Califórnia pode tornar ilegal chefe acionar empregado fora da jornada; entenda
Lei do “direito à desconexão” permitiria aos funcionários não responder comunicações fora do horário de expediente; Brasil tem proposta semelhante
Um dos principais polos de tecnologia do mundo, a Califórnia, nos Estados Unidos, pode aprovar uma lei que deixará os executivos de tecnologia de cabelo em pé.
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Um legislador de São Francisco propôs um projeto de lei que protege o tempo do funcionário fora do horário de trabalho contra intrusões do chefe ou da empresa.
O deputado estadual Matt Haney colocou em discussão a proposta AB 2571, que dá ao empregado o “direito à desconexão”, podendo ignorar chamadas, emails, textos e mensagens de Slack (uma ferramenta de troca de mensagens em grupos de trabalho) enviadas fora do expediente determinado em contrato.
“Acho apropriado que a Califórnia, que criou muitas dessas tecnologias, seja também o estado que apresenta como podemos torná-la sustentável e atualizar nossas proteções para os tempos em que vivemos e para o mundo que criamos”, disse o deputado californiano ao jornal The San Francisco Standard.
+ Conheça o projeto de lei que propõe o direito à desconexão (em inglês)
A única liberação seria para mensagens de emergência ou para agendamentos. Os trabalhadores teriam os períodos de trabalho detalhados em seus contratos.
“Se você trabalha das 9h às 17h, não se deve esperar que você trabalhe 24 horas por dia, 7 dias por semana. Isso deveria estar disponível para todos, independentemente da existência de smartphones.”, avalia o político.
Para o legislador californiano, a ideia é recuperar para os cidadãos uma época de bem-estar em que o dia era dividido entre trabalho e tempo para lazer, família e descanso.
Países europeus e latino-americanos têm leis semelhantes
Leis que dão ao trabalhador o direito à desconexão já existem em alguns países da Europa. Em 2017, a França puxou o movimento aprovando uma política de direito à desconexão. Portugal, Espanha e Irlanda também seguiram os passos franceses.
Na América Latina também existe o mesmo tipo de lei. Argentina e México também adotaram medidas semelhantes.
Caso a Assembleia da Califórnia aprove a AB 2751, será o primeiro estado norte-americano a adotar uma lei de desconexão do tipo.
"Legalize o trabalho duro"
Garry Tan, principal executivo da Y Combinator, conhecida por acelerar empresas como Google e Facebook, além de outras gigantes da tecnologia, fez duras críticas ao projeto de lei e ao deputado autor da proposta.
“Legalize o trabalho duro. Haney está espalhando bobagens de novo, do cara que matou a álgebra e desencadeou a crise do fentanil no Tenderloin (bairro de São Francisco) ”, disse Tan em publicação na rede social X (antigo Twitter).
O cofundador da Y Combinator Paul Graham fez coro e também se manifestou no X (ex-Twitter) dizendo que os melhores trabalhos acontecem tarde da noite.
"Alguns dos melhores trabalhos são feitos tarde da noite. Não apenas em startups, mas também em pesquisas. É quando você pode trabalhar em problemas difíceis sem distrações. Se você olhasse os e-mails relatando avanços importantes, um número surpreendentemente grande teria sido enviado depois do expediente", diz Graham no X (antigo Twitter).
O cumprimento da lei seria fiscalizado pelo Departamento do Trabalho da Califórnia, que poderia aplicar multas a partir de 100 dólares por incidente para empregadores que seguem se comunicando fora do horário de expediente, forçando os funcionários a usar Zoom, responder mensagens ou monitorando o Slack.
A proposta segue para análise na Comissão Trabalhista da Assembleia da Califórnia.
Brasil tem projeto de lei semelhante
O Brasil também tem uma proposta de lei semelhante à que foi apresentado na Califórnia. Segundo o texto do Projeto de Lei 4044/2020, proposta pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES), o empregador não poderá solicitar a atenção do trabalhador por comunicação eletrônica fora do horário do expediente.
O contato ocorreria apenas em casos de força maior, que seriam considerados horas extras para o empregador. Empregados de férias não podem estar conectados a quaisquer dispositivos de internet relacionados ao trabalho.
O texto também modifica a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regulamentando a justificativa do regime de plantão e da escala de sobreaviso em relação ao trabalho à distância.
O autor da proposta justifica o PL como um direito à desconexão do trabalho, já que o avanço da tecnologia "escraviza" o trabalhador ao obrigá-lo a estar acessível remotamente a todo momento e que os dispositivos conectados à internet, assim como os serviços de mensagens usados fora do expediente, restringem o direito do período de folga.
“Tais ferramentas tecnológicas não têm sido utilizadas de forma episódica pelos empregadores, mas rotineiramente — como se os trabalhadores estivessem à sua disposição a todo momento — e, portanto, em total inobservância da jornada pactuada em contrato de trabalho”, argumenta o senador da Rede.