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Brasil

Conheça a história de 6 brasileiros mortos pela ditadura militar que terão certidão de óbito retificada

Documentos de 102 vítimas serão entregues nesta quarta-feira (8) em São Paulo, com reconhecimento de que mortes foram causadas pelo Estado

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SBT News conta a história de seis brasileiros que foram mortos ou desapareceram durante a ditadura militar (1964-1985) | Reprodução
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Mais de 100 brasileiros que foram mortos ou desapareceram durante a ditadura militar ocorrida de 1964 a 1985 terão, após décadas de luta de seus familiares por justiça e memória, suas certidões de óbito retificadas. A medida corrige oficialmente as versões da época e reconhece que essas mortes foram resultado da violência de Estado.

No novo documento, constará como causa da morte: não natural; violenta; causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964.

A cerimônia de entrega de 102 certidões de óbito retificadas acontece nesta quarta-feira (8), a partir das 15h30, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). É a segunda solenidade realizada pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) este ano.

A retificação das certidões de óbito pelos cartórios foi uma das orientações que a Comissão Nacional da Verdade fez em seu relatório final, publicado em 2014, e atende a Resolução nº 601/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No total, 202 mortos durante a ditadura terão suas certidões corrigidas e 232 desaparecidos durante o período vão ter direito a um atestado de óbito.

O SBT News conta, a seguir, a história de seis das vítimas que terão uma nova certidão de óbito a partir desta quarta:

Ana Maria Nacinovic Corrêa

Ana Maria Nacinovic Corrêa | Reprodução/Comissão da Verdade do Estado de São Paulo
Ana Maria Nacinovic Corrêa | Reprodução/Comissão da Verdade do Estado de São Paulo

Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização de luta armada, a estudante Ana Maria Nacinovic Corrêa foi morta em 14 de junho de 1972, aos 25 anos, após um suposto tiroteio no bairro da Mooca, em São Paulo, junto com outros dois militantes: Iuri Xavier Pereira e Marcos Nonato da Fonseca.

Os agentes, comandados por Carlos Alberto Brilhante Ustra, alegaram que ela morreu após reagir à prisão. No entanto, testemunhos e laudos periciais mostraram que Ana Maria havia sido presa viva, levada ao DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) e morta por execução à queima-roupa, com um tiro de cima para baixo – típica marca de execução.

O corpo foi entregue à família em um caixão lacrado, e uma exumação posterior, realizada em 13 de janeiro de 1997, revelou múltiplos disparos e sinais de tortura, desmentindo a versão oficial.

A certidão de óbito de Ana Maria, registrada em 15 de junho de 1972, aponta como causa da morte "lesões traumáticas crânio encefálicas".

Deixou a mãe, Anadyr Nacinovic, e o pai, Mário Henrique Nacinovic.

Aurora Maria Nascimento Furtado

Aurora Maria Nascimento Furtado | Reprodução/IVH
Aurora Maria Nascimento Furtado | Reprodução/IVH

Integrante da ALN, a estudante de psicologia Aurora Maria Nascimento Furtado foi morta no Rio de Janeiro, em 10 de novembro de 1972, aos 26 anos. Segundo a versão oficial, ela teria morrido em um confronto armado, mas testemunhos e laudos indicam que Aurora foi capturada viva, torturada e executada.

A jovem foi levada à Invernada de Olaria, delegacia no subúrbio carioca ligada ao Esquadrão da Morte, onde sofreu torturas brutais – entre elas o uso do instrumento conhecido como "coroa de Cristo", que esmaga o crânio.

Segundo o laudo necroscópico, o corpo de Aurora apresentava 29 perfurações de bala, porém sem sangue interno, indicando que os disparos foram feitos após sua morte, para simular um tiroteio. A causa da morte, de acordo com o documento, foram "ferimentos penetrantes na cabeça com dilaceração cerebral".

