Ex-comandante do Exército ameaçou prender Bolsonaro, diz Baptista Júnior à PF
Segundo ex-comandante da Aeronáutica, ex-presidente mencionou hipótese de atentar contra o regime democrático por meio de Garantia da Lei e da Ordem
O tenente-brigadeiro do ar Carlos Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, disse em depoimento à Polícia Federal (PF) que Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, ameaçou dar voz de prisão a Jair Bolsonaro (PL) quando o então presidente da República mencionou a hipótese de atentar contra o regime democrático por meio de Garantia da Lei e da Ordem, estado de defesa ou estado de sítio.
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De acordo com Baptista Júnior, o episódio ocorreu em uma reunião dele e dos outros comandantes das Forças Armadas (Freire Gomes e Almir Garnier Santos) com Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, depois do segundo turno das eleições de 2022; após o chefe do Executivo sugerir a hipótese, o militar do Exército afirmou que se o presidente tentasse o ato, precisaria prendê-lo.
O depoimento foi tornado público pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira (15), e foi colhido no âmbito da investigação sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado arquitetada no governo Bolsonaro contra o presidente eleito em 2022.
Baptista Júnior respondeu a diferentes questionamentos da PF e relatou uma série de episódios da época em que era comandante da Aeronáutica. De acordo com ele, em uma reunião no Palácio da Alvorada em 1º de novembro de 2022, ou seja, após o segundo turno das eleições, Bolsonaro questionou o então advogado-geral da União, Bruno Bianco, se nada poderia ser feito em relação ao resultado do pleito, e Bianco disse que este transcorreu de forma legal, dentro dos aspectos jurídicos.
Além do AGU, Bolsonaro e Baptista Júnior, estavam no encontro os comandantes das outras Forças e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira. Todos teriam exposto ao então presidente que não tinham ocorrido fraudes nas eleições.
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Baptista Júnior ressaltou no depoimento à PF que, em reuniões dos comandantes das Forças Armadas e do ministro da Defesa com Bolsonaro após o segundo turno, o chefe do Executivo federal apresentava a hipótese de uso da GLO e outros intitutos jurídicos mais complexos, como a decretação de estado de defesa, para solucionar o que classificava como uma crise institucional. Em um dos encontros do político do PL com os comandantes, o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, teria pontuado aspectos jurídicos que dariam suporte às medidas de exceção (GLO e estado de defesa).
Baptista Júnior disse aos investigadores que tentava demover Bolsonaro de usar esses institutos jurídicos e dizia a ele que não serviriam para mantê-lo no poder após o término do mandato. O político teria demonstrado assombro com as falas.
O ex-comandante da Aeronáutica teria deixado claro ao então presidente, em uma das reuniões dos comandantes com ele pós-segundo turno, que não haveria qualquer hipótese dele permanecer no poder após o término do mandato e que não aceitaria qualquer tentativa de ruptura institucional para mantê-lo no poder. Teria pontuado que a Aeronáutica não apoiaria isso.
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Em um dos encontros, de acordo com Baptista Júnior, dentro do contexto apresentado por Bolsonaro da possibilidade de uso dos institutos jurídicos da GLO e estado de defesa, Almir Garnier Santos afirmou que colocaria suas tropas à disposição do presidente, posição que foi dissonante dos demais comandantes. Na ocasião, o comandante da Aeronáutica teria usado uma estratégia para ganhar tempo e evitar que Bolsonaro assinasse alguma medida de exceção, que subvertesse o Estado de Direito, e insistido que não haveria qualquer justificativa para a decretação delas.
Nas reuniões com os comandantes no Alvorada após o segundo turno, Bolsonaro teria enfatizado a necessidade de "parar eventuais abusos" do ministro Alexandre de Moraes.
Minuta de golpe
A PF perguntou a Baptista Júnior quando houve a apresentação a ele de uma minuta de golpe de Estado. Em resposta, disse que possivelmente na manhã de 14 de dezembro de 2022. Naquele dia, o comandante foi chamado pelo ministro da Defesa para uma reunião na pasta com os demais chefes de Forças. O encontro ocorreu no gabinete do ministro e, nele, Paulo Sérgio de Oliveira teria dito aos comandantes que tinha uma minuta, que gostaria de apresentar a eles para conhecimento e revisão. Nesse momento, Baptista Júnior teria questionado o ministro se o documento previa a não assunção ao cargo do presidente eleito, no caso Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o ministro ficou em silêncio.
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Dessa forma, disse o depoente, entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo. Diante disso, teria falado ao ministro que não admitiria sequer receber o documeto e que a Força Aérea não admitiria a hipótese de golpe de Estado. Freire Gomes também teria expressado que não concordaria com a possibilidade de analisar o conteúdo da minuta, que estava sobre a mesa do ministro, enquanto o comandante da Marinha não teria expressado qualquer reação contrária ao conteúdo do documento.
Após este episódio, relatou Baptista Júnior, começou a receber ataques de apoiadores de Bolsonado por meio das redes sociais, sendo chamado, por exemplo, de "melancia" e traidor da pátria.
Segundo o ex-comandante da Aeronáutica, o posicionamento de Freire Gomes foi determinante para que uma minuta do decreto que viabilizasse um golpe de Estado não fosse adiante. Se ele tivesse consentido, diz Baptista Júnior, possivelmene a tentativa de golpe teria se consumado.
Carla Zambelli
Baptista Júnior citou a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) em seu depoimento. Segundo ele, em 8 de dezembro de 2022, após uma formatura de aspirante a oficial da FAB, em Pirassununga (SP), Zambelli o interpelou dizendo "Brigadeiro, o senhor não pode deixar o presidente Bolsonaro na mão". O comandante teria interpretado isso como uma pressão para concordar com uma possível ruptura institucional e dito "Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade".
O ministro da Defesa teria reportado a Baptista Júnior que foi abordado por Zambelli de forma semelhante.
Nenhuma fraude
Segundo Baptista Júnior, várias vezes informou a Bolsonaro de que não existia qualquer fraude no sistema eletrônico de votação, e o então presidente tinha ciência de que a Comissão de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação do Ministério da Defesa não identificou nenhuma fraude nas eleições de 2022, tanto no primeiro quanto no segundo turno.
Ele relatou à PF ainda que constantemente chegavam teses de fraudes da Presidência da República para serem avaliadas pela comissão.
Baptista Júnior disse não ter participado, mas ouvido que houve uma determinação para não divulgar o relatório de fiscalização do sistema eletrônico do primeiro turno e que não recorda quem teria falado sobre o pedido de atrasar a divulgação do documento.