"Moral de esgoto" e "vergonha": audiência pública com Pimenta é marcada por ofensas e acusações
Evento na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara teve mais de três horas de duração; deputado fala em "fundo do poço" do clima entre parlamentares
Uma audiência pública, realizada nesta terça-feira (11) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, com o ministro da Secretaria Extraordinária da Presidência da República para Apoio à Reconstrução do RS, Paulo Pimenta, foi marcada por ofensas e acusações de deputados bolsonaristas a Pimenta e do próprio ministro a parlamentares. O evento teve mais de três horas de duração.
O titular da Secretaria Extraordinária foi convidado a participar da audiência para prestar esclarecimentos sobre um suposto uso da Polícia Federal (PF) para investigar e perseguir opositores que denunciaram falhas do governo federal na tragédia causada pelas chuvas território gaúcho.
O autor do requerimento para realização do evento com Pimenta, deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), disse que esse uso ocorreu quando o ministro pediu a investigação de divulgação de notícias falsas sobre a tragédia no RS por parlamentares e influenciadores digitais.
Na audiência, Pimenta destacou as ações do governo federal para ajudar a população do Rio Grande do Sul e disse que, em momentos de crises como a do estado, cada uma das pessoas revela o que é e o que pensa.
"Vejam bem, senhoras e senhores, como é possível que, numa hora como essa, em que há a necessidade de um grande esforço de união e reconstrução, pessoas se dediquem a sentar atrás do computador para produzir fake news?", declarou.
Segundo o ministro, "a ação criminosa da desinformação e das fake news foi um capítulo lamentável nesse momento tão importante da vida do estado e do país". "Em absoluto, isso tira a nossa energia e o nosso foco. Eu só lamento".
Pimenta citou uma série de fake news que foram publicadas na internet sobre a tragédia, como a de que o governo estaria promovendo eutanásia em animais para reduzir a superlotação dos abrigos no estado. Segundo ele, a Justiça já determinou que todas essas notícias falsas fossem retiradas do ar.
Como de costume em audiências públicas no Congresso, os parlamentares puderam fazer perguntas ao convidado. O primeiro a questionar Pimenta foi Paulo Bilynskyj. Uma das perguntas levou a uma provocação por parte do ministro ao deputado.
Bilynskyj perguntou se era verdade ou mentira que Pimenta havia, entre 25 e 26 de maio, ido de Porto Alegre para Santa Maria com um helicóptero das Forças Armadas, acompanhado de sua esposa e "outras adolescentes".
"Se a minha esposa me acompanhou no roteiro no estado, sim. Sou ministro de Estado, participo de eventos públicos e muitas vezes a minha esposa me acompanha. Não posso dizer o mesmo do senhor, né? Porque... se o senhor acha que tem alguma coisa estranha nisso...", respondeu o ministro.
" É uma aeronave de trabalho. A minha delegação sou eu que escolho. E com ela mantenho uma relação de respeito, sem violência, sem agressão, para mim, inclusive, é um orgulho ela poder andar comigo", acrescentou, sob aplausos de governistas.
O deputado do PL criticou a fala de Pimenta e disse que ele apresentou uma "moral de esgoto".
"O ministro na fala dele demonstrou o que é fake news. O ministro insinuou de alguma forma que o meu relacionamento com a minha esposa era um relacionamento violento", disse o parlamentar. "Isso, ministro, é para o senhor aprender o que é fake news, o que que é falso e mentiroso. É esse tipo de moral de esgoto que Vossa Excelência traz aqui para a Câmara".
O microfone foi cortado, mas Bilynskyj continuou falando. Chamou o ministro de "mentiroso" e "criminoso", e recebeu vaias de governistas. "O senhor não merece estar aqui", afirmou.
Jaqueta "ridícula"
Depois, foi a vez de Gilvan da Federal (PL-ES) ofender Pimenta. "Primeiramente, ministro, é ridícula essa jaqueta que você usa, da onde eu venho, para quem trabalha", disse. O titular da Secretaria Extraordinária estava usando uma jaqueta do Grupo de Apoio a Desastres (Gade).
Gilvan disse ainda que era "repugnante" no meio de uma catástrofe do RS ver um ministro de Estado "se preocupar com fake news e fazer reunião em churrascaria".
