Entenda como Bolsonaro caiu no radar da PF por registro de vacinação
Relatório sobre Cid em inquérito do STF levou investigadores a esquema de fraudes
O relatorio de análise da Polícia Federal sobre dados de arquivos digitais do tenente-coronel Mauro Cid, apreendidos em um inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as milicias digitais, e informes da Controladoria Geral da União (CGU) levaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a cair no radar da Operação Venire, deflagrada nesta 4ª feira (3.mai).
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O ex-ajudante de ordem de Bolsonaro no Planalto foi preso pela PF, em Brasília. Policiais fizeram buscas e apreensões nas casas do ex-presidente, no Rio e na capital federal. Um aparelho celular foi apreendido e outros materiais.
As suspeitas são de que ele participou e se beneficiou do falso lançamento de registro de vacinação contra a covid-19, para obter o certificado de imunização para eventual uso em viagem ao exterior. Há elementos que para a PF justificam as prisões e buscas de material para aprofundamento do caso.
O argumento da PF foi acolhido pelo ministro relator dos processos contra Bolsonaro no STF, Alexandre de Moraes, que ordenou a deflagração da Operação Venire.
O SBT News reuniu os principais pontos das investigações e do caso em tópicos, para mostrar o que a PF busca, como chegou a Bolsonaro e elementos dos processos.
Origem
O início da apurações da PF é a descoberta de que o tenente-coronel Mauro Cesar Cid, em 2021, teria acessado políticos e outros militares para fazer o registro no sistema do Ministério da Saúde de uma vacinação contra a covid-19 de sua mulher, Gabriela Santiago Ribeiro Cid, que viajaria aos Estados Unidos e precisava emitir o certificado. O documento atesta oficialmente que a pessoa está em dia com as vacinas obrigatórias, na pandemia, e era exigido na maioria das nações.
O esquema passava por lançamento de vacinação em cidade de Goiás e registro no sistema federal via prefeitura de Duque de Caxias (RJ), reduto de aliados de Bolsonaro.
"Os dados encaminhados pelo Ministério da Saúde, ratificados pela quebra de Erbs (estações de rádio bases) e conexão de dados do terminal telefônico (24) 99261-XXXX, confirmaram os elementos informativos já descritos no RAPJ 049/2022, de que Gabriela Santiago Ribeiro Cid não foi vacinada contra a Covid-19 na cidade de Cabeceiras/GO, não recebendo nenhuma das duas doses registradas no cartão de vacinação do Estado de Goiás/GO", representação da PF de prisão de Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Jair Bolsonaro (PL)
A PF explicou que com base no relatório de análise do material apreendido com Cid, em outra investigação em torno de Bolsonaro, as "mensagens descobertas na quebra telemática" revelaram o pedido dele para "confecção do cartão de vacinação com doses de vacina contra a COVID-19 em nome de sua esposa Gabriela Cid ao então integrante da Ajudância de Ordens do Presidente da República, sargento Luis Marcos dos Reis".
Quem assina o registro da vacina fraudado é um médico sobrinho do sargento Reis, com quem Mauro Cid conversou. "Para implementar a falsificação, Luiz Marcos dos Reis solicitou o auxilio de seu sobrinho, o médico Farley Vinicius Alcantara", informa a PF.
Como funcionava o esquema
O esquema que teria sido operado por Mauro Cid, tinha a prefeitura de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e aliados de Bolsonaro como canais de acesso ao sistema do MInistério da Saúde.
O secretário de Governo da prefeitura, João Carlos Brecha, que ocupa a pasta desde as gestão do ex-preifeito Washington Reis (MDB), inseria falsos comprovantes de vacinação para emissão posterior dos certificados de vacinação, a serem apresentados nos aeroportos. Brecha foi preso na Operação Venire.
A PF reuniu os registros lançados de vacinação de Bolsonaro, via prefeitura de Duque de Caxias, em 2022, inseridos no sistema federal do Ministério da Saúde por Brecha. Menos de uma semana depois, os registros foram regitados pela coordenadora da área de vacinação da prefeitura Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva. Ela foi alvo de buscas nesta 4ª e levada para a PF no Rio para depor.
Os registros, segundo apura a PF, serviam para que os beneficiados emitissem no sistema da Saúde os certificados de regularidade com as vacinas, com base nos registros feitos com documentos "ideologicamente falsos".
