PF mapeou movimentação de 'kids pretos' em Brasília em missão contra Moraes
Objetivo do grupo era prender ou matar o ministro. Celulares 'frios' usados por militares que colocaram em prática plano 'Copa 2022' são parte das provas
Ricardo Brandt
A Polícia Federal reconstituiu os passos de militares das forças especiais, os chamados "kids pretos", que teriam colocado em prática o plano golpista "Copa 2022", para tentar impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. A missão, segundo a PF, era prender ou matar o ministro Alexandre de Moraes -- que era, ao mesmo tempo, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e relator dos processos contra Jair Bolsonaro (PL), no Supremo Tribunal Federal.
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A ação clandestina chegou a ser executada, em novembro e dezembro de 2022, por seis militares "kids pretos", com monitoramento do alvo e ação prática, no dia 15 de dezembro, que acabou abortada no andamento, afirma a PF.
Documentos inéditos, do inquérito que indiciou Bolsonaro e 36 aliados por tentativa de golpe de Estado, mostram a movimentação desses militares golpistas em Brasília, após a derrota - e antes do 8 de Janeiro de 2023.
No material há diagramas com datas, dados dos telefones frios (registrados em nome de terceiros) usados e quem eram os kids pretos vinculados a eles, mapas de localização dos golpistas, fotos de diligências policiais em locais percorridos na ação e mensagens de aplicativos recuperadas.
O SBT News consultou os relatórios e as análises policiais, que estão com a Procuradoria Geral da República (PGR) para análise. O material faz parte do acervo de provas que a PF levantou para o STF e indicou que o golpe de Estado de aliados de Bolsonaro saiu da fase de planejamento e entrou na fase de execução, em 2022.
Celulares 'frios'
Um elemento central que ajudou investigadores a reconstituir os passos dos militares kids pretos, que prenderiam ou matariam Moraes, foi a descoberta de seis telefones "frios" ativados e usados entre novembro e dezembro pelos executores.
Ao analisar o material, descobriu o plano de 15 de dezembro foi batizado de "Copa 2022", os métodos de comunicação usados pelos kids pretos e o planejamento operacional da missão, chamado de "Planejamento Punhal Verde e Amarelo".
"As condutas vinculadas ao evento, antes e, principalmente, no dia da ação indicam que pessoa com alta capacidade técnica e conhecimento militar 'saíram à campo' para executar um plano totalmente antidemocrático de prisão, ou, quiçá, execução do Ministro ALEXANDRE DE MORAES. A engenharia de execução do evento 'copa 2022' indica que os envolvidos buscaram total anonimização para, com isso, furtar-se de qualquer responsabilidade subsequente das condutas gravemente praticadas", trecho de relatório de análise da PF.
O planejamento também previa como alvos o então presidente eleito, Lula, e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, revelou a Operação Contragolpe (do dia 19).
A ação para "neutralizar" autoridades buscava impedir a reação institucional do Estado ao golpe. A trama envolvia ainda, segundo as apurações: fechar o TSE (como previa o decreto presidencial encontrado, a chamada "minuta do golpe"); colocar militares nas ruas; propagação de notícias em apoio e manifestações populares nas ruas para fortalecer o movimento.
Países da copa
O uso dos telefones frios por militares kids pretos, que trocavam mensagens e se reuniam com membros do governo, ligados a Bolsonaro, apareceu no "Planejamento - Punhal Verde Amarelo". O documento foi criado pelo general Mario Fernandes, que era da Secretaria-Geral da Presidência.
Um dos tópicos, de nome "Demandas para a Prep e Condução da Ação (Meios)", revelou uma lista de itens necessários para a execução da operação Copa 2022, no dia 15 de dezembro.
"Imperioso observar que o tópico '6 Tlf Cel Descartáveis (Chip TIM)' revela exatamente o método de comunicação, a quantidade de aparelhos e até mesmo a operadora telefônica que seria escolhida para as comunicações durante as atividades", diz trecho de relatório da PF.
O nome"Copa 2022" foi também o nome usado no aplicativo Signal, de conversas secretas por celular, do grupo criado pelos "responsáveis por executar a ação clandestina de prisão/execução de ministro do Supremo". Com a quebra de sigilo dos seis telefones usados pelos golpistas, os analistas refizeram pontos chaves da missão.
Rastros digitais
Os investigados, para "dificultar o rastreamento das atividades ilícitas", usaram "linhas de telefonia móvel em nome de terceiros, "criaram um grupo denominado 'copa 2022' no aplicativo de mensagens Signal", e adotavam codinomes "associados a países (Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana) para não revelarem suas verdadeiras identidades".
Conhecido como Joe e com formação em Forças Especiais, o major Rafael Martins de Oliveira estava no comando operacional da execução da ação clandestina "Copa 2022", no dia 15 de dezembro, segundo a PF.
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"Com formação em forças especiais (Kid Preto)", relatório de análise da PF aponta que ele é "pessoa relevante" na trama golpista. Os relatórios mostram que os telefones foram ativados de forma simultânea, assim como a carga de créditos neles, nos 8 e 9 de dezembro. O diagrama ainda mostra quais números eram usados por cada codinome.
Major Oliveira usava os codinomes "diogo.bast", "Japão" e "Alemanha" nas conversas da trama e era um dos principais interlocutores do então braço-direito de Bolsonaro e atual delator, o tenente-coronel Mauro Cid.
Os kids pretos identificados no grupo Copa 2022:
- Major Rafael Oliveira, major do Exército (codinomes Japão, Alemanha e rafaelbast)
- Helio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército (codinome Gana)
- Rodrigo Bezerra Azevedo, major do Exército (codinome Brasil)
- Lucas Guerellus, capitão do Exército (codinome Áustria)
PF descobriu que foi Joe que obteve os aparelhos, deu a carga neles em nome de terceiros. O usado por ele, por exemplo, tem o nome de uma pessoa com quem se envolveu em acidente de trânsito dias antes. Os demais telefones também foram registrados em nome de "laranjas".
Mesmo com as táticas usadas para ficarem anônimos, a PF conseguiu identificar quatro dos seis usuários, encontrou conteúdo de mensagens trocadas entre os militares kids pretos, pelo grupo chamado Copa 2022 e cruzou as localizações de uso. Os equipamentos foram usados entre o dia 8 e 16 de dezembro.
Cancela o jogo
Faltava um minuto para nove horas da noite, da quinta-feira, 15 de dezembro de 2022. O codinome "Alemanha" dá a ordem para "Austria". "Abortar... Áustria, volta para o local de desembarque". Dois minutos antes, Áustria pediu orientação: "Tô perto da posição, vai cancelar o jogo?". Alemanha e Áustria seria dois kids pretos que usavam codinomes.
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Os mapas de localização dos celulares usados pelos kids pretos no grupo Copa2022 posicionam onde estavam cada um deles e o papel que desempenhariam no plano de atentado a Moraes, abortado exatamente à 20h59, segundo a PF. Ela juntou as mensagens recuperadas dos aplicativos e os mapas de sinais dos celulares.
Três dias antes, houve quebra-quebra em Brasília e tentativa de invasão da sede da PF.
Os registros de conversas recuperados pela PF mostram que o atentado de 15 de dezembro foi colocado em prática, após um mês de monitoramento dos alvos, e abortado em cima da hora, durante a execução.
Naquela quinta-feira, 15 de dezembro, Moraes participou de julgamento no STF, encerrado antes do fim. Um dos golpistas estava perto. Outro, no caminho e o executor na região onde o ministro mora em Brasília.
A PF havia encontrado dados sobre esses aparelhos nas buscas que fez nas casas de militares em duas operações, a Venire de 2023, sobre fraudes nos comprovantes de vacinação na pandemia da covid-19, e a Tempus Veritatis, ofensiva contra o militares de alta patente golpistas e contra o PL, ligados à minuta do golpe.
As provas servirão para a PGR entrar com processo e pedir a condenação dos investigados, se entender que há elementos que indiquem cometimento de crimes. A PF colocou no topo da trama Bolsonaro e o general Walter Braga Netto, seu vice, no topo da trama.
Nega crime
Bolsonaro tem negado envolvimento com os supostos crimes. Sua defesa busca a retirada dos processos das mãos de Moraes no STF. Os demais indiciados também negam crimes apontados pela PF e têm pedido acesso integral aos processos.
O ex-presidente disse, em sua primeira manifestação após o indiciamento, que a palavra "golpe" nunca esteve em seu dicionário e que "é uma loucura falar em golpe com um general da reserva e cinco oficiais militares".
"Vou dar agora uma opinião: Essas historinha de assassinato de autoridades, no meu entender, foi jogado pra dar uma demonstração de que 'olha, jogamos fora das quatro linhas'. Eles jogaram. Mas foi pra evitar um mal maior. (...) nada foi iniciado. Não podemos querer punir agora crime de pensamento, crime de opinião", declaração do ex-presidente Jair Bolsonaro, no dia 25.
Ele negou ter conhecimento sobre qualquer plano de golpe, classificou a situação como extremamente grave e afirmou que as "acusações são terríveis".
"Eu sou perseguido o tempo todo. Eu posso ser preso ao sair daqui. E você também."