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Justiça nega revogação de prisão de pagodeiro que é elo do PCC com vereadores presos em SP

O foragido usava pagode e vida de ostentação como fachada; controlava império de empresas para fraudes seriais em contratos públicos, diz Gaeco

Justiça nega revogação de prisão de pagodeiro que é elo do PCC com vereadores presos em SP
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"A Vida de Britto" é o nome de um disco do influencer e pagodeiro ostentação paulista Latrell Britto — pouco conhecido até então. A vida cantada é a do personagem que Vagner Borges Dias criou para ser sua fachada pública e artística, nos canais de redes sociais. Carros de luxo, charutos, mansões, iates, festa e garotas novinhas, dinheiro e joias de ouro reluzentes no pescoço e nos dedos são os temas das músicas.

A que dá nome ao disco "A Vida de Britto" tem videoclipe (51 mil visualizações) no canal do YouTube oficial do pagodeiro — que reúne outros clipes, bastidores e entrevistas. Na internet, é cantor, empresário, palestrante, com formação em marketing e direito. Numa entrevista postada em 2022, por exemplo, afirmou não ter o que esconder e justificou: "Tudo o que você faz e não pode contar, tem alguma coisa errada".

+ Pagodeiro "proibidão" era "empresário" dos negócios ligados ao PCC, diz MP

Nascido em Suzano, cidade da região metropolitana de São Paulo, Vagner Borges — como registra em seus cartões de apresentação de empresário — tem 44 anos e jeitão de cantor de pagode. A vida que as letras e imagens não podiam contar nem cantar veio a público há 15 dias, com prisões e buscas feitas pela Polícia Militar, na Operação Munditia, do Ministério Público de São Paulo.

Vagner Borges é um dos alvos centrais das investigações do Gaeco, o Grupo de Atuação Especializado de Combate ao Crime Organizado do MP. Iniciadas em Guarulhos (SP), as apurações se espraiam por pelo pelos mais 15 cidades paulistas.

Latrell Britto foi denunciado na última semana por controlar um "império de empresas", em sociedade com criminosos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), para fraudar licitações e ganhar contratos de prefeituras e câmaras municipais paulistas. Negócios de fornecimento de mão de obra terceirizada em geral, para serviços de porteiro, vigilante e faxina.

O esquema conseguiu fechar mais de R$ 200 milhões em contratos com o poder público. Segundo o Gaeco, tudo graças aos crimes de corrupção, fraudes em documentos, lavagem de dinheiro, ameaças e envolvimento do crime organizado.

+ Veja quem são os vereadores presos em ação contra negócios do PCC em prefeituras

Nesta semana, a defesa de Vagner Borges, foragido desde 16 de abril, foi comunicada que seu pedido de revogação da prisão foi negado pelo desembargador Sílvio Ribas, da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

A decisão, 26 de abril, afasta todos os argumentos de falta de provas e elementos apresentados pelos defensores. Ao todo, 15 pessoas foram alvos de mandados de prisão da Operação Munditia. Dois deles não foram cumpridos: Vagner Borges e seu parceiro e amigo Dário Reisinger Ferreira, advogado e presidente do União Brasil em Suzano. Há uma semana, no dia 23, Ferreira se entregou às autoridades.

Latrell Britto é o único que segue em lugar incerto e desconhecido — como registra a defesa no pedido ao TJ. O SBT News teve acesso a documentos da ação, ouviu autoridades e investigadores e detalha como funcionava o esquema liderado por Latrell Brito e as novas etapas das apurações e processos.

Empresas "amigas"

Vagner Borges é dono do Grupo Safe e também da Vagner Borges Dias ME, da Java Comercial Serviços Eireli e da L&G Soluções, entre outras. Assina contratos, aparece para negociar e tem cartão em nome de algumas delas. Em 2022, na entrevista no YouTube citada acima, disse ter oito empresas.

No papel, a realidade é mais engenhosa. O MP listou uma dezena de firmas, mas só algumas em que ele aparece oficialmente. A maioria está em nome de funcionários ou de "laranjas". Todas usadas no esquema, segundo o Gaeco, de fraudar as licitações e vencer os contratos.

"Os denunciados orquestraram a partir de irmãos e 'laranjas' verdadeiro 'império' de empresas para a captação serial de contratos com a Administração Pública. E, com tal estrutura, até naqueles certames em que há efetivos competidores, as empresas da organização criminosa conseguem ofertar preços com reduzidíssimo percentual de lucro e custos indiretos — tudo a perpetuar a atuação em diversas cidades de forma concomitante", diz trecho da denúncia do Gaeco de Guarulhos no caso Munditia.