Aliados na Baixada
O município da Baixada Fluminense dominado por aliados de Bolsonaro é o foco central da apuração da PF. Brecha foi preso com outros cinco alvos. Ele foi o principal responsável por inserir dados fraudados no sistema de registros do Ministério da Saúde, via prefeitura local.
A PF diz que 120 inserções suspeitas foram identificadas, entre 2021 e 2022, via prefeitura de Duque de Caxias. O deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), irmão do ex-prefeito, foi alvo de buscas e apreensões da PF. Ele também aparece nos registros.
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A PF "identificou, até o presente momento, 120 inserções falsas, entre novembro de 2021 e dezembro de 2022". "Da mesma forma, há robustos elementos informativos que demonstram a efetiva utilização dos certificados idelogicamente falsos pelos beneficiários em viagens internacionais."
Bolsonaro entra no radar
O ex-presidente entrou no radar da PF depois de ser notificado pela CGU sobre supostos registros de vacinação vinculados a Bolsonaro. Ofício de 2023 do órgão - já no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - "encaminhou notícia de fato relatando a possível ocorrência de inserção de dados falsos no sistema de informação do Ministério da Saúde, especificamente" sobre o ex-presidente, conforme destaca trecho abaixo.
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A PF também destacou trecho das apurações da CGU que "colheu elementos informativos que indicam que o ex-presidente Jair Bolsonaro não esteve no município de Duque de Caxias/RJ no dia 13/08/2022, data em que teria tomado a 1ª dose da vacina da fabricante Pfizer, permanecendo na cidade do Rio de Janeiro até seu retorno para Brasília/DF às 21h25min".
As apurações decorreram de inquérito em que Mauro Cid e o ex-presidente foram indiciados pela PF por fake news na pandeia, nas lives presidenciais da internet, que ele fazia toda 5ª feira. As casas de Bolsonaro no Rio de Janeiro e em Brasília também foram alvos de buscas e apreensão da PF, por ordem de Moraes.
Bolsonaro sabia?
Um dos pontos cruciais da investigação e do futuro processo contra Bolsonaro, caso se comprovem os indícios de crimes, é se ele sabia do esquema de fraudes e agiu intencionalmente.
Para a PF, Bolsonaro tinha "plena ciência" sobre as fraude em registro de vacinação e emissão irregular dos certificados, conforme registra o trecha abaixo, da representação assinada pelo delegado Fábio Alvarez Shor, pedindo a prisão de Mauro Cid e as buscas nas casas do ex-presidente.
A Procuradoria-Geral da República, no entanto, entendeu que não há provas contra o ex-presidente e que os elementos indicam que Mauro Cid capitaneou a ação e agiu à revelia.
A tese da PGR foi rejeitada pelo ministro Alexandre de Moraes, na decisão que serviu para a deflagração da Operalão Venire, nesta 4ª feira (3.mai). Para ele, a hipótese da PF é "plausível, lógica e robusta".
O que diz Bolsonaro
Bolsonaro negou ter tomado as vacinas, após buscas realizadas pela PF em sua casa, em Brasília. A residência do ex-presidente no Rio também foi alvo. O ex-presidente disse ter ficado surpreso com a operação da PF, mas que nunca foi pedido a ele o certificado de vacinação para entrar no país e que não adulterou o cartão de vacina.
"Nunca me foi pedido cartão para entrar (nos EUA)", disse. "Não existe adulteração da minha parte, não tomei vacina", afirmou.
O ex-presidente também confirmou que seu celular foi o único levado pela Polícia Federal e que o aparelho não tem senha. "Não tenho nada a esconder", afirmou.
No caso da ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro, a PGR e o STF entenderam não existir elementos, até o momento, que justifiquem medidas cautelares contra ela, como pedido pela PF.
Os presos da Operação Venire
A PF prendeu seis pessoas ligadas a Bolsonaro, direta e indiretamente. Mauro Cesar Barbosa Cid, Max Guilherme Machado de Moura, Sérgio Rocha Cordeiro e Ailton Gonçalves Moraes Barros são ligados ao ex-presidente.
Além disso, o secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha, e o segundo-sargento do Exército Luis Marcos dos Reis, que teriam ligações com Mauro Cid, também foram detidos pelos agentes da Polícia Federal.
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