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Brasil

Vilão das queimadas, fogo tem importância vital para povos tradicionais no Brasil

Conheça o uso que é feito do fogo por quilombolas, ribeirinhos, pequenos agricultores e indígenas. "É impossível pensar fogo zero no Brasil", afirma indigenista

Imagem da noticia Vilão das queimadas, fogo tem importância vital para povos tradicionais no Brasil
Imagens aéreas mostram áreas devastadas pelo fogo no Pantanal | Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostrou que, de janeiro a agosto de 2024, houve 110 mil queimadas no Brasil, um aumento de 80% em relação ao mesmo período do ano passado. Esses incêndios, muitos deles criminosos, junto com a fumaça e a seca, colocam o país sob alerta.

No entanto, o fogo, que aparece como vilão no contexto de queimadas, faz parte da rotina de diversos povos tradicionais do Brasil, e é preciso diferenciar cada tipo de uso.

+ 'Cientistas estão surpresos e muito preocupados', diz climatologista Carlos Nobre

Em relação aos indígenas, o fogo é visto como um aliado, enquanto o fogo criminoso é o verdadeiro inimigo, segundo o indigenista e antropólogo Maycon Melo. Cada uma das 207 etnias indígenas no Brasil tem suas próprias práticas e tradições de uso do fogo, o que mostra que não existe uma única forma de utilizá-lo.

"Mitos são grandes narrativas indígenas sobre a vida. A aquisição de conhecimento, o desenvolvimento de tecnologias e maneiras de sobrevivência fazem parte dessa narrativa. Esse mito, em algumas culturas indígenas, diz que o fogo faz parte da vida. Não foi o homem que o criou, ele apenas o descobriu", afirma.

Outro exemplo: o Museu do Fogo, espaço multicultural que tem como objetivo conscientizar sobre o uso do fogo no Cerrado, diz que populações da região usavam, há mais de 10 mil anos, o fogo para o preparo dos alimentos e em cerimônias fúnebres, como é o caso dos povos de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Outros grupos indígenas habitantes do Cerrado — Xavante, Krahô, Kayapó, Xerente, Karajá, entre outros — utilizam o fogo para:

  • Limpar caminhos e os arredores das habitações;
  • Abrir áreas de cultivo;
  • Matar ou expulsar cobras e pragas;
  • Atrair e conduzir animais durante a caçada.

Questionado se essas queimadas contribuem com o atual momento de queimadas pelo país, o especialista diz que "não há evidências de que esses incêndios [os que devastam o país] tenham sido causados por indígenas. Pelo contrário, pesquisas mostram que as terras indígenas são exemplos de preservação ambiental".

"A forma como os povos indígenas manejam o fogo contribui para a preservação da biodiversidade. Seus territórios são responsáveis por cerca de 82% da biodiversidade do planeta, o que demonstra a riqueza da fauna e flora mantidas por suas práticas tradicionais", afirma.

Brigadista observa acampamento montado na na Base do Prevfogo/Ibama | Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista observa acampamento montado na na Base do Prevfogo/Ibama | Marcelo Camargo/Agência Brasil

O que são incêndios criminosos?

O Brasil vive uma onda de queimadas provocadas pelo homem, que resultam em um cenário devastador, com capitais por todo país tomadas por fumaça de fogo — 60% do território brasileiro esteve coberto por fuligem vinda das queimadas. Eventos extremos climáticos como ondas de calor e secas agravam a situação.

A comunidade científica está “surpresa e muito preocupada” com a seca severa no Brasil, disse o professor e cientista Carlos Nobre, referência mundial para assuntos climáticos, em entrevista ao Poder Expresso, do SBT News. Para Nobre, a sociedade brasileira precisa ser "mais resiliente às ondas de calor e às secas".

Em relação às queimadas, a sincronia de alguns incêndios, sobretudo em São Paulo, chamou atenção. Em agosto deste ano, uma onda de incêndios no interior do estado deixou 48 cidades sob alerta. Autoridades estaduais e federais têm dito que suspeitam que os incêndios estão sendo provocados por criminosos.

No Distrito Federal, o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Pires, afirmou que o fogo no Parque Nacional teve início de formal intencional, sinalizando que a causa do incêndio também pode ter origem no crime.

Em outro caso, ainda este ano, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, declarou que 85% dos incêndios que afetam o Pantanal há quase 90 dias estão acontecendo em terras privadas.

Sob pressão, o governo começou agir para diminuir as consequências e criar estratégias para o Brasil não vivenciar eventos do tipo.

O Palácio do Planalto solicitou a Polícia Federal (PF) que investigue os incêndios dos últimos meses. 5.589 inquéritos foram abertos sobre crimes ambientais, sendo 32 diretamente relacionados às chamas na Amazônia, Pantanal e São Paulo. A Força Nacional vem realizando ações não só de combate aos incêndios, mas também de monitoramento, além de atendimento a feridos.

O Ministério Público defendeu punição mais dura a quem for pego promovendo queimadas ilegais. Em estados com maiores problemas, promotores e procuradores têm cobrado a União na Justiça para envio de mais recursos para o combate aos focos de fogo.

Para Liana O. Anderson, bióloga e pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), existem novos fatores no contexto do fogo no Brasil. A especialista chama atenção para o uso contemporâneo das queimadas como recurso político e econômico.

Ela lembra de episódios em que fazendeiros usaram fogo para ocupar terra indígena. Em outra ocasião, o Brasil vivenciou o "dia do fogo" na Amazônia, quando produtores rurais da região Norte do país teriam iniciado um movimento conjunto para incendiar áreas da maior floresta tropical do mundo. "O fogo no Brasil é um contexto amplo. E precisamos entender cada contexto para pensar um planejamento de responsabilização", afirma Liana para o SBT News.

Assista abaixo a entrevista completa de Carlos Nobre, um dos principais climatologistas do mundo, sobre a atual situação climática. A entrevista foi concedida ao Poder Expresso em 11 de setembro.

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