Menos de 1% dos recursos em emendas parlamentares são para combate a incêndios florestais
Na última semana, ministro do Supremo Tribunal Federal disse que o Brasil vive "uma verdadeira pandemia de queimadas que deve ser enfrentada"
Ações de prevenção e enfrentamento de incêndios florestais, importantes para evitar momentos como este pelo qual o Brasil passa, com focos de fogo em várias localidades e fumaça de queimadas encobrindo cidades, parecem estar longe das principais preocupações dos deputados e senadores, quando se observa as emendas parlamentares de 2024.
Dos 594 congressistas, apenas três são autores de emendas individuais destinadas a essas ações, e o montante total direcionado para essas finalidades representa menos de 1% do previsto pelo Orçamento da União para as transferências propostas pelos parlamentares — tanto ao considerar a dotação (despesa) atual delas como ao pegar a inicial.
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Atualmente, o Orçamento de 2024 prevê R$ 49,17 bilhões para emendas parlamentares, dos quais R$ 10,75 milhões são para ações contra incêndios florestais. Os deputados federais Amom Mandel (Cidadania-AM), José Guimarães (PT-CE) e Leo Prates (PDT-BA) direcionaram, respectivamente, R$ 581.829,00, R$ 547.673,00 e R$ 300 mil para prevenção e controle de incêndios florestais nas áreas federais prioritárias. Guimarães é o líder do governo na Câmara.
A Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas ainda direcionou R$ 9,32 milhões para fiscalização ambiental e prevenção e combate a incêndios florestais.
Do total de R$ 10,75 milhões, R$ 9,21 milhões foram empenhados e R$ 7,57 milhões foram pagos, até o momento. Em relação às dotações iniciais das emendas parlamentares, ou seja, quanto o Orçamento de 2024 previa para elas quando foi sancionado, eram R$ 41,67 bilhões no total, dos quais R$ 11,53 milhões para ações contra incêndios. Os valores de Mandel, Guimarães e Prates eram os mesmos de agora, enquanto o da Comissão sobre Mudanças Climáticas era maior: R$ 10,10 milhões.
O SBT News levantou os números por meio do Painel do Orçamento Federal do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).
A reportagem analisou as emendas parlamentares do ano passado também. Nesse caso, apenas o ex-deputado federal Paulo Ramos (PDT-RJ) direcionou recursos para ação contra queimadas: R$ 1,14 milhão para prevenção e combate a incêndios florestais. O valor, que foi todo pago, é o mesmo na dotação inicial e atual da emenda e representa menos de 1% do montante total previsto pelo Orçamento de 2023 para emendas parlamentares (R$ 26,68 bilhões na dotação inicial e R$ 35,84 bilhões na dotação atual).
Segundo o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nas últimas 48 horas, foram detectados 4.226 focos de incêndio no país. De acordo com o Monitor do Fogo, do Mapbiomas, de janeiro a agosto de 2024, a área afetada pelo fogo no Brasil chegou a 11,39 milhões de hectares, mais do que o dobro se comparada ao mesmo período de 2023, quando a área queimada foi de 5,25 milhões de hectares.
Na última terça-feira (10), o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo convoque imediatamente mais bombeiros para combater os incêndios no país. Segundo o magistrado, o Brasil vive "uma verdadeira pandemia de queimadas que deve ser enfrentada".
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reforçou na terça que muitos estados e municípios brasileiros vêm sendo atingidos por incêndios florestais e pediu que os presidentes das Comissões de Meio Ambiente e de Segurança Pública e da Comissão Mista sobre Mudanças Climáticas se dediquem ao tema.
"O Brasil está em chamas, em função, provavelmente, de uma orquestração criminosa que tem colocado em risco os nossos biomas, as nossas vegetações, os nossos rios, as lavouras, que são expressão da produção nacional brasileira do agronegócio", disse.
Pacheco colocou o Senado à disposição do Poder Executivo no enfrentamento às causas dos eventos e às consequências deles.
Aversão às pautas ambientais
De acordo com o cientista político e ambientalista Marcos Woortmann, diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade, estatísticas mostram que a atual composição do Congresso é a "pior" desde a redemocratização, em termos de "aversão às pautas ambientais".
Ele ressalta que "a bancada ambientalista, que já foi de 237 parlamentares, chega mal a 50% desse número". "Isso expressa muito bem não apenas o desprezo pela pauta ambiental por parte dos congressistas, como também um problema sério em relação ao eleitor brasileiro, que tem colocado parlamentares com discursos avessos à proteção do meio ambiente", acrescenta.
Woortman alerta para a existência dentro do Congresso do chamado Pacote da Destruição, que consiste em 25 projetos de lei e três Propostas de Emenda à Constituição "com potencial destruidor do meio ambiente gigantesco, que vão desde a questão do licenciamento até a extinção da proteção, por exemplo, dos campos de altitude e de vegetações não florestais".
O ambientalista pondera que existem "bons parlamentares" que tem atuado em prol do meio ambiente e revela haver um projeto de lei sendo construído para abordar "o problema dos incêndios criminosos no Brasil" e "todos os crimes ambientais". O texto está sendo elaborado a várias mãos, incluindo "alguns dos maiores especialistas na área". Segundo Woortman, porém, "vai enfrentar muita resistência para ser aprovado".
Recursos para prevenção e enfrentamento
O Orçamento de 2024 da União é de R$ 5,4 trilhões. Do total, R$ 274,3 milhões (0,05%) são para ações de prevenção e enfrentamento de incêndios florestais.
De forma mais específica, R$ 156,25 milhões são para fiscalização ambiental e prevenção e combate a incêndios florestais; R$ 111,32 milhões, para prevenção e controle de incêndios florestais nas áreas federais prioritárias; R$ 3,5 milhões, para formulação e implementação de políticas, estratégias e iniciativas para o controle do desmatamento, incêndios florestais e o ordenamento ambiental territorial; e R$ 3,19 bilhões, para monitoramento da cobertura da terra e do risco de queimadas e incêndios florestais.
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Dos R$ 274,3 milhões, R$ 237,48 milhões foram empenhados e R$ 113,85 milhões foram pagos.
Na última terça, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, assinaram um decreto que cria o Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo, que deverá compartilhar informações e propor ações de curto, médio e longo prazos para enfrentar consequências das mudanças climáticas que causam incêndios em regiões de vegetação.
Em nota enviada à reportagem (confira a íntegra ao final), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima salientou que a pasta "atua desde o início da atual gestão na prevenção e no combate aos incêndios com a criação da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas, em 1º de janeiro de 2023".
Relembrou também que o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi relançado no dia 5 de junho do ano passado. "Com a retomada da fiscalização ambiental, houve queda de 50% da área sob alertas de desmatamento na Amazônia em 2023 na comparação com 2022, segundo dados do sistema Deter, do Inpe".
Marcos Woortmann ressalta que se a Amazônia continuar sendo desmatada e queimada como vem sendo, o bioma "pode entrar num processo de 'savazinação' sem retorno". Ele diz que o asfaltamento da Rodovia BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, anunciado por Lula na semana passada, "periga colocar toda a meta climática do Brasil em risco" e a Amazônia "no ponto de não retorno".
Para o ambientalista, é "absolutamente imprescindível" que os cidadãos brasileiros cobrem as autoridades públicas constituídas, dos Três Poderes, por medidas efetivas para a prevenção e enfrentamento de incêndios florestais. O Judiciário, reforça, precisa "fazer valer o direito ao meio ambiente saudável e equilibrado a todas as pessoas, direito este previsto na Constituição".
Seca
Segundo o governo federal, o Brasil enfrenta a pior estiagem em 75 anos. Em 2024, 58% do território brasileiro foi afetado pela seca e, em um terço do país, há seca severa. O fenômeno contribui para a ocorrência de incêndios.
O Orçamento de 2024 da União prevê R$ 5,54 milhões para ações de enfrentamento a ele. São R$ 4,24 milhões para enfrentamento dos processos de desertificação, mitigação e adaptação aos efeitos da seca; e R$ 1,29 milhões para contribuição à convenção internacional das Nações Unidas de combate à desertificação nos países afetados por seca grave e/ou desertificação.
