Como é o plano do governo para ampliar o mercado de datacenter com investimento de R$ 5,2 bilhões
Apesar do potencial do mercado nacional, setor enfrenta desafios em relação ao alto consumo de água e energia
Murillo Otavio
O mercado de datacenter está ganhando força no mundo e o Brasil corre para se colocar em posição de destaque no mercado. Em 2025, o setor movimentou em torno de US$ 22 bilhões. A previsão, de acordo com informações da agência Reuters, é que esse valor suba para US$ 70 bilhões até 2034. O uso da Inteligência artificial é considerado, por especialistas e agentes do setor, como um dos principais combustíveis para alavancar o ramo.
Para acompanhar o potencial do mercado, o governo Lula lançou o Redata, programa que prevê, entre outras coisas, um investimento de R$ 5,2 bilhões no setor. Empresários e especialistas preveem bons resultados até 2030.
A ideia do governo é reduzir a dependência do país em relação a serviços de nuvens e armazenamento oferecido por empresas do exterior e fortalecer a soberania digital do país. Além disso, ampliar o uso da tecnologia em pesquisas acadêmicas.
No entanto, a expansão do mercado de datacenter apresenta desafios em relação ao meio ambiente, que pode ser prejudicado em alguns casos em razão do alto consumo de energia e água.
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O que é um datacenter
Um datacenter é uma instalação física que abriga centenas de servidores. Estes funcionam com outros equipamentos e são conectados a diversas redes de comunicação. Esse espaço físico é responsável por coletar, processar, armazenar e distribuir dados.
Para explicar na prática, o SBT News conversou com Júlio Chaves, professor de infraestrutura de tecnologia da informação para pesquisas aplicadas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Funciona assim:
- Você acessa, por exemplo, o aplicativo de streaming de vídeos no celular;
- Ao escolher algum filme, o seu “pedido viaja” pela internet através de cabos até o datacenter que hospeda o serviço de streaming;
- O sistema de rede do datacenter direciona seu pedido para o servidor certo. O servidor pega os dados do filme que você quer assistir e começa a processá-los;
- O servidor envia o vídeo de volta pela rede do datacenter e, em seguida, pela internet até o seu celular, permitindo que você assista ao vídeo sem interrupções;
- Para o funcionamento do datacenter, o uso de energia e a refrigeração (os aparelhos físicos esquentam ao serem utilizados) garantem que o servidor nunca pare.
🔍 Ou seja, para o funcionamento da internet e outros serviços, o datacenter é necessário.
Com o avanço da tecnologia, surgiu a Inteligência Artificial (IA), que também precisa de um datacenter, mas com características um pouco diferentes.
No caso de datacenters de IA, além de processar e armazenar dados, esses centros exigem uma capacidade de computação muito superior à dos modelos convencionais para treinar e executar comandos de IA.
O processamento de um datacenter exige o uso de água para resfriar os equipamentos. Entretanto, em um datacenter de IA, o processamento exige mais equipamentos e de complexidade superior. Por isso, os datacenters de IA consomem mais água. Além disso, datacenter para IA exige mais energia elétrica.
O professor Rudolf Buhler, do Instituto Mauá de Tecnologia, ajuda a entender melhor.
“Existem dois momentos em que datacenter para IA gasta muita energia. Primeiro é quando ela treina o meu modelo para ele aprender. Então, esse é um primeiro momento que liga bastante. E aí a fonte dessa energia elétrica pode ser um problema. Se você usa energia renovável, é uma coisa.
Tem um lado de gastar água para gerar energia. O celular, por exemplo, ele esquenta com o uso. Ele tem uma ventoinha que resfria o aparelho. Imagina pegar vários computadores, colocar em todos eles dentro de uma sala fechada e centenas de computadores. Quanto calor você não está gerando?”, explica.
🚰 A água é um recurso eficiente para resfriar os equipamento. Ela absorve o calor dos equipamentos, seja resfriando o ar que circula neles (através de sistemas de água gelada) ou circulando diretamente nos servidores (resfriamento líquido).