Certidão de óbito de Maria Lúcia Petit foi emitida pela primeira vez em 1996 | Reprodução/CEMDP
Certidão de óbito de Maria Lúcia Petit foi emitida pela primeira vez em 1996 | Reprodução/CEMDP

O corpo da jovem foi entregue à família em caixão lacrado, com ordens expressas para que não fosse aberto – o que não foi acatado pelos familiares. Um novo exame no IML constatou, além do afundamento do crânio, inúmeros sinais de tortura, como queimaduras e hematomas generalizados.

A morte de Aurora sob tortura foi confirmada pelo depoimento do ex-comandante do DOI-CODI carioca, Adyr Fiúza de Castro, no livro "Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão".

Deixou a mãe, Maria Lady Furtado, e o pai, Mauro Furtado.

Carlos Marighella

Carlos Marighella | Reprodução/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Carlos Marighella | Reprodução/Arquivo Público do Estado de São Paulo

Ex-deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e líder da ALN, Carlos Marighella foi assassinado em 4 de novembro de 1969, em São Paulo, aos 57 anos. Ele caiu em uma emboscada na Alameda Casa Branca, comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, chefe do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) paulista.

A versão oficial da ditadura afirmava que o militante havia morrido em um "violento tiroteio", mas laudos e fotos periciais mostraram que ele foi morto com um tiro à queima-roupa, no peito, enquanto estava dominado. A operação mobilizou cerca de 150 agentes, evidenciando o caráter de execução sumária. A arma de Marighella sequer foi tirada da bolsa que ele carregava.

A primeira certidão de óbito do ex-deputado, registrada no dia 7 de novembro de 1969, declara como causa da morte "hemorragia interna por ferimento de arma de fogo". Inicialmente enterrado como indigente, Marighella teve seus restos mortais levados para a Bahia em 1980.

Deixou a esposa, Clara Charf, e um filho, Carlos Augusto Marighella.

Maria Lúcia Petit da Silva

Maria Lúcia Petit da Silva | Reprodução/Comissão da Verdade do Estado de São Paulo
Maria Lúcia Petit da Silva | Reprodução/Comissão da Verdade do Estado de São Paulo

Militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a professora Maria Lúcia Petit da Silva desapareceu durante a Guerrilha do Araguaia, em 1972, aos 22 anos. O Exército afirmou que ela morreu em confronto, mas relatos dos poucos sobreviventes da guerrilha indicam que ela foi fuzilada ao amanhecer, em 16 de junho de 1972, após ser capturada. O tiro fatal – de cima para baixo – indicava execução sumária.

Em 1991, duas ossadas foram localizadas em Xambioá (TO), por familiares de desaparecidos e uma equipe de legistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Uma delas, envolta em pedaços de paraquedas, era de uma mulher.

Cinco anos depois, os restos mortais foram identificados como sendo de Maria Lúcia, com base em um exame de arcada dentária e fotos entregues anonimamente ao jornal O Globo por um militar que participou da repressão política. A família Petit conseguiu identificar a jovem morta, embrulhada no mesmo pedaço de paraquedas em que a ossada foi encontrada, em uma das imagens.

Maria Lúcia foi a primeira guerrilheira do Araguaia identificada. Seus restos mortais foram enterrados em Bauru (SP), em 16 de junho de 1996. Dois de seus irmãos, Jaime e Lúcio Petit da Silva, também desapareceram na região e não foram encontrados até hoje.

A certidão de óbito de Maria Lúcia, registrada em 28 de fevereiro de 1996, tem causa da morte ignorada.

Certidão de óbito de Maria Lúcia Petit foi emitida pela primeira vez em 1996 | Reprodução/CEMDP
Certidão de óbito de Maria Lúcia Petit foi emitida pela primeira vez em 1996 | Reprodução/CEMDP

Deixou a mãe, Julieta Petit da Silva, que até 1975 acreditou que os três filhos pudessem estar vivos.