Do total, R$ 3,38 milhões foram empenhados e R$ 859.351,18 foram pagos.
Em relação às emendas parlamentares de 2024, os deputados federais Carlos Veras (PT-PE) e Fernando Mineiro (PT-RN) destinaram, respectivamente, R$ 100 mil e R$ 500 mil para enfrentamento dos processos de desertificação, mitigação e adaptação aos efeitos da seca. Nada foi empenhado.
Já observando as emendas parlamentares de 2023, percebe-se que não foram destinados recursos para ações de enfrentamento do fenômeno.
Marcos Woortmann afirma que a seca é "um significativo agravante" para o problema dos incêndios florestais. Porém, acrescenta, "os incêndios nessa época do ano 100% são criminosos ou são motivados pelo descuido e o descontrole de um uso que hoje é vedado por lei, do uso de agricultura".
Conforme o ambientalista, "os únicos incêndios naturais são ocasionados por raios e tempestades. Estes são incêndios que acontecem quando existem precipitações, quando não estamos na seca, quando estamos na transição entre a seca e a estação das chuvas, que em muito poucos lugares do Brasil é o caso".
Em sua avaliação, atualmente, em termos de punição para quem provoca incêndios florestais criminosos, a lei é "absolutamente branda, inócua e ainda assim pouco aplicada". Isso porque, pontua, "a imensa maioria dos casos de incêndio, se um dia fossem comprovados, levados a juízo e condenados, resultaria em uma punição de cesta básica". "Absolutamente simbólica e que jamais poderia contornar ou compensar os danos causados à população", complementa.
Íntegra da nota do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima
O MMA atua desde o início da atual gestão na prevenção e no combate aos incêndios com a criação da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas, em 1º de janeiro de 2023.
O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi relançado em 5 de junho de 2023. Com a retomada da fiscalização ambiental, houve queda de 50% da área sob alertas de desmatamento na Amazônia em 2023 na comparação com 2022, segundo dados do sistema Deter, do Inpe.
Ibama e ICMBio têm cerca de 4,3 mil servidores na ativa, além de mais de 3 mil brigadistas em atuação neste ano, incluindo 1.468 na Amazônia Legal. Em agosto foi autorizada a contratação de mais brigadas temporárias em 20 estados.
No Pantanal, 842 funcionários do governo federal atuam no combate aos incêndios, apoiados por 18 aeronaves e 51 embarcações. No Cerrado, há 436 brigadistas do Ibama e do ICMBio.
A resposta federal é coordenada pela sala de situação de ministros para ações de prevenção e controle de incêndios e secas, criada em junho. O grupo já se reuniu cerca de 10 vezes, incluindo encontro participação de governadores da Amazônia e do Pantanal em que ficou decidida a atuação conjunta em três frentes multiagências interfederativas prioritárias de combate aos incêndios na Amazônia.
Em 5 de junho, o presidente Lula assinou pacto com governadores para combate ao desmatamento e aos incêndios no Pantanal e na Amazônia. Em julho, o presidente sancionou o Projeto de Lei n° 1.818/2022, que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. Na última terça (10/9), o presidente Lula assinou o Decreto nº 12.173, que cria o Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
Em julho, o presidente publicou também Medida Provisória que autorizou R$ 137 milhões para combate aos incêndios no Pantanal, incluindo R$ 72,3 milhões para o MMA. Assinou ainda MPs para agilizar o combate a incêndios florestais e facilitar a atuação de aviões estrangeiros no combate ao fogo. O MMA foi o único ministério não afetado pela contenção orçamentária realizada em julho.
O Ciman, que coordena operacionalmente a atuação de órgãos federais no combate aos incêndios no país, reúne-se três vezes por semana desde junho. Pela primeira vez as reuniões do grupo começaram no primeiro semestre, com a antecipação em dois meses da temporada de incêndios no Pantanal.
Os incêndios florestais no Brasil e em outros países da América do Sul, como Bolívia e Paraguai, são intensificados pela mudança do clima, que causa estiagens prolongadas em biomas como o Pantanal e Amazônia, onde a seca é a pior em 40 anos.
Mais informações nos boletins semanais publicados pelo MMA, disponíveis aqui.