Grupo de WhatsApp, torturas e treino de tiro: denúncia que levou à operação no Rio revela rotina de facção
Documento do Ministério Público mostrou como Comando Vermelho se estrutura nos complexos do Alemão e da Penha


Emanuelle Menezes
A denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) que levou à megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha na terça-feira (28), que deixou 121 mortos, revelou como o Comando Vermelho (CV) se estrutura nas comunidades por meio de grupos de Whatsapp, em uma rotina de controle armado, torturas e até treinamento de tiro para novos integrantes da facção.
Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso, é apontado como a principal liderança do Comando Vermelho em liberdade. O documento, do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ, acusa ele e outras 68 pessoas de associação para o tráfico de drogas. A investigação detalha a função de cada um deles na facção.
Segundo a denúncia, o primeiro escalão do CV no Complexo da Penha conta ainda com Pedro Paulo Guedes, o Pedro Bala. Carlos Costa Neves, o Gadernal, e Washington Cesar Braga da Silva, o Grandão, são homens de confiança de Doca e apontados como gerentes-gerais do tráfico na comunidade.
Os quatro, de acordo com o Gaeco, "utilizam os grupos de WhatsApp para emitirem ordens de caráter geral e ordens sobre a comercialização de drogas para os subordinados, como também para determinar as escalas de plantões nos pontos de comercialização de drogas, as chamadas 'bocas de fumo', nos pontos de visão (monitoramento) e nos pontos de contenção (segurança armada)".
Além de gerente-geral, Gadernal também é responsável por liderar a expansão violenta e criminosa do CV na região de Jacarepaguá, em conjunto com Doca e Juan Breno Malta Ramos, o BMW.
Mensagens trocadas por ele demonstram, segundo o Ministério Público, que ele "exerce chefia sobre a grande maioria dos traficantes", orientando sobre a compra de armas de fogo e drones de vigilância. Em uma conversa obtida pelos investigadores, Gadernal discute com Grandão a compra de drones com visão noturna e térmica.

Na operação de terça-feira, os criminosos usaram drones para lançar bombas contra os policiais.
BMW, gerente do tráfico na Gardênia Azul, exerce ainda a função de chefe do grupo "Sombra" – que, segundo a denúncia, é integrado por matadores do Comando Vermelho que atuam na expansão territorial da facção.
Ele também é responsável por treinar novos "soldados do tráfico", usando da experiência no uso de armas de grosso calibre para instruir mais criminosos. Um vídeo em que um jovem atira de fuzil contra garrafas, na região da Pedreira, sob orientação de BMW, foi obtido pelos investigadores.

Até esta quinta-feira (30), o governo do Rio de Janeiro não divulgou quantos dos 69 acusados pelo Ministério Público foram presos ou mortos durante a megaoperação. Doca, o chefe do CV, não foi preso nem morto. Segundo o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, o líder da facção conseguiu fugir antes da chegada dos policiais.
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Torturas
Nos grupos de Whatsapp, os criminosos também orientam a prática de punições e torturas contra moradores, um "vapor" que estaria "perdendo" carregamento de droga e rivais que contrariem os interesses da facção.
Mulheres que brigam em bailes funks, por exemplo, são colocadas em uma banheira de gelo. Em uma mensagem, os criminosos escrevem: "Pra brigona que gosta de arrumar confusão no baile. Paizão não quer bater em morador, aí a melhor forma será essa".

Um vídeo obtido pelos investigadores mostra uma sessão de tortura contra um homem, identificado como Aldenir Martins do Monte Junior. Ele está algemado, amordaçado e é arrastado por um carro por sete minutos. A vítima é obrigada a confessar participação em um grupo rival e grita, implorando por perdão. BMW participa da tortura e, em determinado momento, faz uma ligação de vídeo para Gadernal.

Em outra conversa, Gadernal determina a execução de um "vapor" que estaria "perdendo" carregamento de droga. "É o vapor mais derramado, o gerente nós vai matar agora, na frente de geral. Se o Bacurau aparecer, nós vamos mandar geral brotar aqui, o gerente vai executar ele na frente de geral", diz.









