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Brasil

Familiares de 102 mortos pela ditadura militar recebem certidões de óbito retificadas nesta quarta (8)

Novos documentos reconhecem oficialmente que mortes foram cometidas pelo Estado; companheira e filho de desaparecidos políticos pedem Justiça

Imagem da noticia Familiares de 102 mortos pela ditadura militar recebem certidões de óbito retificadas nesta quarta (8)
Eunice Paiva, esposa do ex-deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura em 1971, conseguiu a primeira certidão de óbito do marido em 1996; documento não especificava causa da morte | Reprodução/MDHC
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A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), entrega nesta quarta-feira (8) certidões de óbito retificadas aos familiares de 102 pessoas mortas e desaparecidas durante a ditadura militar (1964-1985). A cerimônia acontece a partir das 15h30 no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

+ Conheça a história de 6 brasileiros mortos pela ditadura militar que terão certidão de óbito retificada

A medida corrige oficialmente as versões da época e reconhece que as mortes e desaparecimentos forçados foram resultado da violência de Estado. No novo documento, constará como causa da morte: não natural; violenta; causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964. Outros dados importantes das vítimas, como idade, estado civil, número de CPF, além da data aproximada e do local da morte, também devem ser preenchidos.

Entre os documentos entregues nesta quarta estará o do ex-deputado Rubens Paiva, preso em 20 de janeiro de 1971 e desparecido deste então. A esposa do ex-parlamentar, a advogada Eunice Paiva, conseguiu o primeiro atestado de óbito somente em fevereiro de 1996, a partir da lei 9.140, conhecida como a "Lei dos Desaparecidos Políticos". Nele, não havia causa da morte especificada.

O Brasil emitiu as primeiras certidões de óbito de vítimas da ditadura brasileira em 1996, com a criação da lei 9.140. Mesmo assim, elas não indicavam a causa da morte. A retificação das certidões de óbito pelos cartórios foi uma das 29 recomendações que a Comissão Nacional da Verdade fez em seu relatório final, publicado em 2014.

Ao todo, certidões de óbito de 434 mortos ou desaparecidos durante a ditadura terão que ser corrigidas para atender a Resolução nº 601/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essa é a segunda solenidade realizada pelo MDHC neste ano.

Em entrevista ao SBT News, a procuradora Eugênia Gonzaga, presidente da CEMDP, afirma que as certidões emitidas a partir da lei dos desaparecidos políticos resolveram questões práticas para as famílias, como o acesso a contas bancárias dos falecidos, mas também geraram desconforto pela falta de respostas. Os atestados retificados tentam, agora, "preencher algumas respostas homologadas pela Comissão Nacional da Verdade", diz.

A mudança, apenas documental, é a "principal forma de reparação moral" encontrada pelo governo, disse a procuradora. Segundo ela, as novas certidões devolvem os mortos e desaparecidos ao lugar de vítima – o que a ditadura militar tentou evitar – e ajuda a fechar um ciclo.

"A ditadura militar tentou esconder essas mortes, porque elas revelam a violência do período", diz Eugênia.

A lista com os nomes das 102 vítimas que terão as certidões de óbito entregues nesta quarta foi disponibilizada no site da CEMDP.

+ Certidão de óbito de Zuzu Angel, morta pela ditadura militar, é retificada após quase 50 anos

Familiares pedem justiça

Criméia Alice Schmidt de Almeida, militante e ex-guerrilheira no Araguaia, estará na cerimônia desta quarta-feira para receber a certidão de óbito retificada do companheiro, André Grabois, desaparecido até hoje. Em 1972, ela deixou a região após descobrir que estava grávida e seguiu para São Paulo, onde foi presa e torturada. O filho do casal, João Carlos, nasceu na prisão.

André Grabois seguiu no Araguaia e foi morto em 1973. Seu corpo nunca foi encontrado. Para Criméia, a entrega do novo documento, com parte da verdade do que aconteceu com o pai de seu filho, é muito importante, "mas não chega a ser um alívio".

"Falta saber quais os responsáveis pelo assassinato e a punição dos mesmos. Não é possível que o Estado brasileiro continue pagando altos salários ou pensões a assassinos reconhecidos pelo próprio Estado", diz ela, hoje com 79 anos.
André Grabois | Reprodução/Arquivo Nacional
André Grabois | Reprodução/Arquivo Nacional

Virgílio Gomes da Silva carrega o exato nome do pai, o operário Virgílio Gomes da Silva, morto sob tortura em setembro de 1969 e considerado o primeiro desaparecido político do Brasil. Ele também estará na solenidade desta quarta e defende que a retificação das certidões é "o mínimo que o Estado poderia fazer".

"A reparação histórica tem que ser muito mais profunda. Não é apenas um documento que vai ser engavetado, guardado ou virar um quadro pendurado na parede. Famílias como a nossa não têm um lugar onde depositar flores, porque ele é desaparecido, não tem túmulo. Isso é ultrajante", diz ele.

Assim como Criméia, ele defende que os responsáveis precisam ser responsabilizados. "A justiça não se faz apenas reconhecendo o mal que se fez. É muito além. Porque quem comete um ato criminal, em qualquer lugar do mundo, tem que pagar pelos seus atos", afirma.

"O tempo é implacável e a roda da história passa por cima da gente. E ela passou por cima do Estado brasileiro na oportunidade de se comportar um pouco mais digno com seus cidadãos que lutaram por essa democracia que hoje tanto está se defendendo", reforça.
Virgílio Gomes da Silva | Reprodução/Arquivo pessoal
Virgílio Gomes da Silva | Reprodução/Arquivo pessoal

Virgílio tinha apenas seis anos quando o pai foi morto. Ele e outros três irmãos, Wladimir, Gregório e Isabel – na época uma bebê de 6 meses –, foram presos com a mãe, Ilda Martins, hoje com 94 anos. Ao SBT News, ele falou também sobre as sequelas do cárcere na mãe. "Os que estão vivos ainda, que conseguiram ficar vivos depois de passar pelo cárcere, hoje carregam sequelas. Uma delas é minha mãe, ela ainda carrega os traumas das torturas, mesmo passado todos esses anos", afirma.

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