Médico se veste de palhaço para ajudar dependentes químicos na Cracolândia
Psiquiatra formado pela USP afirma que assumir personagem ajudou a aproximar usuários do tratamento: "antes me viam como autoridade"

Derick Toda
Fabio Diamante
Robinson Cerantula
Vestido de palhaço, o médico psiquiatra Flávio Falcone é um dos poucos a ter acesso ao fluxo dos dependentes químicos da Cracolândia. Ele conseguiu autorização do tráfico de drogas para realizar seu projeto de redução de danos e recuperação social, o TTT: Teto, Trampo e Tratamento.
Formado pela Universidade de São Paulo (USP), Flávio atua a mais de dez anos na reabilitação dos usuários de droga e já tentou atender o público usando o tradicional jaleco. Mas, segundo ele, os usuários o enxergavam como uma autoridade e, por isso, não queriam saber de tratamento algum.
Para driblar essa rejeição ele adotou a figura do palhaço.

“O palhaço representa o erro, a imperfeição, o defeito e, na teoria do riso, o riso está justamente no erro. A gente ri do palhaço porque ele tropeça e não porque está andando direito. Os moradores de rua são as pessoas erradas da nossa sociedade, então uso o palhaço porque causa identificação imediata, inconsciente inclusive. Represento o lado que eles expressam, na doença, e também represento o lado na saúde”, explica.
Quando entra no fluxo da Cracolândia, no centro de São Paulo, ao lado de sua parceira de trabalho Mafalda Mafalda, o médico vai aos poucos conquistando a atenção dos dependentes químicos. Seja por meio da cultura do rap, do funk ou de atividades de recreação, como um show de calouros.
Depois de construir um vínculo com os dependentes é que ele começa sua abordagem terapêutica.

Maconha medicinal
Em sua experiência profissional, o médico conta que, em 2012, durante um programa de governo que deu emprego para os usuários, os únicos que conseguiram desempenhar suas atividades foram os que trocaram o crack pela maconha.
“O caminho da recuperação é individual, peculiar de cada pessoa. Tem pessoa que tem um caminho de recuperação, tem gente que vai sair e nunca mais vai usar droga. Tem gente que vai sair e vai usar maconha. É uma estratégia de redução de danos para tirar essas pessoas do uso compulsivo que pode ser a grande solução para a Cracolândia”, afirma.
Sem ajuda do poder público, o médico já chegou a ter oito dependentes em processo de reabilitação ao mesmo tempo. Desses, dois conseguiram se abster totalmente das drogas.
Perfil da Cracolândia
De acordo com o médico, a Cracolândia esconde a desigualdade social enraizada no Brasil, que tem suas origens na escravidão. “A tortura é a mesma. São pessoas pretas, pardas, sem escolaridade, que entraram para o crime organizado como única oportunidade que tinham, ainda no final da infância. Obviamente, o resultado disso só pode ser a tragédia que é a Cracolândia”, conclui.









