PF comprovou presença de "kids pretos" executores de plano de atentado contra Moraes em reunião com Braga Netto
Mapa de localização, mensagens e delação mostram que cabeças da operação "Copa 2022" estiveram no local indicado para discutir ataque
A Polícia Federal (PF) reuniu provas de que uma reunião em endereço usado pelo general Walter Braga Netto, em 12 de novembro de 2022, que deu o start da fase operacional da ação clandestina de "neutralização" do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aconteceu e teve participação de militares das Forças Especiais (chamados de "kids pretos"). Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), eles buscavam anular a eleição e impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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Bolsonaro, Braga Netto, que era candidato a vice na chapa, o general Augusto Heleno, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e outros 34 alvos foram indiciados pela PF nessa quinta-feira (21) por atentado violento ao Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa.
"O ministro Alexandre de Moraes estava sendo monitorado, pelo menos, desde novembro de 2022. As atividades anteriores ao evento do dia 15 de dezembro de 2022 indicam que esse monitoramento teve início, temporalmente, logo após a reunião realizada na residência de Walter Braga Netto, no dia 12 de novembro de 2022", diz trecho de documento da operação Contragolpe, deflagrada pela PF na terça (19) e que prendeu quatro militares e um policial federal.
Braga Netto, ex-ministro-chefe da Casa Civil, da Defesa e então candidato a vice-presidente, criticou indiciamento.
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O encontro considerado peça-chave da trama militar clandestina que culminaria com atentado a Moraes, ainda em dezembro de 2022, teria sido realizado na 112 Sul, em Brasília. O endereço é apontado pela PF como residência de Braga Netto e também citado como "(112 SUL, bloco 8)", onde "localiza-se um edifício residencial utilizado por vários militares que integravam o governo do então presidente Jair Bolsonaro".
Teriam participado da reunião: Braga Netto, o tenente-coronel Mauro Cid, o major Rafael Martins de Oliveira e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima. Foi neste dia, aponta a PF, que o planejamento operacional de um grupo de seis militares "kids pretos" bolsonaristas foi "apresentado e aprovado".
Joe, o executor
Nas mensagens de celular de Mauro Cid recuperadas pela PF, foram identificadas conversas com o major Rafael Martins de Oliveira, um dos quatro presos da Operação Contragolpe. O alvo foi principal nome citado entre os executores da ação dos "kids pretos" de monitoramento e "neutralização" de Moraes.
Conhecido como Joe e com formação em Forças Especiais, ele estava no comando da ação clandestina "Copa 2022", que seria executada no dia 15 de dezembro contra o ex-presidente do TSE. O militar usava os codinomes "diogo.bast", "Japão" e "Alemanha" nas conversas da trama. Era um dos principais interlocutores de Mauro Cid.
Em uma das mensagens trocadas entre ele e Cid, no dia da reunião, ele cita que estaria no "112", referência ao endereço do encontro com Braga Netto, acredita a PF. Os investigadores também analisaram mapas de localização dos celulares de Cid e do major.
"O resultado trouxe indícios de que ocorreram atividades dos referidos investigados durante os meses de novembro e dezembro, possivelmente relacionadas aos fatos investigados. Detalhe-se que as atividades ocorrem no intervalo entre a reunião do dia 12 de novembro realizada na residência de Walter Souza Braga Netto e o dia 15 de dezembro de 2022, data do evento “copa 2022", detalha trecho de documento da PF.
Segundo a PF, "desde o dia 11 de novembro de 2022", o major da ativa "estava atuando juntamente com outros militares para financiar e direcionar as manifestações golpistas em curso naquele momento". Nos dois dias que antecederam a reunião na casa de Braga Netto (10 e 11 de novembro), por exemplo, o major pediu "orientações" a Cid "quanto aos locais para realização das manifestações e se as Forças Armadas garantiriam a permanência das pessoas no local".
"O ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro confirma que os alvos seriam o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal e sinaliza que as tropas garantiriam a segurança dos manifestantes", registra a PF.
"Copa 2022"
O major Rafael Martins de Oliveira usou uma identidade de um homem com que se envolveu em um acidente de trânsito para registrar os "telefones frios" usados por seis "kids pretos" na operação "Copa 2022".
Era quinta-feira — três dias antes, houve quebra-quebra em Brasília e tentativa de invasão da sede da PF —, e os registros de conversas recuperados pela PF mostram que o atentado de 15 de dezembro foi abortado em cima da hora. Mas o monitoramento de Moraes prosseguiu até o final do ano.
A PF destaca no relatório final do caso que, após a reunião de 12 de novembro com Braga Netto, o major Joe encaminhou para Cid documento em formato Word intitulado "copa 2022". "Com as necessidades iniciais de logística e orçamento de gastos para as ações clandestinas com o emprego de militares com formação em forças especiais ('kids pretos")", diz a corporação.
