Transporte por app é 'terra sem lei' e regulamentação trará proteção ao motorista, diz relator
Projeto para regulamentar trabalho dos motoristas de aplicativos segue em discussão na Câmara; Daniel Agrobom (PL-GO) defende MEI exclusivo para categoria

Guilherme Resck
O projeto do governo que regulamenta o trabalho dos motoristas de aplicativos segue em discussão na Câmara dos Deputados e sem data prevista para ser votado na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços, onde chegou em abril. A categoria discorda de pontos da versão do texto que o relator, Augusto Coutinho (Republicanos-PE), propõe que seja aprovada, como a forma de contribuição dos trabalhadores para o INSS.
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Em entrevista ao SBT News nesta semana, Coutinho disse que é preciso regulamentar o trabalho dos motoristas de apps porque atualmente é "uma terra sem lei" e os aplicativos "fazem o que querem com o trabalhador".
Segundo o parlamentar, os motoristas não têm qualquer segurança do ponto de vista previdenciário e ficam "à mercê de completo controle" das plataformas, seja para admissão ou até desligamento deles. "Eles estão completamente descobertos de proteção", pontua Coutinho.
O levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que, em 2022, 778 mil pessoas exerciam o trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros.
Coutinho tem expectativa de que o projeto será votado na comissão ainda neste ano. Entretanto, defende que a votação seja feita de forma presencial e vê uma "contaminação grande ideológica e política" na matéria; ele exemplifica que bolsonaristas têm se posicionado contra regulamentar o trabalho dos motoristas de apps apenas porque o projeto veio do governo.
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O deputado ressalta que, em seu parecer, fez várias mudanças na versão original da proposta, conversando com o Executivo e com a categoria. Diz ainda que está aberto para negociar o conteúdo do substitutivo proposto, desde que a demanda seja "razoável". Segundo Coutinho, há um pedido dos motoristas, por exemplo, para que seja colocado um valor mínimo de R$ 10,00 para a corrida, mas isso não é possível.
"Porque à medida que você fizer isso, você vai tirar a oportunidade de, em muitas cidades pequenas, ter esse serviço de aplicativo. Não pode pensar o Brasil só em São Paulo, nem Rio, nem Recife. O Brasil tem Uber em Macapá, Caruaru, em Salgueiro", ressalta.
Se o mínimo de R$ 10,00 for colocado, fala o deputado, o serviço não seria mais disponibilizado nestas localidades, porque ficaria "inviável".
Coutinho ainda defende que, se o projeto for aprovado na forma como propõe, não haverá profissional autônomo no Brasil com todas as vantagens que terá o motorista de aplicativo.
Alterações
Entre as várias mudanças feitas pelo relator na versão original do projeto, está uma no trecho sobre a remuneração mínima para o motorista de aplicativo. O texto original dizia que o pagamento mínimo teria o valor horário de R$ 32,10, aplicável somente ao período entre a aceitação da viagem pelo motorista e a chegada do usuário ao destino.
Isso foi retirado na versão de Coutinho, mas esta diz que a taxa cobrada pela plataforma a título de remuneração bruta pelos serviços de intermediação não poderá ser superior a 30% do valor pago pelo passageiro. Ou seja, pelo menos 70% do valor da corrida vai para o motorista.
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A medida, diz o relator, fará com o que a plataforma "não pegue mais dinheiro do trabalhador". "Porque hoje a gente não tem regra para isso".
Atualmente, ressalta, há casos em que o motorista faz a corrida e recebe apenas 40% do valor dela. Além disso, quando há chuva ou muito trânsito, por exemplo, o aplicativo aumenta o valor da viagem, mas não repassa ao trabalhador.
"Isso é um absurdo. À medida que a gente faz casado um com o outro, se ele [app] cobra mais, o trabalhador vai ganhar mais".
Outra alteração diz respeito ao tempo diário de trabalho do motorista. O projeto original dizia que o período máximo de conexão do motorista a uma mesma plataforma não poderia ultrapassar 12 horas diárias. Coutinho entendeu que o trecho não impedia que o trabalhador continuasse logado em outra plataforma e trabalhando até a exaustão.
