Golpe de Bolsonaro não vingou por falta de apoio do comando das Forças Armadas, diz PF
Freire Gomes (Exército) e Baptista Jr. (Aeronáutica) foram contra plano para impedir posse de Lula e viraram alvo de ataques de aliados de Bolsonaro
Ricardo Brandt
O golpe de Estado tramado no final de 2022 para impedir o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de assumir o cargo, após derrotar Jair Bolsonaro (PL) nas urnas, só não foi efetivado por falta de apoio dos comandantes das Forças Armadas. É o que informa a Polícia Federal no relatório final que indiciou o ex-presidente e 36 pessoas na última semana.
"A resistência dos Comandantes do Exército e da Aeronáutica impediu a consumação do ato", conclui a PF nas 889 páginas do documento que foi entregue ao STF.
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As investigações apontam que, após a derrota no 2º turno das Eleições 2022, Bolsonaro, ministros, militares e políticos aliados iniciaram um plano para impedir a posse do governo eleito e intervir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Uma das ações previa a prisão e até morte do ministro Alexandre de Moraes, que era presidente da Corte eleitoral e é relator de processos contra Bolsonaro no STF.
"Conforme os elementos de prova obtidos, a consumação do golpe de Estado e Abolição violenta do Estado Democrático de Direito estava prevista para ocorrer no dia 15 de dezembro de 2022", informa a PF.
O plano "Copa 2022", como teriam batizado os golpistas, envolvia Bolsonaro, ministros e assessores, como Mauro Cid e o general Walter Braga Netto (ex-Casa Civil e então vice na chapa derrotada).
Dos três chefes das Forças Armadas, apenas o almirante Almir Garnier, da Marinha, teria aderido. "As evidências descritas ao longo do presente relatório demonstraram que o comandante da Marinha, Almirante ALMIR GARNIER, e o ministro da Defesa, PAULO SÉRGIO, aderiram ao intento golpista."
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Segundo a PF, Freire Gomes e Baptista Junior foram "contrários a qualquer medida que causasse a ruptura institucional no país".
Mesmo com um documento prevendo intervenção no TSE (a minuta do golpe) e apoio de parte dos militares, “a consumação do golpe necessitaria de um elemento fundamental, o apoio do braço armado do Estado, em especial a força terrestre, o Exército”.
“Para isso, o então presidente JAIR BOLSONARO realizou várias reuniões com os comandantes das Forças e com o ministro da Defesa para apresentar o decreto e obter seus respectivos apoios. As evidências descritas ao longo do presente relatório demonstraram que o comandante da Marinha, Almirante ALMIR GARNIER, e o ministro da Defesa, PAULO SÉRGIO, aderiram ao intento golpista." Trecho do relatório final da PF que indiciou Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe.
Milícia digital
Com a resistência de Freire Gomes e Baptista Jr., os dois passaram a ser alvos de ataques e pressão interna.
“Recrudesceram os ataques da milícia digital e de militares aderentes à ruptura institucional aos referidos comandantes e aos demais militares de alta patente contrários ao golpe de Estado”, após as primeiras negativas em meados de novembro. Segundo a PF, com a negativa de Freire Gomes, Bolsonaro "buscou e obteve o apoio do então comandante do COTER, general Estevam Theóphilo".
"Ao mesmo tempo, o núcleo responsável pela incitação de militares, utilizando o modus operandi da milícia digital, desencadeou a propagação de ataques pessoais aos comandantes Freire Gomes e Baptista Junior, além de manifestações em suas residências para pressioná-los a aderirem ao golpe de Estado.”
Ouvido pela PF, o então comandante do Exército "confirmou que passou a receber pressões para anuir a uma possível ruptura institucional, recebendo ataques pelas mídias sociais". Os ataques e investidas não tiveram sucesso.
“Apesar de todas as pressões realizadas, o general FREIRE GOMES e a maioria do Alto Comando do Exército mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República JAIR BOLSONARO, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou. Com isso, a ação clandestina para prender/executar ministro ALEXANDRE DE MORAES foi 'abortada'".