Privatização da Sabesp: o que esperar e como afeta a população
Projeto aprovado por deputados e vereadores de São Paulo prevê universalização dos serviços até 2029. Entenda os impactos da mudança
A Sabesp, empresa responsável por distribuir água e coletar o esgoto em 375 municípios de São Paulo, teve sua privatização aprovada na Assembleia Legislativa e, mais recentemente, na Câmara dos Vereadores da capital.
A desestatização era uma promessa de campanha do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que mobilizou sua base parlamentar. Mas a aprovação na maior cidade do estado foi mais complexa, mesmo com o apoio do prefeito Ricardo Nunes (MDB), e passou por protestos de servidores e uma judicialização.
O SBT News explica o projeto que foi aprovado e quais devem ser os principais impactos para as milhões de pessoas atendidas pela Sabesp.
Privatização aprovada
O projeto aprovado pelos deputados estaduais paulistas em dezembro de 2023 se tornou lei estadual logo em seguida, após a sanção do governador Tarcísio de Freitas. Ficou estabelecido que a desestatização deve seguir o modelo de oferta pública, em que as ações da empresa são comercializadas por meio de um leilão na bolsa de valores com as entidades interessadas.
O texto prevê que quem assumir o controle da Sabesp deve universalizar os serviços prestados pela empresa até 2029, o que consiste em levar água tratada para 99% e coletar o esgoto de 90% dos lares atendidos pela companhia. Atualmente, ela distribui água para 28,4 milhões e coleta o esgoto de 25,2 milhões de pessoas no estado.
Além disso, o governo estadual manteve presença no conselho da empresa e tem poder de veto para alterações como o nome, a sede ou a atividade social da companhia. À exceção de demissões por justa causa, também não podem ocorrer desligamentos de servidores por 18 meses após a desestatização.
Entraves na capital
Para valer em São Paulo, a privatização precisou passar pela Câmara Municipal, onde a Sabesp é responsável pela gestão do melhor saneamento do país, segundo um ranking divulgado pelo Instituto Trata Brasil no início de 2024.
Apesar de protestos de servidores e parlamentares de oposição ao prefeito Ricardo Nunes, a adesão foi inicialmente aprovada no mês de abril. Mas uma decisão judicial reverteu a decisão por considerar que faltaram audiências públicas e não foi apresentado um estudo do impacto orçamentário do projeto.
Em nova votação, no início de maio, após audiências públicas e debates acalorados — com intervenções de manifestantes —, os vereadores aprovaram a adesão de forma definitiva e o prefeito sancionou a lei.
Uma nova liminar chegou a suspender os efeitos da decisão, mas ela foi derrubada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que não viu ilegalidade na decisão do Legislativo.
A lei aprovada na capital prevê que, no novo modelo de gestão, a Sabesp aumente seus investimentos nos sistemas locais de água e esgoto — entre 2018 e 2022, foram cerca de R$ 12,5 bilhões investidos —, mantenha a tarifa social cobrada e aumente para 8% o repasse de recursos para o Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura da cidade a partir de 2040.
Mudanças na prática
O primeiro passo após a desestatização é a troca de controle majoritário da Sabesp, que passa do governo estadual — hoje proprietário de 50,3% das ações da companhia — para entidades privadas.
Em seguida, os novos controladores terão de promover aportes para garantir a universalização dos serviços dentro do prazo, como é exigido. Os investimentos previstos na empresa eram de R$ 26,2 bilhões entre 2023 e 2027, mas esse valor deve aumentar no novo modelo, segundo Luiz Firmino, pesquisador do centro de estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV-RJ (Fundação Getulio Vargas) e pós-doutor em tecnologias de saneamento.
“Existe ainda a incorporação de um número significativo de pessoas a serem atendidas em áreas rurais e áreas urbanas informais, que não estavam nas metas anteriores. Isso é um ganho inequívoco”, disse Firmino ao SBT News.
Para Gesner Oliveira, coordenador do Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas) e ex-presidente da Sabesp, os mecanismos para garantir os investimentos estão assegurados nas novas leis.
Mas a principal mudança em potencial está na agilidade da gestão. “A empresa deve ficar mais ágil, porque deixa de ter as amarras de uma estatal. Ela pode comprar mais rapidamente, fazer parcerias de forma mais ágil e promover inovação com mais facilidade”, disse ao SBT News.
Oliveira, que presidiu a companhia entre 2007 e 2011, avaliou que os recursos obtidos pelo governo com a venda de ações da Sabesp vão possibilitar investimentos em saúde, educação e segurança. “Existe interesse privado para investir em saneamento. Isso permite um investimento [público] em campos prioritários”, avaliou.
Uma das razões de protestos contrários ao projeto, a manutenção de empregos da Sabesp não está assegurada por mais de 18 meses após a mudança. A privatização pode gerar benefícios nesse sentido, segundo Firmino.
“Os modelos privados têm demonstrado melhor capacidade de desempenho. Eles permitem contratações mais céleres do que na administração pública. A remuneração dos profissionais passa a sofrer influência do cumprimento de metas, o que é bom para a população”, avaliou o professor da FGV.
Em abril de 2024, uma pesquisa divulgada pela Quaest mostrou que 52% dos eleitores paulistas eram contra a privatização. O instituto ouviu 1.656 pessoas no interior e na capital do estado. Um dos temores da população atendida é a possibilidade de aumento das tarifas — o que já aconteceu, ainda sob a gestão estatal, neste mês.
Para Firmino, uma gestão mais célere é o caminho para que isso não aconteça. “Para isso, um bom processo de regulação é necessário. O Estado terá um papel, na celebração dos contratos, de assegurar a cobrança de tarifas condizentes com a capacidade de pagamento da população”, concluiu.