Os promotores montaram mapas das ligações societárias e dos alvos que colocam o pagodeiro no centro. Foram denunciados, além de Latrell, sete agentes públicos, entre eles, quatro vereadores, os laranjas e operadores do esquema. Parte dos acusados já está no banco dos réus, com a abertura do processo penal pela 5ª Vara Criminal de Guarulhos (Grande São Paulo). Novos processos devem ser abertos nos próximos dias, segundo apurou o SBT News.

O Gaeco apresentou as primeiras denúncias, mas as apurações prosseguem. Em pelo menos 13 cidades, o grupo investigado teve contratos. Além das três cidades em que vereadores e agentes foram presos (Cubatão, Ferraz de Vasconcelos e Santa Izabel), há referências a negócios em Araraquara, Itatiba, Jandira, Jaguariúna, Guarulhos, Guarujá, Guararema, Poá e Sorocaba, entre outras.

O MPSP investiga empresas, aumento repentino de capital, sucessões societárias, contratos públicos e conexões dos envolvidos com servidores e políticos de cidades paulistas. Vagner Borges e Márcio eram quem controlavam empresas usadas para fraudar e vencer contratos.

Como funciona

O esquema usava o método tradicional de fraudar licitações públicas, o chamado jogo de cartas marcadas. Nele, empresas concorrentes na disputa pelo negócio devem oferecer o melhor preço — o que deve garantir economia ao poder público —, mas acordam previamente as propostas e combinam o vencedor.

Ou o método de licitação viciada, em que concorrente usa de corrupção de servidores para tentar inserir no edital de contratação exigências que o favoreçam, garantindo sua vitória.

"Os denunciados agem para aliciar agentes públicos (secretários, vereadores e servidores públicos) e/ou pregoeiros ou simplesmente para frustrar o caráter competitivo das licitações em diversas cidades do Estado de São Paulo", aponta a denúncia. O que é possível pela "pluralidade de empresas previamente conluiadas" e pela estruturação dos núcleos de atuação, segundo o Gaeco.

O MPSP destacou como exemplo contratos da Câmara do Guarujá, de 2021, e da Prefeitura de Araraquara, de 2022, em que as empresas amigas atuaram para vencer a licitação, simulando competição entre elas. O pregão 04/2021, para serviços gerais de limpeza e conservação, envolveu Mova, Safe Java, e Vagner Borges ME.

"A atuação e consagração recíproca em certames distintos é eloquente do esquema criminoso que busca frustrar o caráter competitivo das licitações - com vultosos contratos com a Administração Pública", diz a denúncia.

Uma inovação identificada foi a ação ostensiva do crime organizado para afastar eventuais concorrentes. Com as diversas empresas usadas e a ação truculenta do PCC, eles simulavam as disputas, mas em caso de surgirem concorrentes reais, em mais de uma conversa foi mencionada a ação intimidatória contra rivais.

"A participação/concurso de agentes públicos é, por vezes, dispensável na medida em que as empresas criadas para simular a competição em certames públicos pode ser suficiente à consagração de empresas do grupo criminoso com contratos de grande vulto", diz o documento.

Conexão com PCC

Latrell Brito é peça chave para o Gaeco ligar a corrupção dos agentes, os contratos fraudados e os interesses do PCC. Seu principal parceiro nas empresas usadas seria Márcio Zéca da Silva, o Gordo, oficialmente fichado por envolvimento com a facção paulista e com o tráfico de drogas. Em 2018, as autoridades haviam encontrado vínculos dele com Gordo, um dos alvos do caso da Cooper-Suzan, cooperativa do transporte alternativo em Suzano que era ligada ao PCC.

"Singela leitura dos autos da interceptação permite confirmar que Márcio e Vagner há muito eram sócios em certames que extrapolavam a atuação da Cooper-Suzan e ora podem ser compreendidos a partir do contexto da presente investigação", registra o Gaeco.

Vagner Borges, Gordo, Carlos Roberto Galvão Júnior, o Juninho, e Antônio Carlos de Morais foram denunciados na última semana como integrantes do núcleo "empresarial". São eles os elos com o PCC, segundo a denúncia.

As análises de conversas de Latrell Britto e Gordo mostram também a preocupação deles com os órgãos de controle, como o Coaf, e investigações. Numa troca de mensagens de áudio por aplicativo de celular, em 2021, os dois acusados falam sobre estratégias de movimentação financeira sem identificação pelas autoridades. Na conversa, Márcio cita uma cooperativa de transporte de Suzano.

