ADPF das Favelas: STF retoma julgamento nesta quarta (26) em meio a embate sobre segurança pública
Autoridades policiais do RJ disseram no Senado que ação prejudicou segurança; delegado falou que comunidades são locais de "MBA do crime organizado"

Rafael Porfírio
O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a se debruçar nesta quarta-feira (26) sobre a ADPF das Favelas, ação que busca reduzir mortes em operações policiais no Rio de Janeiro.
O processo, iniciado em 2019 pelo PSB (ADPF 635), já resultou em restrições importantes, como o uso controlado de helicópteros, a exigência de câmeras nas fardas e viaturas e a comunicação prévia das operações ao Ministério Público e a outras autoridades.
No mês passado, o julgamento foi interrompido após o voto do relator, ministro Edson Fachin, que defendeu a manutenção dessas restrições e sugeriu novos ajustes. Agora, o debate será retomado com o voto do ministro Flávio Dino, seguido dos demais integrantes da Corte.
Fogo cruzado entre o STF e a segurança pública?
Se, por um lado, a ação visa reduzir o número de mortes nas operações, por outro, enfrenta resistência de setores da segurança pública.
Nessa terça (25), a Comissão de Segurança Pública (CSP), do Senado Federal, recebeu representantes da segurança pública e outros convidados para debater a violência policial em favelas do estado do Rio de Janeiro.
O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor César Carvalho dos Santos, defende que a ADPF seja derrubada. Ele afirmou que o verdadeiro problema do estado não são as operações policiais, mas o crime organizado.
+ Guerra entre facções causa pânico e bloqueia vias na zona norte do Rio
"A gente entende que realmente o Rio de Janeiro vive um estado de coisas inconstitucionais há décadas, não é só de hoje [...] Quando a gente fala de organização criminosa, não é só o tráfico de drogas. Você tem o tráfico, tem a milícia, tem o jogo do bicho. Esses são realmente os causadores desse estado de coisas que vive o Rio de Janeiro. Quem deu causa a isso não foram as forças de segurança pública, mas sim as organizações criminosas."
A expansão das facções foi destaque da Polícia Civil. O delegado André Luiz de Souza Neve, diretor do departamento de Polícia Especializada, afirmou que a ação criou um cenário em que o crime se fortaleceu e atraiu criminosos de outros estados.
"Isso fez com que esses grandes complexos se tornassem um grande local de MBA do crime organizado pelo Brasil. E a gente vem analisando que esse modelo de enfrentamento, típico do Comando Vermelho, vem se espalhando para diversos Estados."
Já o secretário de Polícia Militar, coronel Marcelo de Menezes Nogueira, destacou a necessidade de uma estratégia nacional, com envolvimento do governo federal e dos Estados, porque as organizações criminosas já operam como verdadeiras máfias.
+ Operação mira suspeitos de envolvimento na morte de policial penal no Rio
"Perdeu-se a capacidade de fornecer segurança pública, de maneira rotineira, para determinada parcela da população. Existem pessoas no Rio de Janeiro que não têm a capacidade de usufruir desse serviço prestado a outras regiões da cidade."
A sugestão para a audiência pública na véspera do julgamento no STF partiu do presidente da Comissão de Segurança Pública, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Ele informou que o relatório completo sobre a encontro será enviado ao Supremo. Além disso, o senador destacou que o colegiado poderá apresentar ao STF avaliações sobre a ação.
"Quem é do Rio de Janeiro sabe das gravíssimas consequências dessa ADPF na segurança pública do nosso estado, e, por consequência, em outros estados também, já que, lamentavelmente, o Rio virou um grande laboratório do crime organizado, no qual as pessoas que compõem organizações criminosas, seja de tráfico de drogas, seja de quadrilhas de roubo de carga, seja de milícias - acabam fazendo uma espécie de escola, um estágio, para outros criminosos de outros estados."
O que esperar do STF?
No meio desse tiroteio político e jurídico, o STF precisa decidir se mantém ou altera as restrições impostas pela ADPF.
O placar segue em aberto. Apenas o ministro Edson Fachin votou.
+ Fachin vota a favor de "ADPF das Favelas", que quer reduzir letalidade policial
O ministro propôs novas regras, como a exigência de relatórios detalhados ao final de cada operação policial e o repasse de informações das forças de segurança ao Ministério Público.
Nos bastidores, há rumores de que os ministros podem buscar um meio-termo para tentar conciliar segurança pública e direitos humanos.
Em termos simples: o que é ADPF?
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é um tipo de ação que pode ser levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) quando alguém acredita que uma lei ou prática está desrespeitando princípios básicos da Constituição.
É como se alguém chegasse para o STF e dissesse: "Olha, isso que está acontecendo ou essa regra que estão aplicando vai contra os direitos fundamentais que a Constituição garante. Dá uma olhada nisso!".
O STF, então, analisa o caso e decide se aquela norma ou prática precisa ser corrigida, alterada ou até anulada para garantir que a Constituição seja respeitada.
No caso da ADPF das Favelas, a discussão é se a forma como as operações policiais acontecem no Rio de Janeiro fere direitos fundamentais, como o direito à vida e à dignidade.