Plano golpista teve início anos antes da derrota de Bolsonaro para Lula, indica PF
Empreitada teve início em 2019 com a atuação das chamadas milícias digitais no disparo de notícias falsas em diversos canais
Paola Cuenca
O inquérito do golpe que indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas indica que o plano de ruptura começou muito antes da derrota para Lula nas eleições de 2022.
As investigações apontam que o 8 de janeiro de 2023 - quando milhares de pessoas invadiram e depredaram os prédios dos Três Poderes, em Brasília, foi uma ação que começou a ser idealizada bem antes do ano passado.
Segundo a PF, a empreitada teve início em 2019 com a atuação das chamadas milícias digitais no disparo de notícias falsas em diversos canais. Ao mesmo tempo, a estratégia era reforçada por membros do governo e o então presidente, que disseminavam fake news e teorias conspiratórias pelas redes e aplicativos de mensagens.
Alexandre Ramagem, então diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) era uma das pessoas que subsidiavam os ataques.
Em um documento localizado pela investigação, e criado ainda em março de 2020 por Ramagem, o então diretor se dirige a Bolsonaro e diz que "já haveria como concluir que seria apontada a vulnerabilidade na transparência e na governança do tribunal".
Em julho de 2021, por meio das tradicionais lives semanais, Bolsonaro alimentou a desconfiança sobre as urnas e o Poder Judiciário, apresentou o que classificou como indícios de fraude nas eleições, atacou o TSE e pôs em cheque a credibilidade do sistema de votação.
"Não tem como se comprometer que as eleições não foram fraudadas ou foram fraudadas. São indícios. Um crime se faz de vários indícios", disse o então presidente.
Ainda em 2021, em 7 de setembro, Bolsonaro subiu o tom. No Dia da Independência, fez discursos inflamados em Brasília e São Paulo para apoiadores que exibiam cartazes alinhados à narrativa golpista.
"Nós queremos eleições limpas, auditáveis e com contagem publica dos votos. Não posso participar de uma farsa patrocinada ainda pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Nós temos três alternativas, em especial para mim: preso, morto ou com vitória. E dizer aos canalhas: eu nunca serei preso!", afirmou.
Em 2022, as investidas continuaram. Em julho, o então presidente reforçou, em reunião com ministros no Palácio do Planalto, que todos do governo deveriam disseminar fake news sobre as urnas. "Daqui pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar, ele vai falar para mim porque que ele não quer falar".
Depois de perder as eleições, Bolsonaro e aliados tentaram encontrar uma teoria que apontasse a existência de fraude que justificasse a decretação de um estado de sítio no TSE, o que daria inicio ao golpe. Apesar das pressões, em 9 de novembro de 2022, as Forças Armadas entregaram o relatório de fiscalização das urnas apontando que nenhuma falha havia sido detectada, o que gerou tensão nos bastidores.
O grupo criminoso, segundo a PF, temia que pessoas acampadas em frente a quartéis fossem desmobilizadas. No dia seguinte, uma nota do ministério da defesa negou que o relatório das forças armadas excluisse qualquer possibilidade de fraude.
A contestação do resultado eleitoral ganhou ainda um novo ator: o Partido Liberal (PL), que protocou um processo no TSE contestando modelos de urna usados no segundo turno da eleição. A ação não teve efeito prático e rendeu à legenda uma multa de R$ 22 milhões aplicada por Moraes.
Para a Polícia Federal, todos esses ataques às urnas que se inicaram em 2019 visavam uma eventual derrota de Bolsonaro. Caso o então presidente não conseguisse ser reeleito dali há quatro anos, o caminho já estaria pavimentado para um golpe.