Placar no STF está em 3 a 0 para tornar "intervenção militar" inconstitucional
Com voto no dia em que golpe completa 60 anos, Dino considera que Forças Armadas não têm poder moderador para intervir entre Poderes. Posição segue Fux e Barroso
Carlos Catelan
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou neste domingo (31) o placar de 3 a 0 para determinar inconstitucional a interpretação de “intervenção militar” por via legal. O julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI Nº 6.457) apresentada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) está em plenário virtual; os 11 ministros da Corte podem votar até 8 de abril.
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Na sexta (29), o ministro relator da causa, Luiz Fux, disse acolher “parcialmente” a interpretação da legenda. Ao magistrado “a missão institucional das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador”. O que foi acompanhado pelo presidente do STF, Luiz Roberto Barroso.
Já Flávio Dino seguiu o observado pelos colegas, mas registrou sua análise com alguns pontos a serem incluídos no resultado. No voto apresentado neste domingo, dia em que o golpe militar completa 60 anos, ele lembrou a data e disse que o julgamento acontece em um período que remete a um momento "abominável da nossa História Constitucional: há 60 anos, à revelia das normas consagradas pela Constituição de 1946, o Estado de Direito foi destroçado pelo uso ilegítimo da força". Uma referência ao Golpe Militar de 64.
Ao ministro, a consequência direta de uma leitura “puramente semântica” dos artigos aos quais o “Poder Moderador das Forças" poderia ser justificado resultam em uma “tragédia institucional” e prejuízos a nação, em “grande parte, irreparáveis”.
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O ministro Dino incluiu a determinação que ação, após julgada, seja encaminhada, além da Advocacia Geral da União, ao ministro da Defesa, José Múcio, para que “haja a difusão para todas as organizações militares, inclusive Escolas de formação, aperfeiçoamento e similares”.
Dino também utilizou o documento (e o dia histórico) para relembrar os nomes de Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva. Três magistrados que, em janeiro de 1969, foram aposentados “à força e pela força do Ato Institucional 5”, como narra o registro da Corte Suprema.
“No plano das instituições jurídicas, os danos se materializaram, por exemplo, nas brutais e imorais cassações das investiduras de três ilustres ministros do Supremo Tribunal Federal: Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva. Eles estão vivos na memória jurídica do Brasil; igual honra não têm os seus algozes - incluindo os profissionais do Direito que emprestaram os seus conhecimentos para fornecer disfarce de legitimidade a horrendos atos de abuso de poder”, relembrou Flávio Dino.
A legenda, como relatado, pleiteava que a determinação das Forças é somente aplicável “em casos de intervenção para repelir invasão estrangeira e de estado de sítio para guerra ou de resposta à agressão estrangeira”. Também contestava a hierarquia com o líder do Executivo ao topo.
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Fux votou pela interpretação de que a Constituição não autoriza o presidente da República recorrer às Forças Armadas contra o Legislativo e o Judiciário. Assim como, não cabe ao poder militar a atribuição de moderador em eventual conflito entre os três poderes.
“A prerrogativa do Presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos outros poderes constitucionais – por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados –, não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si”, afirma o ministro relator.
Tal voto vai de acordo com a decisão monocrática de 2020, também de autoria de Fux, sobre Forças Armadas não serem “poder moderador” em eventual conflito político.
Discordando da ADI no que toca ser uma decisão do Executivo a utilização ou não do emprego militar sob requerimento dos outros poderes (Legislativo e Judiciário), “uma vez fixado que o Presidente da República, como autoridade maior das Forças Armadas, exerce o poder de supervisão administrativo orçamentária desse ramo estatal” e deve agir conforme a Constituição.
“Dúvida não paira de que devem ser eliminadas quaisquer teses que ultrapassem ou fraudem o real sentido do artigo 142 da Constituição Federal [utilizado muitas vezes para justificar uma possível intervenção militar], fixado de modo imperativo e inequívoco por este Supremo Tribunal”, finalizou Flávio Dino.
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