Entenda por que a concentração de renda atinge novo recorde histórico no Brasil
Estudo da FGV-Ibre mostra que ganhos dos "muito ricos" aumentaram quase três vezes mais em comparação com o restante da população em cinco anos
A renda do 0,01% dos "muito ricos" no Brasil cresceu quase três vezes mais do que a média registrada por 95% dos brasileiros. É o que aponta um estudo publicado Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre).
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São 15 mil pessoas que viram o faturamento praticamente dobrar (aumento de 96%) entre 2017 e 2022. Para a maioria da população, o ganho foi de 33% no mesmo período. Enquanto a renda mensal do primeiro grupo foi de R$ 1.106.710 para R$ 2.169.741, no segundo, foi de R$ 1.748 para R$ 2.332 ao mês.
Os cálculos mostram que, quanto mais rico é o brasileiro, maior o aumento de sua renda. Para os 5% mais ricos, o aumento foi de 51% – saltando de R$ 19.559 para R$ 29.500 por mês. Para o 1% mais rico, a alta foi de 67% – de R$ 52.599 para R$ 87.776 . Para 0,1%, de 87% – de R$ 236.000 para R$ 441.000 mensais.
O período analisado compreende a gestão dos ex-presidentes, Michel Temer e Jair Bolsonaro, além dos anos da pandemia da Covid-19.
O autor do estudo, o economista Sérgio Gobetti, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), analisou os dados das declarações do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF), que passaram a ser divulgados com mais detalhes a partir de 2015. Ele comparou os valores obtidos com a evolução da renda de todos os brasileiros (inclusive os isentos de IR), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"Até 2019, o nível de desigualdade no Brasil estava relativamente estabilizado. Depois disso, a proporção começou a se desequilibrar e, ao que tudo indica, bateu um novo recorde histórico", diz o economista.
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Em entrevista ao SBT News, Gobetti destaca três motivos para que o aumento dos ganhos entre a elite financeira do país tenha sido maior do que dos outros extratos e traz alternativas para reduzir essa concentração de renda.
Aumento nos lucros e dividendos
Segundo Gobbetti, o valor distribuído na forma de lucros e dividendos aumentou de R$ 371 bilhões, em 2017, para R$ 830 bilhões, em 2022.
É um crescimento de 120% nessa distribuição – enquanto o aumento salarial ficou em 30% no mesmo período. "Ainda que o salário desse percentual mais rico não tenha aumentado, em geral, quanto mais rica a pessoa é, maior é o valor de lucros e dividendos que ela recebe, já que o valor está investido em algum lugar", disse o economista.
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Inflação na pandemia
Para Gobbeti, outra hipótese que pode ter contribuído para o aumento da concentração de renda é o processo inflacionário vivido pelo país, sobretudo no período da pandemia.
"Para recuperar o lucro não obtido nos anos de pandemia, as empresas vendem mais caro um produto, enquanto os valores dos insumos para produzi-lo não ficaram necessariamente mais altos", explica.
Segundo ele, o aumento deste lucro é diretamente proporcional ao crescimento na distribuição de dividendos.
Setores com isenção tributária
Apesar de a renda da atividade rural apresentar um aumento maior do que a média (248,2% no período analisado), é parcialmente isenta de tributação.
Pela regra, produtores com receita bruta de até R$ 4,8 milhões ao ano são obrigados a declarar apenas 20% do valor, já que automaticamente os outros 80% da renda entram como custos de produção.
O economista aponta que vários setores da economia conseguem uma "meia-entrada" no Brasil, em referência às isenções tributárias obtidas pelas empresas, que colaboram para concentração de renda do país. Vale lembrar que o Imposto de Renda Sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) não entrou no escopo do estudo.
Como melhorar a distribuição de renda?
A taxação sobre a distribuição dos dividendos, como também dos fundos offshore (no exterior) e exclusivos (também chamados de fundo dos super-ricos), são algumas das alternativas apresentadas por Gobetti para atenuar a concentração de renda brasileira.
Um dos pontos da reforma tributária do governo federal é revogar a atual isenção de imposto aos dividendos. A proposta pode ser enviada até março deste ano para o Congresso Nacional.
Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, no mês passado, a lei que cria a taxação dos fundos offshore e exclusivos. O governo espera arrecadar quase R$ 30 bilhões até 2025 com a mudança.
O economista também afirma que o Brasil precisa "acabar com as meias-entradas", ou seja, as brechas de isenção tributária que várias empresas têm no país. Ao mesmo tempo, é necessário reduzir de 34% para 24% a alíquota de impostos praticada sobre os resultados empresas. Isso tornaria o país mais competitivo e atrativo para investimentos de empresas estrangeiras.
"Não é que essas medidas vão eliminar a desigualdade ou a concentração de renda, mas os recursos obtidos podem ser alocados para áreas de interesse, como a educação, além de ser utilizada na distribuição da renda para quem mais precisa", completa.