Tentativa de golpe na Bolívia "pega mal para todos os países" da América Latina, avalia analista
Mestre em relações internacionais elogia "frente ampla" em defesa da democracia, mas pondera que instabilidade contamina futuro político do país
A tentativa de golpe militar na Bolívia "pega mal para todos os países" da América Latina, avalia o analista político Uriã Fancelli, em participação no programa Brasil Agora desta quinta-feira (27). Segundo o mestre em relações internacionais, o fracasso da ruptura institucional não significa superação da crise instalada no país.
"É precipitado tirar qualquer tipo de conclusão. Bolívia enfrenta crise política desde 2019, quando Evo Morales [ex-presidente] tentou concorrer a um terceiro mandato", explica Fancelli, lembrando que o país "já passou por várias tentativas de golpe.
"Não dá para falar que tudo acabou agora porque golpe não deu certo. País já com muita instabilidade passar por isso agora pega mal para todos os países da região", continua o analista, alertando que esse estado de coisas inseguro "afasta investidores".
- Vídeo: presidente da Bolívia e comandante do Exército ficaram cara a cara durante tentativa de golpe
Fancelli, no entanto, observa que a tentativa de golpe provocou rapidamente a formação de uma "frente ampla" em defesa da democracia e das instituições. "Uniu Morales e Arce. E até a ex-presidente [Jeanine Áñez]. Quando houve movimentação de militares, pediram também a libertação de presos políticos, como ela", explica.
Como fica futuro político da Bolívia?
O atual presidente da Bolívia, Luis Arce, era aliado de Morales no partido MAS, mas agora são adversários. Morales será candidato a presidente de novo nas eleições de 2025.
Atualmente preso junto a outros militares golpistas e ex-comandante do Exército, Juan José Zúñiga liderou a tentativa de tomar o poder e exigiu libertação de Áñez, que se declarou presidente interina em 2019 após a renúnica de Morales. Está presa desde 2021.
Ao ser detido, Zúñiga afirmou à imprensa que Arce pediu ao general que tentasse um golpe, o que configuraria, portanto, um autogolpe. O presidente teria ordenado isso, segundo o ex-comandante, para tentar melhorar índices de popularidade dele e do governo atual.
Esse cenário torna ainda mais difuso o futuro político da Bolívia, na opinião de Fancelli. "Houve resistência aparente de todos os atores políticos bolivianos, inclusive de membros do Exército tomando lado do presidente. Mas pega mal, porque não foi incidente isolado e tem acontecido esporadicamente na Bolívia ao longo dos anos", comenta.
"América Latina é conhecida por rupturas democráticas na história. E o mundo olha pra isso com cautela, ainda mais se a gente colocar na balança outras instabilidades regionais, como as eleições deste ano na Venezuela, olhadas com pé atrás internacionalmente", continua.
Fancelli acredita que países da América Latina precisam se posicionar para dar "resposta única, democrática, defendendo instituições". "Para projetar ideia de estabilidade. Para que não haja efeito dominó e países saiam contaminados pela imagem de golpistas", completa.