Juristas, parlamentares e movimentos sociais lançam manifesto em defesa da democracia
Lançamento ocorreu na Câmara dos Deputados; texto vem no dia em que o ex-presidente Jair Bolsonaro e ex-ministros prestam depoimentos em investigação sobre tentativa de golpe
Guilherme Resck
Juristas, parlamentares, representantes de partidos políticos e movimentos sociais lançaram nesta quinta-feira (22), no Salão Verde da Câmara dos Deputados, um manifesto em defesa do Estado Democrático de Direito no país.
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O texto se refere à democracia como um "sistema político essencial para a proteção e promoção dos direitos humanos, das liberdades e garantias previstas na Constituição do Brasil". Diz que os investigados por comandar, organizar e financiar "os atentados e a barbárie" em Brasília no dia 8 de janeiro do ano passado, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas, se manifestam "contra a Justiça, a democracia e o Estado de Direito".
O manifesto afirma que os objetivos e os métodos "criminosos" do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus "cúmplices" civis e militares estão descritos no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura uma tentativa de golpe de Estado no Brasil. No âmbito da investigação, a Polícia Federal (PF), na tarde desta quinta-feira, ouve simultaneamente Bolsonaro; os ex-ministros Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Walter Braga Netto (Defesa); e o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto.
Entre os signatários do manifesto em defesa do Estado Democrático de Direito estão, por exemplo, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), o Grupo Prerrogativas, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
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No lançamento, na Câmara, estiveram presentes, entre outros, o advogado Marco Aurélio de Carvalho, fundador e coordenador do Grupo Prerrogativas, o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), os deputados federais Odair Cunha (PT-MG) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ), além da presidente da UNE, Manuella Mirella, e o advogado criminalista Kakay.
"Temos que reconhecer que, na omissão da grande maioria dessa Casa e no fascismo no Executivo, foi o Judiciário que manteve a institucionalidade", afirmou Kakay.
"Foi o Judiciário que fez com que pudéssemos hoje estar aqui preservando o Estado Democrático de Direito. E o que estamos notando é que está havendo uma investigação natural, dentro dos limites constitucionais, e temos que apoiar essa investigação", acrescentou, se referindo à apuração da tentativa de golpe no país.
Ato de Bolsonaro em 25 de fevereiro
O advogado ainda criticou o ato convocado por Bolsonaro para o dia 25 de fevereiro, na Avenida Paulista. A manifestação, segundo Kakay, esquece a defesa técnica e "quer politicar a decisão do Judiciário". "Isso não pode acontecer. Temos que dar a eles tudo aquilo que eles não deram aos nossos companheiros no passado: pleno direito de defesa, devido processo legal".
Ele disse que é preciso "exigir que haja a condenação de todos aqueles que devem ser responsabilizados". "Sem anistia! É o que nos cabe", concluiu.
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Pedido de impeachment contra Lula
Jandira participou do lançamento representando a federação Brasil da Esperança (PT-PCdoB-PV).
"Vimos nesta semana aqui pessoas que vivem num mundo irreal, num mundo paralelo, parlamentares, políticos, virem aqui lançar assinaturas contra o presidente Lula, achando que o impeachment tem alguma possibilidade, sem crime de responsabilidade nenhum", disse, em referência ao pedido de impeachment que parlamentares devem protocolar contra o presidente da República, por causa da declaração em que comparou os ataques de Israel em Gaza com a ação de Adolf Hitler no Holocausto.
"E vejam o que o universo faz: essa coletiva [de hoje] já marcada antes disso vem aqui e reafirma a democracia, os seus preceitos, a necessidade de sustentar a posição do STF, sustentar as investigações, as responsabilizações e as punições exemplares", acrescentou Jandira.
Em suas palavras, "quem atenta contra a democracia tem que ser punido exemplarmente".
O manifesto, para ela, é um alerta para que todos que se movimentam atualmente contra as investigações da tentativa de golpe e contra o Supremo "são cúmplices do processo do golpe". Mais assinaturas para o manifesto serão colhidas.
Confira a íntegra do texto:
O Brasil escolheu a democracia.
Representantes da sociedade civil, parlamentares, juristas e lideranças de diversos movimentos populares, organizações sociais e partidos políticos, comprometidos com a defesa do Estado de Direito, da justiça e dos direitos fundamentais, expressam publicamente seu apoio incondicional à democracia como sistema político essencial para a proteção e promoção dos direitos humanos, das liberdades e garantias previstas na Constituição do Brasil.
Este alerta à sociedade se faz necessário diante da reação contra a legalidade democrática por parte daqueles que comandaram, organizaram e financiaram os atentados e a barbárie em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023. Incapazes de contrapor os gravíssimos fatos revelados nas investigações da Polícia Federal, sob supervisão do Supremo Tribunal Federal e da Procuradoria-Geral da República, os mesmos elementos manifestam-se agora contra a Justiça, a democracia e o estado de direito.
Os objetivos e os métodos criminosos de Jair Bolsonaro e seus cúmplices, civis e militares, estão rigorosamente descritos no Inquérito do STF. Desde os ataques sistemáticos e mentirosos às urnas eletrônicas, ao Judiciário e ao processo eleitoral, até a conspiração militar para impedir a posse do presidente eleito, tudo compõe a trajetória autoritária e golpista de quem tentou impor ao país, pela força bruta, um regime de exceção que não cabe mais em nossa história.
A trama golpista não começou na reunião ministerial em que se discutiu uma “virada de mesa” nem se encerrou com a firme repulsa das instituições e da sociedade aos atentados contra as instituições de 8 de janeiro. A reação organizada contra o Inquérito caracteriza a continuidade daquele golpe, pela busca da impunidade de seus comandantes. Ousam, mais uma vez, ameaçar as instituições e afrontar o exame judicial de seus atos, no devido processo legal, com direito à defesa, à presunção de inocência e sob o estado democrático de direito que tentaram destruir.
Dessa responsabilização não têm como fugir, pois ao longo da história o Brasil aprendeu muito sobre o valor da democracia. Em nome dos que sofreram, sacrificaram-se e deram a própria vida pela redemocratização do país, não pode haver, nos dias de hoje, contemplação com os defensores do arbítrio nem anistia para golpistas. Ao contrário: diante dos fatos, só cabem a apuração rigorosa, a denúncia dos responsáveis e seu julgamento justo.
Não há como entender a reação dos golpistas de outra forma que não seja a de mais um ataque à democracia, apesar dos argumentos falaciosos de quem a convoca, organiza e financia com recursos de origem obscura. Não há como considerar normais, na democracia, manifestações em benefício exclusivo de quem nunca aceitou viver sob seus preceitos.
Aqueles que se associarem a elas, seja qual for o pretexto, estarão flertando com o golpismo e rompendo com o caminho que o Brasil escolheu: o caminho da democracia. Só assim poderemos construir um país mais justo, enfrentar as desigualdades, garantir emprego, renda, acesso à terra, educação e saúde, buscando o desenvolvimento social e ambientalmente sustentável.
Democracia para sempre!