Datacenter comum: foco em armazenamento, hospedagem de dados, nuvem, streaming, backups, etc.
Datacenter de IA: exige maior poder computacional, processa dados em larga escala, consome mais energia e demanda sistemas de refrigeração intensivos.
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Redata
O Redata, regulamentado pela Medida Provisória 1.318/2025, cria um regime especial de tributação para serviços de datacenter no Brasil, parte da Nova Indústria Brasil (NIB) e da Política Nacional de Datacenters (PNDC).
Entre algumas medidas, está a isenção de tributos federais, como PIS/PASEP, Cofins e IPI, na compra de equipamentos de tecnologia importados. Esses equipamentos são considerados caros, e o esforço do governo para baratear pode surtir bons resultados no mercado. O Brasil não produz boa parte dos aparelhos necessários.
Essa é a visão de Eduardo Menossi, que é cofundador do EBM Group, uma das principais empresas do setor. “A ideia é que até 2030 o mercado brasileiro alcance bons resultados e se torne referência para o mundo”, diz.
Em contrapartida as isenções, as empresas beneficiadas deverão destinar pelo menos 10% da capacidade de processamento e armazenamento para o mercado interno.
Além disso, as empresas serão obrigadas a aplicar 2% do valor dos equipamentos adquiridos em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, com o objetivo de fortalecer a cadeia produtiva digital nacional. A ideia do governo é ampliar as pesquisas e fortalecer os institutos e instituições de ensino.
Segundo estimativas do governo, os incentivos previstos pelo Redata podem mobilizar até R$ 2 trilhões em investimentos privados ao longo dos próximos 10 anos e aumentar o número de empresas nacionais no setor.
O Luis Tossi, vice da Associação Brasileira de datacenters, disse para o SBT News que há cerca de 180 empresas do tipo do Brasil. A maioria delas localizadas no interior de São Paulo. O estado do Ceará, por conta dos cabos subterrâneos, está no centro dos novos investimentos, explica.
🛜 Cabos submarinos são cabos de fibra óptica instalados no fundo de oceanos e rios para transmitir dados como internet, chamadas telefônicas e outros sinais de comunicação entre continentes e países. Eles são a espinha dorsal da infraestrutura de comunicação global, transportando a vasta maioria do tráfego de dados.
Em relação à sustentabilidade do mercado de datacenters, o programa prevê o uso de energia renovável ou limpa e padrões de eficiência hídrica, para minimizar o impacto ambiental.
Em outros lugares do mundo, como os Estados Unidos e a China, dois dos principais países em relação ao mercado de datacenter, o consumo de água e energia é um problema maior.
🚰 Pesquisadores da Universidade da Califórnia analisaram a “pegada hídrica” do modelo GPT-3, do Chat GPT. Como a empresa responsável pela ferramenta não divulga o volume de água consumido, os cientistas estimaram os dados com base no uso de energia e nos sistemas de resfriamento.
Segundo o estudo, entre 20 e 50 perguntas feitas a um chatbot como o ChatGPT podem evaporar o equivalente a meio litro de água potável.
O plano do governo também pretende criar condições para diminuir o consumo de água e criar maneiras para que a fonte de energia seja limpa, de acordo com Valter Pieracciani, CEO da Piera. Segundo ele, o Brasil apresenta fatores favoráveis para se tornar referência nesse mercado:
- Abundância de energia renovável, com custo competitivo — fator que ajuda a reduzir o impacto ambiental e a viabilizar grandes operações.
- Infraestrutura de comunicação adequada, com cabos submarinos internacionais que facilitam o tráfego global de dados.
Com esses fatores, o Brasil pode se firmar como um polo estratégico na revolução da economia digital, abrindo espaço para crescimento tecnológico, geração de empregos e inovação, desde que o crescimento seja planejado e sustentável.









