Julgamento do núcleo 4 no STF: PGR pede condenação de réus acusados de espalhar fake news
Grupo é formado por cinco militares, um policial federal e um engenheiro; Primeira Turma começou a julgar caso nesta terça (14)
Paola Cuenca
Com público esvaziado, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta terça (14) o julgamento do núcleo 4 da tentativa de golpe de Estado. Diferente do julgamento do núcleo 1 – que tinha o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entre os réus –, a sessão desta terça tem tido ritmo acelerado com advogados de defesa dispensando parte do tempo de uma hora destinado às sustentações orais.
A sessão foi iniciada pontualmente, às nove horas da manhã, com a leitura do relatório da ação penal pelo relator do caso, ministro Alexandre de Moraes. O documento é uma espécie de resumo de todos os procedimentos realizados ao longo da tramitação do processo. Na sequência, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, sustentou pela acusação e pediu a condenação de todos os réus.
+ STF marca julgamento do núcleo 2 da tentativa de golpe para dezembro
Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), o núcleo 4, formado por sete réus, foi responsável por ações estratégicas de disseminação de desinformação com objetivo de gerar instabilidade social e desconfiança nas instituições democráticas. São eles:
- Ailton Moraes Barros, ex-major do Exército;
- Ângelo Denicoli, major da reserva do Exército;
- Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal ;
- Giancarlo Rodrigues, subtenente do Exército;
- Guilherme Almeida, tenente-coronel do Exército;
- Marcelo Bormevet, agente da Polícia Federal (PF);
- Reginaldo Abreu, coronel do Exército.
De acordo com a denúncia, os réus se valeram de tecnologias presentes na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar desafetos do ex-presidente Bolsonaro e espalhar conteúdo falso. O grupo ainda teria tentado descredibilizar as eleições de 2022 por meio de um relatório apresentado pelo Partido Liberal (PL) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que afirmava que milhares de urnas teriam falhas que demandavam a anulação de votos.
+ Barroso oficializa saída do STF e abre caminho para indicação de Lula

"Por meio da ação dos réus, a organização criminosa capitaneou a guerra informacional crescente. No começo, utilizaram-se da estrutura do Estado pra criar na população o sentimento de desconfiança contra as instituições. Para este intento, as mídias sociais foram abarrotadas de desinformações sobre autoridades públicas e sobre o sistema eleitoral", descreveu Gonet.
Na sustentação, o PGR descreveu a conduta individualizada dos acusados e apontou como cada atitude teria contribuído para o objetivo antidemocrático da organização criminosa liderada por Jair Bolsonaro. Gonet reforçou que ainda que os réus não tivessem o total conhecimento de como suas ações contribuíram com a intenção criminosa, isso não exclui a possibilidade de responsabilização.
+ Moraes autoriza visita médica a Bolsonaro após agravamento de crise de soluços
Defesas
Na manhã desta terça, três defesas foram ouvidas pelos ministros da Primeira Turma do STF.
O defensor público Gustavo Zortea, responsável pela defesa de Ailton Moraes Barros, pediu a absolvição do réu, afirmou que não há provas de cometimento de crime por parte do ex-militar e que as publicações feitas por ele seriam parte de suas ambições políticas. O réu chegou a se candidatar pelo Partido Liberal para o cargo de deputado estadual no Rio de Janeiro em 2022.
"O réu Ailton ademais esclarece no interrogatório que a sua intenção com a sua mensagem do Twitter era fazer marketing político para aumentar o número de seguidores e eleitores. Ele usou uma frase com ambiguidade para gerar engajamento, marcou pessoas influentes com intenção de que respostassem, como Paulo Figueiredo [também denunciado por envolvimento na tentativa de golpe]. Mas não tinha intenção golpista", sustentou o defensor acerca de postagem feita em novembro de 2022 sobre ser chegada a hora de a "onça beber água".
+ Moraes nega pedido da defesa de Bolsonaro para revogar prisão domiciliar
O advogado Zoser Hardman, responsável pela defesa de Angelo Denicoli, também pediu a absolvição do cliente e negou que o militar tivesse sido a ponte entre a organização criminosa e o argentino Fernando Cerimedo, que disseminou desinformações sobre suspostas fraudes nas urnas eletrônicas brasileiras.
"Ele teria encaminhado o telefone de Fernando Cerimedo a Mauro Cid em 8 de fevereiro de 2023. A live foi em novembro de 2022. Angelo acessa o Google Drive [disponibilizado por Fernando Cerimedo] em 17 de novembro, encaminha o telefone só no começo do ano seguinte. (...) Angelo diz que buscou em grupos de WhatsApp o contato do argentino. É um contato que, segundo consta, circulou em grupos de WhatsApp e ele vai e encaminha. [Mauro Cid] Pediu o contato e ele encaminhou. Isso serve de elemento de convicção de que ele teria contribuído para a live de 04 de novembro?", questionou Hardman.
O advogado de Denicoli também reclamou não ter tido acesso a mensagens que citaram o militar e teriam sido encontradas no aparelho de um ex-assessor do general Walter Braga Netto, condenado como parte do núcleo 1 da trama golpista. As mensagens foram expostas pela PGR nas alegações finais entregues ao STF. O relator Alexandre de Moraes pediu a palavra após a sustentação oral de Hardman e reconheceu que o conteúdo reclamado não fazia parte dos autos da ação penal, mas de outra investigação conduzida pelo tribunal.
O último advogado a sustentar na parte da manhã foi Melillo Diniz, responsável pela defesa do engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal (IVL), Carlos Rocha. O jurista rejeitou a acusação de que Rocha faria parte de uma organização criminosa que pretendia descredibilizar o processo eleitoral. O relatório de supostas falhas nas urnas eletrônicas, entregue pelo PL ao TSE, foi elaborado pelo instituto do réu.
"O trabalho técnico feito foi de auditoria. Tem gente que não gosta de auditoria. A questão é que auditar não é atacar. (...) Os relatórios do IVL foram entregues ao Partido Liberal como contribuição construtiva, fornecendo subsídios técnicos para o aprimoramento do sistema eleitoral brasileiro e não como juízo político. Muito menos como contestação de legitimidade da Justiça Eleitoral", defendeu o advogado, que pediu a absolvição de Rocha aos ministros.
A sessão de julgamento foi suspensa para o almoço, mas retornará na parte da tarde com as sustentações orais dos demais advogados de defesa. Encerrada esta etapa, o relator do caso fará a leitura do voto com a condenação ou absolvição dos réus.