Moraes nega fim de inquérito sobre cartão de vacina e vê pedido de Bolsonaro como "incabível"
Defesa do ex-presidente usou vazamento de áudio de Mauro Cid para atacar delação e pedir fim do inquérito sobre registro falso de vacina
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou pedido da defesa de Jair Bolsonaro (PL) para arquivar o inquérito que apura fraude no registro de vacinas contra covid-19. Na decisão, Moraes advertiu o ex-presidente:
"Incabível ao investigado pretender pautar a atividade investigativa", afirmou Moraes, em despacho assinado na noite desta segunda-feira (25).
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A decisão foi resposta ao pedido da defesa ao STF na tarde da segunda-feira. Os advogados de Bolsonaro pediram o arquivamento "diante da ausência de quaisquer elementos que indiquem a participação do peticionário nos delitos apurados, quer como autor, autor intelectual ou mesmo como autor mediato".
Bolsonaro, o ex-ajudante de ordens do Planalto tenente-coronel Mauro Barbosa Cid e mais 14 pessoas foram indiciadas por associação criminosa e registros fraudulentos de dados para emissão de certificados do Ministério da Saúde.
"O contexto em que Mauro Cid se viu envolvido, onde seu desabafo sobre ter se sentido coagido e pressionado se tornou público, lança uma sombra de dúvidas sobre a idoneidade da colaboração premiada celebrada e a integridade do processo", diz defesa de Bolsonaro.
O indiciamento foi anunciado no dia 19 e teve como uma das provas a confissão de Mauro Cid, que assinou um acordo de delação premiada com a PF.
Uma semana depois, foi divulgado áudio em que Mauro Cid ataca o acordo, a forma como a PF conduziu o caso e o ministro do STF. O conteúdo foi revelado pela revista Veja e levou o tenente-coronel de volta à prisão, um dia depois. No pedido, os sete advogados da defesa de Bolsonaro, entre eles, Fábio Wajngarten e Paulo Amador da Cunha Bueno, apontam "o desvelamento de fatos novos" para justificar o pedido direto ao "chefe" da investigação.
Os advogados destacam que a validade do acordo celebrado, por lei, depende dos dois requisitos: "a efetividade, um requisito objetivo, passível de ser verificado diante dos resultados obtidos e indicados", e a "voluntariedade, requisito subjetivo, deve ser determinada pela disposição psíquica do colaborador".
"Os áudios supratranscritos – ainda que em tom de desabafo, como argumenta a Defesa do Tenente Coronel – são extremamente preocupantes e suscitam um ponto de alerta a respeito da idoneidade do Acordo de Colaboração premiada celebrado com Mauro Cid", diz o pedido da defesa de Jair Bolsonaro a Moraes
Os defensores criticam as delações aprovadas no Brasil. "Contudo, a jurisprudência pátria parece dar primazia apenas ao aspecto objetivo da eficácia da colaboração premiada, ao ponto de rejeitar delações ou colaborações cujos resultados não são considerados satisfatórios pelas autoridades."
Segundo o documento, "o requisito subjetivo da voluntariedade da colaboração premiada é simplesmente ignorado ou presumido como garantido, embora seja o elemento mais crucial, uma vez que está relacionado à autonomia pessoal da decisão de colaborar, que fundamenta a credibilidade das declarações feitas".
A defesa lista fatos que antecederam o acordo de delação fechado por Cid com a PF, no início de setembro de 2023. Entre eles, lista a proibição de visita de familiares, incluindo o pai e a mulher, e fala em "coação".
"Qualquer análise crítica da cronologia dos fatos permite identificar a reprovável tática de coação – física e psicológica – de um dos investigados para que, finalmente, celebrasse acordo de delação premiada."
"O uso imoderado do instituto da colaboração, sem a devida observância ao caro requisito da voluntariedade, trouxe – e ainda traz – consequências funestas, pois resultou em diversas delações falsas e imprecisas, acarretando imputações a inocentes e desperdício de tempo e recursos das autoridades encarregadas da investigação", pedido da defesa de Bolsonaro ao STF com ataque ao acordo de delação de Mauro Cid.
Os advogados ainda atacam o novo depoimento de Cid, antes de ser preso. "Posteriormente, ao se confrontar com a intimação para prestar esclarecimentos sobre o desabafo, o colaborador enfrenta angustiante e nítido dilema: a pressão exercida sobre ele para confirmar a voluntariedade de seu acordo de colaboração implica que, mesmo que tenha se sentido coagido inicialmente, agora está em uma posição onde negar a coação é a única opção viável."
Arquivamento prematuro
Moraes afirmou em sua decisão de resposta à Bolsonaro que seria "absolutamente prematuro" o arquivamento do inquérito.
"A presente investigação, portanto, está em regular andamento, de modo que o arquivamento seria absolutamente prematuro", escreveu o ministro do STF.
Segundo ele, com o avanço das investigações, a PF "identificou a constituição de uma associação criminosa para consecução de um fim comum, qual seja, a prática dos crimes de inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas" do Ministério da Saúde.
Com o relatório final da investigação entregue pela PF no dia 19, "os autos foram encaminhados à Procuradoria-Geral da República, para manifestação".