Moradores de Paraisópolis relatam abusos e perdas após operação policial em São Paulo
Casa invadida, portas quebradas e dinheiro desaparecido estão entre os relatos de moradores dois dias após ação da PM que teve execução de suspeito rendido
Fernanda Trigueiro
Thiago Dell'Orti
Marcos Guedes
Dois dias após a operação policial em Paraisópolis, segunda maior comunidade de São Paulo, moradores ainda enfrentam dificuldades para retomar a rotina. Uma babá denunciou que teve a casa invadida por policiais e suspeitos em fuga, e que o dinheiro guardado para pagar o aluguel desapareceu.
Segundo o filho da moradora, policiais militares teriam entrado pela janela da residência durante a perseguição a quatro suspeitos. Um deles morreu no local. Com medo de retaliações, ele preferiu não se identificar. "A gente vive esse medo na comunidade. Infelizmente é o que a gente passa", disse.
A casa ficou danificada, com portas quebradas e marcas de tiros nas paredes. Moradores ajudaram a organizar o imóvel, mas os impactos psicológicos permanecem. A babá também perdeu clientes, pois as mães estão com medo de deixar os filhos com ela.
No momento da operação, a moradora estava trabalhando do outro lado da comunidade, na região do Morumbi, onde ficam prédios de alto padrão. Ao voltar para casa, encontrou tudo revirado e notou que os R$ 1.500 guardados dentro de uma bíblia haviam desaparecido.
A Polícia Militar afirma que a operação foi motivada por uma denúncia de que o imóvel seria uma "casa-bomba", local usado por criminosos para esconder drogas e armas. Imagens mostram a dona sendo impedida de entrar em sua própria residência.
Para o advogado Mauro Caseri, ouvidor das Polícias de São Paulo, a entrada dos policiais na casa não foi irregular, mas ressalta que a perda do dinheiro precisa ser apurada. "Essas câmeras vão ajudar a resolver a denúncia dos R$ 1.500 desaparecidos", afirmou, fazendo referência às câmeras corporais que gravaram a ação dos agentes. Segundo o Ministério Público de São Paulo, as imagens mostram que um dos suspeitos foi executado após ser rendido.
A própria PM reconheceu o crime, e dois policiais — Renato Torquato da Cruz e Robson Noguchi de Lima — foram presos em flagrante por homicídio doloso. O chefe de comunicação da PM, Emerson Massera, confirmou: "Esse homem já estava rendido, com as mãos na cabeça, e foi alvejado. Não havia justificativa para os disparos".
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O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, declarou que não será tolerado abuso por parte das forças de segurança. "Os dois policiais vão ser indiciados e responder pelo crime que cometeram", disse.
Levantamento do SBT com base nos dados da Secretaria da Segurança Pública revela que o 89º Distrito Policial, responsável por Paraisópolis, liderou o número de mortes decorrentes de intervenção policial em 2024, com 14 registros.
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O inquérito sobre a operação tem prazo de 20 dias para ser concluído, podendo ser prorrogado por mais 40. As imagens das câmeras corporais poderão ser divulgadas ao fim das investigações.
Para o especialista Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getulio Vargas, é urgente uma mudança na política de segurança pública do Estado. "Insistir em uma estratégia que não dá resultado e só gera mortes é lamentável", afirmou.
Um evento com serviços de saúde, orientação jurídica e regularização de documentos que ocorreria no sábado (12) foi cancelado devido ao clima de tensão. "A comunidade não é contra a polícia. Mas está cansada de ver seus jovens morrerem ilegalmente", disse Janilton Oliveira, vice-presidente da União de Moradores de Paraisópolis.