Danos do crack para a saúde podem ser irreversíveis; conheça os efeitos da droga no corpo
Neurologista, cardiologista e pneumologista explicam como o crack afeta cada parte do organismo, podendo levar à morte
Derick Toda
Popular nos Estados Unidos desde 1980, o crack chegou ao Brasil no final da década. A droga é um composto de farelo de cocaína impura e bicarbonato de sódio, que se espalhou pelas periferias da cidade de São Paulo por ser mais barata e potente em relação às outras drogas.
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Em um momento, o crime organizado chegou a proibir a venda do entorpecente nas favelas da capital paulista, já que afetava os mais pobres. A partir disso, em 1993, começou a intensa procura pela droga na região central - um problema consequente da exclusão social, e não a causa, que se arrasta até hoje - como a região da Cracolândia.
O que a droga faz no organismo?
Sistema neurológico
Segundo o médico neurologista Flávio Augusto Sekeff, que atua no Hospital Japonês Santa Cruz, o crack aumenta a liberação de dopamina e da noradrenalina, responsáveis por levar informações para as regiões do corpo e por aumentar a energia química do organismo, respectivamente.
A droga proporciona um quadro de euforia, confiança e sensação de poder durante o efeito.
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Em seguida, ela causa rapidamente depressão, ansiedade, alucinações e paranoia, o que faz com o dependente químico crie uma memória neurológica da droga e procure imediatamente a próxima pedra de crack para fumar.
Os usuários de crack podem desenvolver uma lesão sináptica, trauma que leva à perda da consciência, prejuízo cognitivo, lesões vasculares cerebrais e até mesmo demência.
Sistema pulmonar
A partir da queima da pedra de crack, o impacto da droga nos pulmões pode causar desde uma bronquite a uma inflamação generalizada, que pode levar à insuficiência respiratória aguda, causando internação e, às vezes, óbito, de acordo com Vinícius Anacleto, pneumologista da Santa Casa de São José dos Campos.
“Esses danos vão depender de cada pessoa, o estilo de vida, as questões de doenças prévias e como o organismo vai reagir”, afirma Vinícius Anacleto.
As principais consequências a curto prazo são as doenças respiratórias considerados como base, como a asma e um chiado no peito. No entanto, a longo prazo, os pulmões são moldados pela droga, passando por um processo de cicatrização e endurecimento do órgão - a fibrose pulmonar, conhecida como pulmão do crack.
O usuário pode se sentir cansado, ter tosse e sintomas crônicos para o restante da vida.
Sistema cardíaco
O cardiologista Fernando Nobre, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão, considera o impacto do crack no coração dramático, perverso e, principalmente, comumente fatal.
O crack faz com que as artérias que irrigam o coração se fechem, diminuindo o funcionamento do músculo cardíaco, podendo proporcionar, além de arritmias, o infarto.
“Pesquisas mostram também uma diminuição do peso do coração. A perda de células do músculo cardíaco faz com que os jovens tenham corações similares aos dos idosos, com fibroses, não desempenhando o papel que o coração deveria ter”, diz Fernando Nobre.
Os danos são reversíveis?
O neurologista Flávio Augusto Sekeff afirma que é possível reverter os danos do crack, mas parcialmente, uma vez que sempre vai existir uma marca deixada pela droga no cérebro.
“Qualquer situação de estresse você acaba dependendo da medicação. Por isso que os viciados em crack costumam retornar para ele, mesmo após um período de ‘limpeza’. O crack deixa a marca dele no cérebro. Fora isso, você tem alterações cerebrais importantes em usuários crônicos que podem não ser reversíveis. Então, você pode ter melhor a reversibilidade comportamental, mas bioquímica, anatômica, provavelmente não”, explica Flávio Sekeff.
Já no coração, o dano de cada pessoa tem que ser avaliado pontualmente. “Uma fibrose, uma sequela de um paciente que foi entubado há muito tempo podem ser irreversíveis, e as pessoas ficam com sintomas crônicos”, afirma Vinicius Anacleto. No entanto, ainda há solução para os prejuízos considerados mais simples.
Se o prejuízo for causado com grande intensidade ao coração, ele pode não ser mais reversível. “De modo geral, as alterações funcionais, por exemplo, que fazem com que o vaso sanguíneo se contraia e relaxe e, se já houve a perda de células do coração, formando fibrose, não são mais reversíveis", conclui Fernando Nobre.