Gilmar Mendes suspende processos sobre Marco Temporal de terras indígenas
Medida vale para todo o país e impede decisões conflitantes até posicionamento definitivo do STF, que será adotado mediante conciliação entre os envolvidos
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes concedeu, nesta segunda-feira (22), uma medida cautelar para suspender todos os processos judiciais brasileiros em que se discute a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, que formalizou o Marco Temporal das terras indígenas. A decisão, em caráter liminar, serve para que as ações aguardem o posicionamento definitivo do STF sobre a questão.
A medida cautelar se deu na análise de cinco ações em tramitação no STF (ADC 87, ADI 7582, ADI 7583, ADI 7586 e ADO 86). Nessas ações, diversos partidos políticos e entidades da sociedade civil discutem a constitucionalidade da Lei 14.701/2023. Ocorre que, para julgá-las, Gilmar Mendes precisa adentrar em um vespeiro, resultante de uma queda de braço entre o STF e o Congresso Nacional. Por isso, o ministro propôs um procedimento conciliatório, envolvendo o governo federal, o Congresso Nacional e os autores das ações.
Uma tese indigesta para o STF
A Lei 14.701/2023 lei transformou em lei uma tese antiga, segundo a qual apenas as terras ocupadas ou disputadas por indígenas em 5 de outubro de 1988 podem ser objetos de demarcação em favor dos povos originários. A data adotada como Marco Temporal é a da promulgação da Constituição Federal.
No dia 21 de setembro de 2023 (antes da lei), o plenário do STF havia rejeitado, por 9 votos a 2, a tese do Marco Temporal (5 de outubro de 1988). Na ocasião, a corte decidiu que a data não podia ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365/SC, com repercussão geral (Tema 1.031).
O caso concreto era da Reserva Biológica Sassafrás (SC), declarada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como de tradicional ocupação indígena. No julgamento do RE 1017365/SC, o STF derrubou uma decisão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) contrária à interpretação da Funai.
A reação do Congresso Nacional foi imediata. Apenas seis dias depois, o Senado aprovou o projeto que formalizou o Marco Temporal, em sentido oposto ao entendimento do STF. O projeto passou 17 anos na Câmara dos Deputados e estava no Senado havia quatro meses.
Vetos de Lula
Batizada sob o número 14.701/2023, a lei foi sancionada com vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Congresso Nacional derrubou parte dos vetos. Reincorporou ao texto a exigência do 5 de outubro como parâmetro para a demarcação de terras indígenas. Com a rejeição dos vetos, os parlamentares também fixaram na lei uma serie de pré-requisitos para se definir terra tradicionalmente ocupada.
A aprovação do Marco Temporal pelo Congresso deflagrou uma enxurrada de ações do STF, dentro das quais foi proferida, por Gilmar Mendes, a medida cautelar desta segunda-feira, suspendendo todas as ações sobre o mesmo tema em tramitação fora do STF.
“Aparente” conflito
Ao justificar a medida cautelar, Gilmar Mendes “reconhece a existência de aparente conflito entre possíveis interpretações da Lei 14.701/2023 e as balizas fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1017365/SC”. A suspensão dos processos em todas as instâncias brasileiras, segundo Gilmar Mendes, evitará prejuízos às partes envolvidas (comunidades indígenas, entes federativos ou particulares) decorrentes de decisões judiciais conflitantes.
Durante o período de sobrestamento (interrupção) das ações judiciais, o STF conduzirá um processo de mediação e conciliação. Ao adotar o a via do acordo judicial, Gilmar Mendes faz menção aos “debates político-jurídicos”, que ele considera “de dificílima resolução”.
Nessa linha, esclarece Gilmar, deve ser instaurada uma “Comissão Especial”, composta pelos autores das ações no STF, por representantes da sociedade e por membros dos poderes Executivo e Legislativo. De acordo com o ministro, os objetivos são “apresentar propostas de solução para o impasse político-jurídico” e “propor aperfeiçoamentos legislativos para a Lei 14.701/2023”.
Prazo de 30 dias para manifestação
Como parte do procedimento conciliatório, Gilmar Mendes concedeu prazo de 30 dias para que os envolvidos apresentem propostas. Além dos chefes dos poderes Executivo e Legislativo, o prazo de apresentação de propostas vale para a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR).