Descobriu um câncer? Saiba desafio pouco falado na luta contra a doença
A ciência tem avançado na descoberta de novos tratamentos – mas nem sempre são adotados com a velocidade necessária pelo SUS
Brazil Health
Para quem enfrenta o câncer, a batalha vai muito além da luta contra a doença. Cada paciente percorre uma jornada marcada por consultas, exames, tratamentos e, em muitos casos, longas esperas que afetam diretamente as chances de um desfecho positivo. No Brasil, embora o Sistema Único de Saúde (SUS) desempenhe um papel essencial na oferta de tratamento oncológico, o acesso a terapias inovadoras frequentemente é barrado por entraves burocráticos e financeiros. A cada nova tecnologia aprovada, há uma longa espera até que ela chegue efetivamente a quem precisa.
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Diversos levantamentos, como o da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), evidenciam que a realidade do paciente oncológico no SUS é de frustração e ansiedade. Embora novas terapias já tenham sido aprovadas para incorporação no sistema, elas permanecem inacessíveis para os que dependem exclusivamente da saúde pública. Terapias para câncer de pulmão em estágio avançado, aprovadas desde 2013, ainda não estão disponíveis, assim como tratamentos inovadores para câncer renal metastático e linfoma de Hodgkin. E enquanto o tempo passa, o câncer não espera.
Onde está o entrave para o tratamento?
Para que uma nova terapia seja oferecida pelo SUS, é necessário que ela passe por um rigoroso processo de avaliação e aprovação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao SUS (Conitec). No entanto, mesmo após a aprovação, a disponibilização da terapia pode levar até 180 dias, e esse prazo nem sempre é respeitado. Entre os obstáculos estão a falta de financiamento centralizado para a compra de medicamentos e as negociações orçamentárias entre governo federal, estados e municípios.
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O atual modelo de financiamento da oncologia no Brasil é fragmentado. Os hospitais, que dependem de recursos redistribuídos por diferentes esferas de governo, muitas vezes não conseguem comprar as novas tecnologias aprovadas, deixando pacientes sem acesso ao tratamento.
Qual o impacto da demora para o paciente?
Para o paciente, essa espera representa muito mais do que simples frustração. Cada dia sem acesso ao tratamento adequado pode significar a progressão da doença e a perda de uma janela crucial de oportunidade para uma terapia eficaz. Pacientes com câncer de pulmão, que já é frequentemente diagnosticado em estágios avançados, dependem da agilidade do sistema para iniciar tratamentos como imunoterapia e terapias-alvo, que têm potencial de prolongar a vida e aumentar as chances de cura.
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O cenário se agrava ainda mais no caso de crianças e adolescentes com câncer. Pacientes com leucemia linfoide aguda (LLA), que corresponde a 75% dos casos de leucemia infantil, têm suas chances de cura comprometidas pela falta de terapias adequadas no SUS.
O câncer infantojuvenil já é a principal causa de morte por doenças entre crianças e adolescentes no Brasil. Cerca de 90% dos pacientes poderiam alcançar a remissão completa com o tratamento adequado. No entanto, os entraves no SUS impedem que as terapias mais recentes estejam disponíveis a tempo.
Como é possível agilizar a adoção dos novos tratamentos?
A solução passa pela centralização da compra de medicamentos e pela revisão do modelo de financiamento da oncologia no SUS. É necessário priorizar a agilidade no repasse de recursos e na negociação com indústrias farmacêuticas para que as terapias aprovadas cheguem mais rapidamente aos hospitais.
Outra proposta importante é a criação de uma agência independente que monitore e acelere a incorporação de novas tecnologias ao SUS, garantindo que as terapias sejam disponibilizadas aos pacientes dentro do prazo estipulado. Esse modelo, já adotado em países como o Reino Unido, poderia reduzir drasticamente a diferença entre o acesso ao tratamento no sistema público e privado.
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Por fim, a adoção de políticas mais transparentes de comunicação com os pacientes oncológicos, mantendo-os informados sobre as terapias que estão disponíveis e as previsões de chegada de novas tecnologias, dando a oportunidade aos pacientes planejarem melhor seu tratamento e buscar alternativas, caso necessário.
Por que há motivos para esperança
Embora o cenário seja desafiador, a esperança ainda é uma constante na jornada dos pacientes oncológicos. À medida que a medicina avança e novas terapias são desenvolvidas, cresce a expectativa de que mais pacientes possam alcançar a cura ou viver com mais qualidade de vida. Para que essa esperança se torne realidade, é fundamental que o SUS ofereça acesso rápido e eficiente às inovações científicas, e que as diferenças entre os sistemas público e privado sejam minimizadas.
A luta contra o câncer não é apenas uma batalha pela saúde, mas também pela equidade no tratamento. Precisamos continuar pressionando por mudanças que garantam que todos os brasileiros, independentemente de sua condição socioeconômica, possam se beneficiar dos avanços da ciência. Afinal, a jornada do câncer não deve ser apenas uma jornada de luta, mas também de esperança.
*Felipe Roth Vargas, médico radiologista, CRM: 155352-SP l RQE Nº: 94668