Rubens Paiva

Rubens Paiva | Reprodução/Memórias da Ditadura
Rubens Paiva | Reprodução/Memórias da Ditadura

O ex-deputado federal Rubens Beyrodt Paiva (PTB) foi preso em 20 de janeiro de 1971, aos 41 anos. Ele foi levado de sua casa, no Rio de Janeiro, para o Comando da 3ª Zona Aérea e, em seguida, para o quartel da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, de onde desapareceu. A esposa, Eunice Paiva, e a filha Eliana, de 15 anos, também foram presas e interrogadas.

Depois das denúncias de desaparecimento, feitas por familiares e amigos, as Forças Armadas negaram a prisão e alegaram que o ex-parlamentar teria fugido durante um suposto tiroteio – versão posteriormente desmentida por documentos e testemunhas.

Uma ficha de recebimento do Destacamento de Operações de Informações (DOI) registra a entrada do ex-deputado e a apreensão de documentos e pertences dele. Testemunhos, como o do tenente-médico Amílcar Lobo, confirmam que Rubens Paiva foi torturado e morto nas dependências do Primeiro Batalhão da Polícia do Exército.

Ficha registrou a entrada de Rubens Paiva e a apreensão de documentos e pertences dele | Reprodução/Comissão da Verdade do Estado de São Paulo
Ficha registrou a entrada de Rubens Paiva e a apreensão de documentos e pertences dele | Reprodução/Comissão da Verdade do Estado de São Paulo

A família do ex-parlamentar conseguiu o registro de certidão de óbito em fevereiro de 1996, a partir da lei 9.140, conhecida como a "Lei dos Desaparecidos Políticos". Nela, não havia causa da morte especificada.

Deixou a esposa, Eunice Paiva, e cinco filhos: Vera, Eliana, Ana Lúcia, Maria Beatriz e Marcelo Rubens Paiva – escritor do livro "Ainda Estou Aqui", posteriormente adaptado para o cinema.

Virgílio Gomes da Silva

Virgílio Gomes da Silva | Reprodução/Arquivo pessoal
Virgílio Gomes da Silva | Reprodução/Arquivo pessoal

Conhecido pelo codinome "Jonas", o militante da ALN Virgílio Gomes da Silva é considerado o primeiro desaparecido político do Brasil. O operário era acusado de comandar o sequestro do embaixador norte-americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, que gerou a libertação de 15 prisioneiros políticos.

Preso em São Paulo, em 29 de setembro de 1969, foi morto sob tortura nas dependências do DOI-CODI, aos 36 anos. Apesar das testemunhas que ouviram seus gritos, foi declarado foragido por anos.

Decisão da 2ª Auditoria da Segunda Circunscrição Judiciária Militar (CJM), de setembro de 1970, trata Virgílio Gomes como foragido; ele estava morto há um ano | Reprodução/Arquivo Nacional
Decisão da 2ª Auditoria da Segunda Circunscrição Judiciária Militar (CJM), de setembro de 1970, trata Virgílio Gomes como foragido; ele estava morto há um ano | Reprodução/Arquivo Nacional

Seu óbito foi oficialmente reconhecido pela Lei 9.140. Na certidão emitida em fevereiro de 1996, não havia causa da morte especificada. Apesar de evidências que indicam que o corpo de Virgílio foi sepultado no Cemitério da Vila Formosa, ele não foi encontrado até os dias de hoje.

Só em 2004 a verdade foi confirmada por documentos oficiais: ao pesquisar o arquivo do DOPS, o jornalista Mário Magalhães localizou o laudo necroscópico e fotos do corpo do militante. Nos documentos, estavam ainda o número com o qual o cadáver foi enterrado e um bilhete escrito à mão com a frase "Não deve ser informado".

Deixou a esposa, Ilda Martins, e quatro filhos: Wladimir, Virgílio, Gregório e Isabel.

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