O deputado afirmou que o ministro e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deveriam estar presos: "O senhor chegou a dizer que era preciso prender bolsonaristas que espalham mentiras sobre o socorro aos gaúchos. Se nós vivéssemos num país sério, quem era para estar preso era o Lula e o senhor. Refresca a tua memória petrolão e mensalão? O senhor sabe do que eu estou falando".
Por causa das falas, Rubens Pereira Júnior (PT-MA) chegou a apresentar uma questão de ordem. "Estamos aqui com um convidado para responder, para prestar esclarecimentos, mas não devemos permitir nenhum forma descortês ou injuriosa", argumentou.
A presidente da CCJ, Caroline de Toni (PL-SC), recebeu a questão de ordem e disse que não podiam aceitar injúrias, mas que, paralelo a isso, há liberdade de fala dos parlamentares em poderem criticar. Segundo ela, se o ministro não se sentisse à vontade para responder sobre os assuntos, podia exercer o seu direito ao silêncio.
Pimenta criticou as falas de Gilvan. "Lamento ter saído lá do RS, onde eu podia estar trabalhando, para vir aqui participar de um debate onde achei que seria feita alguma pergunta sobre a situação do RS, sobre a coisas do RS, e me deparar com uma manifestação como essa".
O ministro disse lamentar que Gilvan diga que sua jaqueta era "patética". "Vim aqui como uma homenagem aos trabalhadores da Defesa Civil Nacional, estadual e dos municípios. Vim aqui como uma homenagem aos bombeiros, aos voluntários, às pessoas que deram a sua vida para salvar vidas".
Pimenta afirmou que teria "vergonha" de dizer o que Gilvan disse e o ofendeu: "O senhor é uma vergonha para esta Casa, para o seu estado e para o Brasil".
Posteriormente, o deputado negou ter dito que a jaqueta era uma vergonha. "Disse que é uma vergonha o senhor usar essa jaqueta. Segundo, o senhor pode me chamar de vergonha. Pelo menos não sou pego com dinheiro na cueca, pelo menos eu não faço rachadinha", acrescentou.
Gilvan afirmou que, quando esteve em Curitiba atuando na Operação Lava Jato, o apelido de Pimenta era "Montanha, não por montanha de votos, mas por estar envolvido na Odebrecht".
Pimenta criticou a fala: "Lamento a sua desfaçatez. Nunca fui investigado pela Lava Jato. Nunca fui condenado em nenhum processo criminal. Lamento um cidadão que é deputado federal com uma trajetória na PF faça um pronunciamento tão desqualificado como esse".
O ministro ainda acusou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) de praticar rachadinha. "O senhor [Gilvar] está me confundindo. Eu não sou o senador Flávio Bolsonaro, que faz rachadinha. O senhor olhou para mim e lembrou dele, está do lado do irmão dele [Eduardo Bolsonaro]".
Pimenta pediu que Gilvan o respeitasse e nunca mais lhe dirigisse a palavra de forma desrespeitosa. "Eu falo o que eu quiser, rapaz", rebateu o deputado.
"Miliciano" e "bandido"
Em outro momento da audiência, Pimenta sugeriu que parlamentares da oposição eram milicianos e bandidos.
"Procurem nos anais desta Casa que vocês vão encontrar a audiência pública nesse plenário onde a deputada Bia Kicis e a Carla Zambelli estavam sentadas aqui, lado a lado, respondendo pelas fake news que produziram contra mim em meio ao velório das 242 pessoas mortas na Boate Kiss na minha cidade", disse.
"Então sei do que vocês são capazes, e se tem alguém que não se intimida com miliciano e com bandido sou eu, e vocês sabem disso, por isso que vocês vêm aqui me enfrentar".
Em resposta à declaração, Bia Kicis (PL-DF) disse que a oposição sabe do que o PT, sigla de Pimenta, é capaz. "Se você sabe do que a gente é capaz, nós também sabemos do que vocês são capazes e não é bonito o que vocês são capazes de fazer, não", disse. "A perseguição, a censura, as pessoas que estão presas, porque vocês incentivam a censura e a perseguição de opositores, nós sabemos muito bem do que vocês são capazes".
