Caso Marielle: PF apura arma "fria", desvio de recursos, corrupção e lavagem de dinheiro
Irmãos Brazão, ex-chefe da polícia do Rio e milicianos presos por assassinato da vereadora do PSOL-RJ e de motorista viram alvo de quatro novas apurações
Ricardo Brandt
Os irmãos Domingos Brazão (MDB) e Chiquinho Brazão (sem partido), o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa e dois milicianos ligados a eles — um deles, ex-assessor de Brazão —, presos desde março acusados de mandar matar a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em 2018, serão investigados em pelo menos três frentes de investigação, que vão unir Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal e Estadual fluminense.
Os quatro foram acusados formalmente ao Supremo Tribunal Federal (STF), como mandantes e autores intelectuais da execução de Marielle, numa retaliação ao trabalho parlamentar e político dela, que atrapalhava negócios imobiliários ilegais do clã Brazão, em sociedade com a milícia que domina Rio das Pedras — a maior comunidade da zona Oeste do Rio. Na denúncia entregue há duas semanas, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pede a condenação pelos crimes ligados ao homicídio da vereadora e de seu motorista, Anderson Gomes.
Nessa quinta (23), o delegado da PF do Rio Guilhermo de Paula Machado Catramby apresentou no inquérito um relatório de análise de todo material apreendido nas buscas em endereços dos denunciados, com perícias, cruzamento de dados e apontamentos. O documento de 164 páginas, feito um dia antes, aponta indícios descobertos de outros crimes que devem ser investigados.
Nos documentos guardados em arquivos de computadores, pen drives, anotações de agendas, cadernetas, pedaços de papel, memória dos celulares e mensagens, os analistas e peritos da PF apontaram necessidade de aprofundamento de dados em quatro frentes, que não têm ligação direta com a execução, mas podem ter conexão, ou mesmo indicar novos envolvidos.
Crimes diversos
No relatório entregue pela PF, de análise do acervo de provas do caso Marielle, quatro frentes são apontadas com a distribuição dos casos entre eles e o Ministério Público Estadual do Rio.
É o caso das apurações de corrupção e desvios de conduta de agentes públicos da prefeitura, do governo do Estado e do Legislativo do Rio, relativos aos negócios ilegais de invasão de terras públicas e de proteção ambiental, para comercialização e posterior regularização. Nesses crimes, o Gaeco do MP do Rio deve ter os documentos compartilhados e assumir as apurações.
As frentes de investigação
Chiquinho Brazão - No STF, por crimes contra a administração pública possivelmente praticados por parlamentares federais no exercício de seus respectivos mandatos.
Domingos Brazão — Na PGR, por indícios de crimes contra a administração pública e de lavagem de capitais por conselheiro do TCE do Rio.
Roberto Calixto da Fonseca (Peixe) — Na Delegacia de Repressão a Crimes Contra o Patrimônio e ao Tráfico de Armas, por posse ilegal de arma de fogo de uso restrito e de arma com numeração raspado.
Rivaldo Barbosa — No Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-RJ, por crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro.
Os indícios apontam contatos suspeitos, possível direcionamento de emendas parlamentares, blindagem de esquemas no TCE, uso de armas ilegais, escancaram os vínculos e a amizade dos alvos com milicianos e colocam no radar da PF e do Gaeco do Rio diversos novos nomes.
Corrupção e desvios de agentes da prefeitura e estado nos negócios de terras na zona oeste com a milícia também devem ser alvo do Gaeco fluminense. A PF aponta que os interesses econômicos imobiliários dos irmãos Brazão — que levou ao plano de morte de Marielle — envolvia outros crimes, que devem ser processados separadamente. Brazão foi deputado estadual do Rio, é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) afastado e líder do clã. Chiquinho é deputado federal.
Armas frias
O ex-assessor de Brazão Robson Calixto da Fonseca, o Peixe, ligado à milícia, é o alvo do inquérito sobre armas ilegais. Nas buscas da PF em seu endereço, foram apreendidas duas pistolas que não deveriam estar com ele. Uma delas pertence à polícia do Rio e estava em seu poder indevidamente.
As duas armas e outras apreendidas passaram por laudo pericial federal. O resultado "revelou" que a arma "é de propriedade da Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro e contém a gravação da sigla da Força Nacional de Segurança Pública em seu chassi".
"Não existe justificativa aparente para que tal arma estivesse sob a posse de Peixe, visto que ele é soldado reformado da Polícia Militar do Rio de Janeiro", informa a conclusão.
Uma pistola apreendida com o ex-assessor de Brazão "encontrava-se com sua numeração de série suprimida por lixa". A numeração é o DNA da arma e é obrigatória para controle de todo e qualquer armamento.
"O exame pericial metalográfico foi capaz de revelar alguns dos caracteres" raspados. A PF identificou o suposto dono em um registro feito no Ceará, sem registro de furto ou desaparecimento dela.