"Se dependesse da decisão ou vontade do Estado", novas demarcações não ocorreriam, diz Guajajara
Em coletiva sobre o 20º Acampamento Terra Livre, ministra afirmou que prioridade dos povos indígenas é a revogação do marco temporal
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, afirmou que se dependesse exclusivamente de uma "decisão e vontade do Estado brasileiro", novas demarcações não seriam realizadas. A declaração foi dada em coletiva de imprensa sobre o 20º Acampamento Terra Livre (ATL), na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (23).
Ao lado da deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG), Guajajara afirmou que a prioridade dos povos originários é a revogação do marco temporal, aprovado no Congresso Nacional: "Nosso marco é ancestral", disse.
"Em 10 anos, foram apenas 11 territórios demarcados; agora, em um ano e quatro meses, nós conseguimos demarcar 10 territórios. Vocês não pensem que isso é fácil. Não pensem que é uma conquista pequena. Pois, se dependesse mesmo da decisão e vontade do Estado brasileiro, nem essas teriam saído", afirmou a ministra.
Para Xakriabá, existe uma responsabilidade do Congresso Nacional no que classificou como "passar a boiada em cima dos nossos territórios indígenas".
"Começou a tramitar aqui. Pelo PL 490 [número do projeto de lei no início da tramitação], mudaram as armas, o jeito de matar os povos indígenas, mas não a intenção", disse.
Acampamento Terra Livre
O Acampamento Terra Livre, organizado pela Articulação Nacional dos Povos Indígenas (Apib), é a maior mobilização indígena do Brasil e espera receber mais de 5 mil pessoas de 200 etnias diferentes, em Brasília.
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Sob o lema "nosso marco é ancestral, sempre estivemos aqui", a 20ª edição vai abordar a luta pela revogação do marco temporal, que limita os direitos territoriais dos povos originários.
A programação inclui debates, atividades culturais e uma marcha até a Esplanada dos Ministérios. O evento segue até 27 de abril. Para mais informações, visite o site da Apib.
Lula e demarcações
O evento ocorre dias após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aprovar a demarcação de duas novas terras indígenas (TI), em 19 de abril.
No último ATL, realizado em 2023, seis demarcações foram iniciadas. Desde o início do terceiro mandato, o presidente assinou 10 demarcações.
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No entanto, representantes e lideranças indígenas esperavam que o governo finalizasse pelo menos 14 demarcações que estavam em fase final. Em nota oficial, a Apib expressou que a demora "reforça o não cumprimento da promessa com o movimento indígena".
Lula participou do 19º ATL, em abril de 2023.
Trâmite do marco temporal
Em dezembro de 2023, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), promulgou a Lei 14.701 de 2023, oriunda do PL nº 490 de 2007, que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas. Essa medida foi vista como um gesto de apoio à bancada ruralista. Lula havia vetado a utilização dessa tese, mas o Congresso posteriormente derrubou a medida presidencial.
A lei defende que os povos indígenas só têm direito às terras que estavam ocupadas em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil.
Esse episódio é mais um capítulo do embate entre Legislativo e Judiciário e representou uma retaliação dos congressistas à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou o marco temporal inconstitucional, com uma maioria expressiva de 9 votos a favor e 2 contra, em setembro de 2023.
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Agora, o STF pode receber recursos para revogar ou reafirmar o marco.
O presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado, as assembleias legislativas estaduais, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o procurador-geral da República, sindicatos nacionais e/ou partidos políticos com representação no Congresso podem apresentar propostas ao STF de ADIs (ações diretas de inconstitucionalidades) ou ADCs (ações declaratórias de constitucionalidade).
Entretanto, o ministro Gilmar Mendes já concedeu uma medida cautelar para suspender todos os processos judiciais brasileiros em que se discute o texto (ADC 87, ADI 7582, ADI 7583, ADI 7586 e ADO 86). A decisão, em caráter liminar, serve para que as ações aguardem posicionamento definitivo do STF sobre a questão.
Por isso, corre, desde segunda (22), prazo de 30 dias para que os envolvidos apresentem propostas a serem ouvidas pelo STF.