Acampamento Terra Livre: ato em Brasília mobiliza indígenas contra marco temporal e por mais demarcações
Cerca de 5 mil pessoas de 200 etnias devem participar do evento, que completa 20 anos em 2024
O Acampamento Terra Livre (ATL) inicia, nesta segunda-feira (22), seu 20º ano de existência com concentração no Eixo Cultural Ibero-americano (antiga Funarte), em Brasília (DF). Trata-se da maior mobilização indígena do país. O ATL deve reunir, segundo a Articulação Nacional dos Povos Indígenas (Apib), que organiza o evento, público superior a 5 mil pessoas de 200 etnias diferentes.
Nesta 20ª edição, sob o lema "nosso marco é ancestral, sempre estivemos aqui", as discussões devem pressionar pela revogação do marco temporal e seu uso em lei. A tese defende que os povos originários somente teriam direito à demarcação de terras que estavam ocupadas na promulgação da Constituição, em 1988.
O evento começa quatro dias após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aprovar a demarcação de duas novas terras indígenas (TI). No ano passado, durante o último ATL, seis demarcações foram iniciadas. Desde o início de seu terceiro mandato, o chefe do Executivo assinou 10 demarcações.
Todavia, representantes esperavam que o governo finalizasse pelo menos 14 demarcações que estavam em fase final. Em nota oficial, a Apib disse que a demora "reforça o não comprimento da promessa com o movimento indígena". Lula participou do ATL em 2023.
A programação, até o dia 27 de abril, inclui rodas de conversas, atividades culturais, homenagens, apresentações e uma marcha em direção à Esplanada dos Ministérios, na região central de Brasília. Confira no site da Apib.
Entenda trâmite do marco temporal
Em dezembro de 2023, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), promulgou, em aceno à bancada ruralista, a Lei 14.701 de 2023, que institui o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A utilização da tese havia sido barrada por Lula, mas o veto foi posteriormente derrubado pelo Congresso.
O que diz a lei: é uma tese jurídica que defende que os nativos do Brasil só têm direito à posse de terras que estivessem ocupadas em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil. De acordo com o marco, as terras que estavam desocupadas ou ocupadas por outras pessoas naquela data não podem ser declaradas TIs. A tese tem sido defendida por ruralistas e políticos do setor, que argumentam fatores como insegurança jurídica e conflitos fundiários.
Esse foi mais um episódio do embate entre Legislativo e Judiciário. Tratou-se de uma retaliação dos congressistas à decisão de inconstitucionalidade do marco estabelecida por forte maioria (9 a 2) dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro do ano passado.
À Corte, também cabe recurso para revogação do marco. O presidente da República, os presidentes de Câmara e Senado e de assembléias legislativas do país, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o procurador-geral da República, entidades sindicais nacionais e/ou partidos políticos com representação no Congresso podem apresentar propostas ao STF de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), contestando o texto aprovado e alegando que a matéria fere de alguma forma uma normativa da Constituição.
A ADI nº 7583, apresentada pela Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV), argumentou à Corte que a adoção deste dispositivo "não é compatível com a proteção constitucional aos direitos dos povos indígenas sobre seus territórios".
Mas há também contrapontos. Partidos de oposição já fizeram a solicitação para que o STF confirme a validade da lei com o marco temporal por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 87. Os partidos Progressistas, Liberal e Republicanos pedem ao Supremo que declare a constitucionalidade da norma, especialmente de trechos que haviam sido vetados pelo presidente da República.
Indígenas no Brasil
Segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022, o número de indígenas residentes no Brasil é de 1,7 milhão de pessoas, representando 0,83% da população total do país. A maior parte (51,25% ou 867,9 mil indígenas) vivem na Amazônia Legal, região formada pelos estados do Norte, por Mato Grosso e parte do Maranhão.
São, em média, 266 povos que falam cerca de 160 línguas, segundo levantamento do Instituto Socioambiental.
"Estima-se que, à época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000 povos diferentes, somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Se até meados dos anos 1970, acreditava-se que o desaparecimento dos povos indígenas seria algo inevitável, nos anos 1980, verificou-se uma tendência de reversão da curva demográfica e, desde então, a população indígena no país tem crescido de forma constante, indicando uma retomada demográfica por parte da maioria desses povos com pouquíssimas exceções", diz nota do levantamento.
As TIs somam 779 áreas, ocupando uma extensão total de 118.276.537 hectares (1.182.765 km2). Assim, 13.9% das terras do país são reservadas aos povos indígenas, uma extensão comparável ao estado do Pará (1.247.689 km²).
Vale lembrar que parte dessas TIs não estão oficializadas e que essas populações usam de toda área celebrada para sustento, como moradia, alimentação e produção.