Contratos intermitentes: STF pode derrubar trecho da reforma trabalhista de Michel Temer; entenda
Ações alegam que modelo fere dignidade da pessoa humana e atenta contra proteção do trabalho digno; outras pautas trabalhistas marcam sessão desta quarta (21)
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar, nesta quarta-feira (21), o julgamento de uma ação direta (ADI nº 5.826) que contesta o modelo de trabalho intermitente, inserido na reforma trabalhista de 2017 comandada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). Nesse ponto, o empregado com carteira assinada (CLT) é convocado previamente por um período e recebe somente conforme as horas trabalhadas. A sessão plenária de hoje começa às 14h.
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Em novembro de 2022 a mesma ADI foi posta em plenário virtual da Suprema Corte. À época, o ministro e relator, Edson Fachin, reconheceu parcialmente a desproteção dos "direitos fundamentais sociais" do trabalhador, "ante a ausência de fixação de horas mínimas de trabalho e de rendimentos mínimos, ainda que estimados".
Como observado pelo magistrado, a "única garantia efetivamente observada pela legislação" seria o aviso prévio com até três dias de antecedência. "Nenhuma outra medida foi fixada pelo legislador", afirmou em voto.
Ainda neste julgamento, quando ainda era presidente do STF, a ministra aposentada Rosa Weber acompanhou Fachin. Apontou que o contrato intermitente "além de não se prestar ao propósito alegadamente justificador de sua criação (ampliação do número de empregados) — conforme demonstram os dados produzidos pelo DIEESE [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] —, importa drástica redução dos patamares civilizatórios mínimos conquistados em favor dos trabalhadores". Isto é, a magistrada havia entendido que o modelo suprime direitos e garantias já conquistados.
Divergiram desse entendimento, à época, os ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes (indicado à Corte por Temer). Mas eles não apresentaram voto vogal. Entretanto, antes que o prazo terminasse, André Mendonça solicitou destaque à pauta, paralisando o julgamento via sistema eletrônico e levando-o ao plenário.
Resta saber se, agora de forma presencial, os votos serão mantidos — incluindo a manutenção do entendimento de Weber, cuja vaga foi ocupada por Flávio Dino. O ministro, em tese, não votaria neste julgamento.
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Importante: estão apensados ("anexados") ao ADI mencionado outras duas ações, as ADIs nº 6.154 e 5.829. À época, no governo de Jair Bolsonaro (PL), a Advocacia-Geral da União (AGU), sob chefia de Bruno Bianco, e a Procuradoria-Geral da República (PGR), então representada por Augusto Aras, alegaram que duas dessas ações, apresentadas pela Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e derivados de Petróleo (Fenepospetro), nº 5.826, e pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas (Fenattel), nº 5.829, não seriam válidas, uma vez que as entidades não teriam esta competência.
Mas, com os apensamentos, a ADI nº 6.154, de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), obteve consenso dos ministros de que o processo era devido, reconhecendo a legitimidade da pauta.
Para as associações sindicais, o modelo de contrato questionado na Justiça fere a dignidade da pessoa humana e atenta contra a proteção do trabalho digno.
Outros temas sobre trabalho
Há outros julgamentos em pauta que tratam da questão trabalhista. Um diz respeito à suposta omissão por parte do Legislativo nacional em estabelecer proteções aos trabalhadores frente à automação e aos avanços das inteligências artificiais (IAs).
Apresentada pela PGR, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO nº 73) alega que "a proteção do trabalhador [...] foi assumida pelo poder constituinte originário no art. 7º, XXVII, da Constituição Federal, ao inserir, no rol dos direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, a 'proteção em face da automação, na forma da lei'" e que o dispositivo “impôs ao legislador federal a obrigação específica de editar lei para regulamentar referido direito".
Destaca que "em que pese a importância do direito social em referência, decorridos mais de 33 anos desde a promulgação da Constituição Federal, ainda não foi editada lei federal que o regulamente, o que configura descumprimento, pelo Congresso Nacional, do dever de legislar estabelecido".
Outra ação, ADI (nº 1.625), contesta um decreto presidencial do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que retirou o Brasil da Convenção 158 da Organização Mundial do Trabalho, que proíbe demissões sem justa causa. A norma não vale para o país desde então, 1996. As duas são de relatoria do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso.