão "Copa 2022".
"Assim como ocorreu na situação, como o seu colega usou o nome de uma pessoa que bateu nele para também anonimiza, ele está colocando um terceiro sem qualquer relação numa ação ilícita."
Negou
"O militar disse não ter "conhecimento" da ação golpista que é acusado. "Não tinha o menor conhecimento em relação a tudo que foi feito antes. O celular pode ter sido utilizado por diversas outras pessoas e eu posso ser responsável a partir do momento que eu peguei o celular e utilizei, cadastrei.
O militar afirmou que não usou o celular no dia 15 de dezembro. "Eu comecei a usar esse celular a partir do dia 20 e alguma coisa". Ele afirmou que na data em que Moraes seria preso, ele estava em sua residência, em Goiânia. "Tava em casa, tava em casa, eu tenho inclusive testemunhas, era dia do meu aniversário, meu aniversário é dia 15 de dezembro."
Para o delegado da PF, Azevedo "admitiu" que o telefone investigado por pelo por ele no Comando de Operações Especiais do Exército.
"Aqui não está sendo discutida a técnica. A técnica é legitima e nós sabemos a necessidade disso no uso das Forças Especiais. A questão é que essa técnica foi utilizada ilicitamente por uma ação criminosa. E, coincidentemente, o telefone que foi usado estava com o senhor, posteriormente. Esse é o contexto. O senhor tem que entender a dimensão e a gravidade dessa situação", argumentou o delegado.
O tenente-coronel Rodrigo Azevedo foi transferido nesta semana do Rio para Brasília, junto com o general Mario Fernandes, outro kid preto preso por envolvimento da trama golpistas.