O Gaeco reuniu conversas, documentos de quebra de sigilo e levantamentos que mostram a relação comercial e social de Latrell Britto e Gordo. Levantou dados abertos, como postagens em redes dos alvos.

"Não surpreende que, enquanto gozam dos valores desviados do erário das licitações fraudadas, Márcio, Vagner e Juninho desfrutem juntos, ostentando em redes sociais e festejando a vida de supostos empresários de sucesso, fulcrada na fraude de certames e corrupção de agentes públicos, sem contar o vínculo ao Primeiro Comando da Capital", registra a denúncia do MP. O processo reproduz imagens de um show particular, em casa de praia, publicada no dia 9 de junho de 2023, nas redes dos três acusados.

"Vagner e Márcio constituíram, adquiriram ou administram plêiade de empresas em nome próprio ou de terceiros, para simular a competição em certames de prefeituras e câmaras municipais no Estado de São Paulo, permitindo-lhes vultosos contratos administrativos em prejuízo ao erário e benefício do Primeiro Comando da Capital", diz denúncia do MPSP na Operação Munditia.

"Mais que isso, o envolvimento criminoso dos agentes permite a identificação de que alguns dos contratos fraudados servem aos interesses do Primeiro Comando da Capital, que mantém íntima relação escusa com o Poder Público através das mencionadas pessoas jurídicas", continua.

Os dois eram quem controlavam as empresas. "Vagner e Márcio recorrentemente se valem de empresas sob a titularidade de 'laranjas', funcionários, amigos e parentes — com o intuito evidente de ocultar os sócios de fato", registra o Gaeco. A Mova é uma das empresas, está em nome de Joyce da Silva Caetano, mas "é exemplo de uma prática recorrente da organização criminosa".

Segundo o Gaeco, a "leitura dos documentos disponibilizados por diversas prefeituras permite afirmar que a empresa mais recente dentre aquelas do Grupo Safe foi configurada para suceder a Vagner Borges Dias ME em contratos públicos — a manter contratos ilícitos e ocultar patrimônio da empresa de Vagner que deu entrada em pedido de recuperação judicial."

Gordo foi condenado por tráfico de drogas, pego com duzentas porções de cocaína e por ser integrante do PCC. O Gaeco descobriu que Latrell e Márcio eram mais que conhecidos. A foto que abre essa reportagem, destacada pelo MP-SP, é dos dois.

Propinas em dinheiro e Pix

Latrell era o contato do PCC e dos vereadores e servidores corrompidos, que recorriam a ele para cobrar propina sobre os contratos públicos, segundo a investigação.

Três vereadores foram presos no dia 16, alvos da Munditia, e quatro foram denunciados na última semana: Ricardo de Oliveira (PSD), o Queixão, de Cubatão, Flávio Batista de Souza (Podemos), o Inhá, de Ferraz de Vasconcelos, Luiz Carlos Alves Dias (MDB), o Luizão Arquiteto, de Santa Isabel, e Gabriel dos Santos (PSD), de Arujá.

Além de servidores, um deles o diretor jurídico da Câmara de Cubatão, Áurea Tupinamba de Oliveira Fausto Filho — que foi advogado do André do Rap, uma das lideranças do PCC no tráfico internacional. Ao todo, sete agentes públicos foram denunciados. São quatro vereadores e servidores municipais e das câmaras. Todos suspeitos de receberem propina do esquema para favorecer o grupo.

"Na estruturação em núcleos distintos de atuação e concurso recorrente, os denunciados agem para aliciar agentes públicos (secretários, vereadores e servidores públicos) e/ou pregoeiros ou simplesmente para frustrar o caráter competitivo das licitações em diversas cidades do Estado de São Paulo através da pluralidade de empresas previamente conluiadas", diz a denúncia.

Defesa

A reportagem procurou os advogados Rubens Catirce Junior e Leandro Sankari de Camargo Rosa, que defendem Vagner Borges, mas não obteve resposta. No TJ, os defensores pediram a anulação da ordem de prisão preventiva do cliente decretada com a abertura da ação penal. Eles negam existir provas de crimes.

A defesa de Márcio Silva não foi localizada.

Os vereadores e agentes públicos detidos negaram envolvimento com crimes nos autos e por meio de nota. No processo, apresentarão elementos e serão interrogados.

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