"Ministro Montanha"
O deputado Marcos Pollon (PL-MS) se referiu a Pimenta como "ministro Montanha" e disse que o conheceu "através dos noticiários e dos escândalos de corrupção do PT". "Presidenta, isso não é forma de se dirigir a um ministro de Estado", criticou outro parlamentar.
"Mas o nome dele é Montanha", rebateu Éder Mauro (PL-PA). Caroline de Toni reforçou que o ministro compareceu voluntariamente à audiência e pediu que mantivessem o respeito. Ainda de acordo com ela, se ele se sentisse injuriado, poderia se levantar e ir embora, mas ela também respeitaria a fala dos deputados, porque eles têm imunidade parlamentar.
Pouco depois, Pollon acusou "Montanha", em suas palavras, de chefiar o "gabinete do ódio do PT".
Pimenta chamou a manifestação de Pollon na audiência de "infame" e "covarde". "Covarde porque não tem coragem de dirigir o nome às pessoas que quer ofender. Covarde porque se esconde atrás de imunidade parlamentar para distribuir agressões gratuitas".
Pimenta ainda afirmou que não foi à audiência para "ouvir de forma quieta insulto, ofensa e mentira". Chamou Pollon de "desqualificado" e "covarde". "E na medida que a senhora [presidente] permite que essas termos sejam utilizados, cada um que se dirigir a mim com esses termos vai receber a resposta com os mesmos termos", acrescentou.
Caroline de Toni reforçou que não censuraria deputados e que, quando o ministro ou algum parlamentar se sentisse ofendido por uma fala e pedisse para retirá-la da ata, ela o faria.
Lamentações
Deputados governistas lamentaram a atuação da oposição na audiência pública. "Um show de horrores. Mostra o completo desrespeito e o completo desprezo ao povo gaúcho. O povo gaúcho está sendo desrespeitado aqui hoje", disse o deputado Helder Salomão (PT-ES).
Segundo ele, parlamentares oposicionistas estavam fazendo "acusações para gravarem os seus vídeos, para colocar na rede social. É um profundo desrespeito".
Orlando Silva (PCdoB-SP), por sua vez, falou ter ficado "constrangido" com a reunião.
"Eu tinha para mim que a quarta-feira passada tinha sido o epílogo, o último capítulo, o último momento do fundo de poço que a Câmara dos Deputados teria se metido. Por tudo que nós assistimos na quarta-feira passada", declarou, se referindo à confusão envolvendo André Janones (Avante-MG) e bolsonaristas e ao suposto desrespeito com Luiza Erundina (Psol-SP).
"Mas hoje, em alguns momentos, percebi que a capacidade da Câmara dos Deputados de cavar mais fundo o buraco em que se mete não tem limites. Simplesmente não tem limites".
No momento em que Pimenta decidiu se levantar e ir embora da audiência pública, deputados bolsonaristas entoaram "fujão". Em entrevista a jornalistas após deixar a audiência, disse ser importante para a democracia que o Congresso seja um espaço onde as pessoas realizem um debate e sejam respeitadas pelo que falam, sem ser vítimas de agressão e violência.
"O presidente Arthur Lira e o presidente Rodrigo Pacheco são também parlamentares muito experientes. Vão saber tomar as decisões corretas para preservar e proteger a democracia".
Providências adequadas
Na audiência pública, Pimenta afirmou que pessoas que se dedicaram a produzir desinformação para tirar a energia e a capacidade de trabalho de quem estava atuando para salvar as vítimas do desastre no RS precisam ser tratados como "quinta-coluna", ou seja, traidores.
Segundo Pimenta, em todas as ocasiões em que se deparar com ações, sejam de parlamentar ou não, que de alguma forma prejudiquem o trabalho das autoridades, dos bombeiros, das Forças Armadas, da Anvisa e/ou da Força Nacional do SUS, tomará "as providências que achar adequadas para defender o povo gaúcho" e o trabalho de salvamento que está sendo realizado pelo governo.
"Não vou permitir de forma silenciada nenhuma ação que nesse momento não tenha por objetivo unir e reconstruir o nosso estado. É esse o espírito que nós queremos no RS".
Conforme o titular da Secretaria Extraordinária, fez o pedido de investigação de divulgação de notícias falsas para estancar "uma verdadeira indústria de fake news" que prejudicou o trabalho de órgãos e instituições de ajuda à população gaúcha.