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Segundo a PF, "Copa 2022" estava vinculado a um plano de golpe que circulou entre os investigados em novembro, logo após a derrota de Bolsonaro nas eleições, e tratava de uma ação contra o ministro. O nome, segundo os investigadores, já havia aparecido, mas "à época, não apresentou maior relevância".
"Não coincidentemente, um mês depois, no dia 15 de dezembro de 2022, o referido nome surge novamente, no caso para nomear o grupo do aplicativo Signal (de mensagens de celular) em que estavam os responsáveis por executar a ação operacional clandestina", completa a polícia. Teria sido usado por seis membros que executariam a ação no dia 15 de dezembro contra Moraes.
"Kid preto" no Planalto
A PF também descobriu em 9 de novembro de 2022 — três dias antes do encontro de Cid e "kids pretos" com Braga Netto — um importante achado nas investigações que revelaram qual era o plano "Copa 2022" e sua dimensão. O documento "Planejamento - Punhal Verde Amarelo", criado pelo general da reserva Mario Fernandes, que ocupava o segundo cargo mais importante da Secretaria-Geral da Presidência, era o mapa operacional da ação clandestina que seria executada contra Moraes.
"Os metadados indicam que o criador desse documento é Mario Fernandes, com criação registrada em 9 de novembro de 2022, às 09h23 e modificação às 17h05", informa a PF.
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O documento de três páginas registra dados sobre o monitoramento do alvo, material e pessoal necessários, locais possíveis, armas, riscos, danos e consequências possíveis da ação, afirma a PF. E indicou que, como alternativa, os golpistas consideram matar Lula e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB).
O general "kid preto" foi um dos cinco presos na terça (19), alvo da Operação Contragolpe. Em 6 de dezembro de 2022, o general Mario Fernandes fez uma cópia do "Planejamento - Punhal Verde e Amarelo" na impressora do gabinete da Secretaria-Geral da Presidência.
No mesmo dia, a PF identificou que também estavam no Planalto o então presidente Bolsonaro — que havia se isolado no Palácio da Alvorada após derrota para Lula —, seu braço-direito Mauro Cid e o major Rafael de Oliveira, executor do plano. Foram reunidas no inquérito mensagens de outros assessores presidenciais que acompanharam Bolsonaro na posse de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e depois no Planalto.
O general era também um dos contatos de Braga Netto. No dia 10 de novembro, às 7h48, ele manda uma mensagem para o coronel Marcelo Câmara, a quem chama de "Caveira" e que era assessor diretor de Bolsonaro. No diálogo, afirma que escreveu ao comandante do Exército e que sugeriu ao então presidente mudar o "MD" (ministro da Defesa).
"Por... Bota de novo o General Braga Netto lá. O general Braga Netto tá indignado, por... 'Ah, não por..., aí vão alegar que eu tô mudando isso pra dar um golpe'. Por... negão. Qualquer solução, Caveira, tu sabe que ela não vai acontecer sem quebrar ovos, né, sem quebrar cristais. Então, meu amigo, parte para cima, apoio popular é o que não falta", diz mensagem do general Fernandes, em 10 novembro de 2022, para o coronel Marcelo Câmara, então assessor especial de Bolsonaro.
A PF reuniu quatro áudios enviados para Câmara entre os dias 1º e 10 de novembro.
Vice indiciado
O indiciamento do general Braga Netto, junto com Bolsonaro, foi um golpe para os bolsonaristas, que haviam blindado o ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice na chapa derrotada. Para a PF, ele integrou dois núcleos da suposta organização criminosa: a dos responsável por incitar militares a aderirem ao golpe e a de oficiais de alta patente com influência e apoio a outros núcleos.
Além dele, integram esses núcleos o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército, e o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.
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Para a PF, todo planejamento era acompanhado por Mauro Cid e pelo coronel Marcelo Câmara, dois ex-braços direitos de Bolsonaro no Planalto. "Pelo que se obteve, (as ações) foram executadas com a ciência e participação de Mauro Cid e Marcelo Câmara, fornecendo detalhes da localização do ministro, mediante a arregimentação de fonte humana, que tinha a cesso a tais dados."
O tenente-coronel Cid foi ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência, preso duas vezes e é delator. O militar quase perdeu seu acordo com a PF, homologado pelo STF, por omissões no que contou na delação.
O coronel Marcelo Câmara era assessor especial da Presidência de Bolsonaro e foi preso em fevereiro deste ano na Operação Tempus Veritatis — primeira investida da PF contra militares, nos inquéritos do STF contra bolsonaristas golpistas.