Dessa forma, sua versão diz que, dentro das 24 horas, "o motorista observará um período obrigatório de repouso não inferior a 11 horas, durante o qual deverá permanecer desconectado de todas as plataformas".
Diferentemente da versão original ainda, o substitutivo diz que são direitos do motorista prestar serviços em automóvel próprio ou de terceiros, compartilhar um mesmo automóvel com outros motoristas e receber do passageiro compensação pelo cancelamento da viagem iniciada. Esses direitos não eram citados no primeiro conteúdo.
Coutinho deixou expresso também que o motorista não será punido por cancelar a prestação de serviços quando o passageiro for diferente do solicitante ou não estiver no local de partida; houver mais pessoas do que o permitido no veículo; o passageiro estiver com animal ou excesso de bagagem; ou o passageiro apresentar comportamento agressivo ou perigoso. No caso dos animais, ficam ressalvados, por exemplo, os cães guias.
O substitutivo ainda traz uma medida para dar mais segurança a motoristas e passageiras: as plataformas ficam obrigadas a criar filtros que permitam mulheres optar por fazer viagens somente com motoristas ou passageiras mulheres.
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Em relação à contribuição previdenciária, a versão original dizia que o trabalhador autônomo por plataforma seria considerado contribuinte individual, e sua contribuição seria calculada mediante a aplicação da alíquota de 7,5% sobre o salário de contribuição.
Já a empresa operadora do aplicativo contribuiria à alíquota de 20% incidente sobre o salário de contribuição do trabalhador que preste serviço por ela intermediado.
Coutinho manteve o enquadramento dos motoristas na categoria de contribuintes individuais da previdência, sem possibilidade de se inscreverem como microempreendedor individual (MEI). Porém, reduziu a alíquota de contribuição do motorista de 7,5% para 5%, e aumentou a outra de 20% para 22,5%.
Atualmente, o motorista de aplicativo que deseja algum benefício previdenciário precisa contribuir como MEI; a contribuição mensal é de 5% sobre o salário mínimo.
Divergências
De acordo com o presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Motoristas de Aplicativos, deputado federal Daniel Agrobom (PL-GO), o substitutivo proposto pelo relator teve "alguns avanços" em relação ao texto original ,do governo, como ao estabelecer que o motorista poderá apresentar defesa, no prazo de cinco dias, no caso de a plataforma optar por suspendê-lo. Entretanto, pontuou em entrevista ao SBT News, há dois pontos que "não estão atendendo em nada a categoria": a forma de fazer a remuneração mínima do trabalhador e a forma de contribuição deles para o INSS.
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Agrobom explica que os motoristas de aplicativos querem que a remuneração seja por "km rodado mais tempo". "Esse é o principal ponto ainda que precisa ser modificado", afirma. Em relação à contribuição previdenciária, querem que continue sendo feita por meio do trabalho como MEI.
"Além desse recolhimento através do MEI, o MEI hoje já dá muitos benefícios para esses motoristas. Muitos estados já dão benefício para quem é cadastrado como microempreendedor individual", fala Agrobom.
"Então se ele perder o MEI hoje, ele já perderia alguns benefícios dentro dos seus próprios estados, como desconto em IPVA, como aquisição de veículos com descontos".
Agrobom diz que já teve reuniões no Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte para que o governo sinalizasse favorável ao recolhimento do INSS por meio da transformação dos motoristas em MEI, mas por enquanto o Executivo continua contrário à ideia.
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"A gente já está fazendo reuniões, trabalhando essa hipótese de ser criado um MEI exclusivo para motorista", acrescenta o parlamentar. A ideia, portanto, é que o projeto passasse a prever que a contribuição previdenciária viria por meio da atuação do motorista num formato de microempreendedor individual exclusivo para ele.
Em seu parecer sobre o projeto, Coutinho afirma que a contribuição mensal do MEI para o sistema de seguridade (de 5% sobre o salário mínimo) "não é capaz de conferir sustentabilidade e equilíbrio financeiro e atuarial para a cobertura previdenciária oferecida, gerando um sistema estruturalmente desequilibrado e deficitário". Esse é o entendimento do governo também.
Para Agrobom, do jeito que o projeto está hoje, é "difícil" ser colocado em pauta em qualquer comissão ou no plenário. Ele já está organizando uma reunião com Coutinho para tratar da proposta.