Eleições no Rio Grande do Sul podem ser adiadas por causa da tragédia? Entenda
Após entrevista de Eduardo Leite, TSE refutou possibilidade. Mas a corte não tem palavra final na discussão
O debate sobre a possibilidade de que as eleições de outubro sejam adiadas no Rio Grande do Sul surgiu na medida em que o estado teve mais de 90% de seus municípios impactados pelas chuvas, com 163 mortes até esta quinta-feira (23).
Em entrevista ao jornal O Globo, no início da semana, o governador Eduardo Leite (PSDB) afirmou que discutir uma mudança nas datas para eleger prefeitos e vereadores era "pertinente".
"Junho já é um momento pré-eleitoral e, em julho, se estabelecem as convenções. O estado estará em reconstrução, ainda em momentos incipientes, em que trocas de governos municipais podem atrapalhar esse processo", disse o tucano.
Na terça (21), um dia após as falas de Leite, o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes, descartou a possibilidade de adiamento.
"Não há nenhuma previsão, nenhuma discussão. As águas já estão baixando. Não houve nenhum dano estrutural no Tribunal Regional Eleitoral ou nos juízos eleitorais que impeça a realização normal das eleições em outubro em todo o Rio Grande do Sul", disse o magistrado.
Adiamento é possível?
Embora seja a principal instância da Justiça Eleitoral brasileira, o TSE não tem palavra final nessa discussão, como explicou Marina Morais, advogada e presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Goiás, ao SBT News.
Para promover a mudança na data das eleições, "o instrumento é uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição)", disse Morais. Nesse caso, a demanda é enviada ao Legislativo federal, com pauta e votação no plenário da Câmara dos Deputados. Se for aprovada, depende ainda da sanção presidencial.
Vale lembrar que, em 2020, as eleições municipais foram adiadas por causa da pandemia de covid-19 em todo o território nacional.
Em julho daquele ano, os deputados votaram para alterar as datas dos pleitos, de 4 e 25 de outubro (1º e 2º turno, nos municípios em que existe esse modelo) para 15 e 29 de novembro. "O TSE foi consultado, como deve voltar a ser [se a discussão for adiante] neste ano", afirmou Morais.
A Constituição Federal veta a possibilidade de mudar as datas de uma eleição a menos de um ano para ela acontecer, mas uma situação de calamidade pública autoriza algumas exceções legislativas, como explicou o SBT News.
Em 2020, porém, havia um adicional: a calamidade foi decretada em todo o território nacional. Segundo Marina Morais, a Constituição impõe outra regra, mais geral, para as disputas municipais: elas precisam ser realizadas de forma concomitante, ou seja, no mesmo dia e horário em todos os municípios do país, o que a princípio barra um adiamento exclusivo para o território gaúcho.
A demanda depende, portanto, de uma mobilização de parlamentares de todo o país. E, neste caso, o entrave também é político: boa parte deles participam das disputas municipais, seja lançando candidaturas às prefeituras ou apoiando aliados em seus berços políticos. Meses antes do pleito, eles já trabalham e articulam em eventos eleitorais prévios.
"É importante lembrar que alterações no calendário não incluem apenas mudanças na data de realização do pleito. Temos prazos de registro de candidaturas, propaganda eleitoral, atos preparatórios, e tudo isso deve ser levado em consideração", disse Morais. Esses eventos também foram adiados em 2020, e estão marcados para acontecer a partir de 20 de julho no calendário eleitoral deste ano.
O que já foi feito?
Há uma estimativa de que 5 a 8 mil urnas eletrônicas foram atingidas e danificadas pelas enchentes, segundo o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio Grande do Sul, já que o depósito de urnas de Porto Alegre, onde mais de 13 mil dispositivos ficam armazenados, inundou. A corte também declarou, contudo, que mais da metade delas não seriam utilizadas em outubro.
Desde o início das chuvas, o TSE prorrogou o prazo para fechar os cadastros eleitorais e dispensou a exigência de biometria neste ano em todo o estado.
Segundo Marina Morais, a Justiça Eleitoral tem feito um bom papel, dentro do possível, para viabilizar a realização das eleições. "Mas estamos falando apenas de logística, não de critérios de sensibilidade ou outros", afirmou.
Os critérios citados pela especialista incluem, por exemplo, o fato de que a mobilização de pautas eleitorais e militância política nas cidades deve ocorrer ainda enquanto elas trabalham para superar a tragédia, que não tem previsão de cessar. Além disso, existe a possibilidade de que cidades inteiras escolham seus prefeitos e vereadores enquanto precisam mudar de lugar.